Não consigo imaginar. Pensar como, de um momento para o outro, toda a nossa vida sofre um revés e temos de deixar tudo para trás. Tentar colocar-me no “lugar do outro” e fazer um exercício de empatia, que tantas vezes me foi falado ao longo da faculdade, torna-se numa tentativa inglória.

Não consigo imaginar porque, por aleatoriedade da vida, nasci num país seguro, onde só vi a guerra através dos livros, dos filmes ou da televisão e não sei distinguir um som de uma metralhadora.

É por isto que, à medida que o tempo passa e a experiência se adensa, é inevitável não sentirmos um “nó na garganta”, motivado pelo sentimento de impotência perante a situação que se vive em Lesbos, onde o número de pessoas que chega diariamente é consideravelmente superior ao número de pessoas que parte e a espera continua a ser, para milhares, a única certeza que possuem.

Em boa verdade, já sabia que, ao vir para Lesbos, ia passar por esse sentimento de impotência, questionar tantas vezes qual a minha função ali, qual o meu papel no meio de uma crise humanitária de tal ordem.

Em conversa com outro voluntário, este dizia-me que a nossa missão era, essencialmente, uma missão de dignidade, ou seja, promover a cuidar da dignidade dos que estavam no que campo.  É uma perspetiva pertinente, já que poucas ou nenhumas serão as respostas e as soluções que enquanto voluntário lhes trarei, mas acredito que temos o poder de promover uma maior dignidade e, se me permitem, levar um pouco de humanidade e de esperança a quem precisa, mais do que nunca, de acreditar que é possível mudar a situação em que se encontra.

No final da conversa, aquele homem agradeceu-me por estar ali e por o ter ouvido. Já não é a primeira vez que oiço tal agradecimento pelo “simples” facto de estarmos presentes. E continuou, dizendo que os voluntários da organização o ajudavam a não se sentir “mais um”.

Não me conformo e acredito que, paralelamente à promoção da dignidade, é nosso dever fazer com que cada um dos que se encontram no campo não se sintam como “mais um”, para que não passem a ser parte da forma banal como, cada vez mais, esta questão humanitária se tem instalado nas nossas vidas e, acima de tudo, para que tenham cada vez mais voz.

Afonso Borga tem 22 anos, é licenciado em Serviço Social e apaixonado por causas humanitárias. Durante os meses de agosto e setembro, e após outras experiências de voluntariado, estará num campo de refugiados em Lesbos (Grécia) com a ERCI, uma ONG grega, e irá relatar ao SAPO 24 essa experiência através de crónicas que poderá ler aqui.