O que os deputados britânicos vão decidir nesta terça-feira é o futuro do Reino Unido, num horizonte que já está muito próximo: é a partir de 29 de março, o dia marcado para o Reino Unido deixar de fazer parte da União Europeia. Ainda não se sabe se vai mesmo ser assim e que consequências vai ter qualquer das opções. O que salta à vista é que a decisão que for tomada, qualquer que seja, vai mexer com o dia-a-dia das pessoas. Sobretudo as do Reino Unido, mas também em toda a gente que se relaciona com o país, em especial os três milhões de britânicos que vivem em países da União Europeia e o milhão de europeus no Reino Unido. Há quem tema um inferno.

O que imediatamente está em causa é o modo de dar continuidade à relação entre duas economias, a britânica e a europeia, no último meio século muito interligadas, mas que agora, a ser seguida a vontade expressa no referendo de 2016, se vão separar. O divórcio muda a relação económica e financeira, mas também mexe com a livre circulação, tal como com as questões de trabalho, de segurança, de defesa, de saúde, de cultura e de ensino – em especial nas universidades. Daí a importância de ser um divórcio com acordos negociados, para amortecer impactos.

Theresa May negociou um acordo com a União Europeia, mas o resultado não agradou à maioria das pessoas e também à maioria dos deputados. De tal modo que, antes do Natal, a primeira-ministra britânica teve de o retirar de votação no parlamento para escapar à contundente derrota anunciada. O tempo passou e, entretanto, tudo continuou igual. A estratégia de May parece ter sido a de levar o automóvel do Brexit até à beira do precipício a ver se, perante o desespero, in extremis, as partes conseguem o compromisso. Até agora não se vê que esse sobressalto possa acontecer de modo a evitar a saída desordenada.

O atual principal encravanço está no que tem sido chamado de backstop. É uma concessão feita pela União Europeia aos britânicos para evitar a fronteira dura entre as Irlandas, a da República e a que continua britânica a norte. Manter a livre circulação entre Dublin e Belfast foi o compromisso encontrado por May e pelos negociadores europeus para evitar o impasse. Essa livre circulação foi negociada para funcionar até ser alcançado um acordo comercial. Os eurocéticos têm a noção de que nunca haverá acordo e, assim, a relação entre o Reino Unido e o continente, que eles querem acabar, tenderia a prolongar-se indefinidamente.

Os que querem sair da Europa estão contra a salvaguarda do backstop, argumentam que isso é o Brino (Brexit in name only, só de nome) que rejeitam, mas May está refém das partes – protestantes, unionistas e ultraconservadores do DUP - na Irlanda do Norte que são vitais para a sobrevivência do atual governo em Londres.

Assim, o impasse está à vista e a lançar incerteza máxima. O adiamento da data de saída para depois de 29 de março poderá ser uma tentativa de ganhar tempo para arranjar soluções. Crescem as vozes que clamam por novo referendo. Na votação de 23 junho de 2016, os britânicos escolheram deixar a Europa pela diferença de quatro pontos percentuais (52%/48%): 17.410.742 votaram pela saída, 16.141.241 pela permanência. Então, a Escócia e a metrópole de Londres votaram amplamente a favor da permanência britânica na União Europeia, mas em quase todas as outras regiões a maioria preferiu o divórcio. Há quem tenha votado pelo Brexit e agora se diga enganado pelas mentiras então espalhadas por Boris Johnson e Nigel Farage para influenciar o resultado.

Há quem defenda a necessidade de passar por eleições gerais antes de qualquer decisão final. Mas o tempo é muito apertado com o dia 29 de março como data marcada para o divórcio que está em vias de não ter acordo. Acresce que novas eleições, mesmo que com a anunciada provável vitória trabalhista, por si só não resolvem os impasses no Brexit. Há até uma outra questão: Jeremy Corbyn, líder trabalhista, é pela saída da União Europeia, mas a maioria do partido mostra-se a favor da permanência.

O tempo é muito escasso para remover tantos obstáculos. O que é que vai acontecer já no final deste trimestre? Os portos do Reino Unido vão entrar em colapso pelas longas filas de espera nas alfândegas? Vão escassear medicamentos e alimentos (as verduras da Europa do sul) com origem na União Europeia? Muita gente vai querer sair de Inglaterra? Tudo é incerto nestes frenéticos decisivos dias britânicos. Podem ser traumáticos.

A TER EM CONTA:

Está a valer o banco alimentar para garantir géneros essenciais a muitos dos 800 mil funcionários que nos EUA ficaram este mês sem ordenado por causa do shutdown.

A Cuatro, um dos grandes canais privados de televisão em Espanha, anunciou que vai deixar de emitir noticiários. Os telejornais estão a ficar obsoletos? El País lança a discussão.

Uma pergunta colocada pela BBC: os millennials serão a geração mais nostálgica?

Duas primeiras páginas escolhidas hoje: esta e esta. Também esta.