A eleição presidencial decidida por um quase cara ou coroa mostra que a Polónia, afinal, não está tão catequizada como parecia pela obstinação nacionalista e metade do país vota pelos valores liberais da Europa. As eleições autonómicas na Galiza e no País Basco apontam que o mais forte candidato a líder da direita espanhola é um moderado e chama-se Alberto Feijóo. Mas o mais imediato neste planeta mergulhado em crises, com autocratas (Putin, Xi Jinping, Erdogan) e um instável aprendiz (Trump) ao comando, é a possibilidade que a União Europeia tem de começar já nesta semana a impor-se à altura do desafio e, com a liderança de Angela Merkel e de Ursula von der Leyen, ressurgir como parte que conta no cenário global.

A cimeira europeia nas próximas quinta e sexta-feira em Bruxelas é a do arranque com decisões do semestre de presidência alemã da União Europeia – logo a seguir, a partir de janeiro, cabe a Portugal.

O que é que leva a ter esperança naquela dupla de alemãs agora no comando da Europa: as duas têm formação científica (Merkel foi investigadora de química quântica, Ursula formou-se em medicina e em economia e foi investigadora em medicina social), o que lhes dá consistência científica ao pensamento; cresceram na política alinhadas com a ala social da democracia-cristã; distinguem-se pelo pragmatismo, já mostraram coragem (Ursula com o audaz plano de recuperação da Europa, apoiado por Merkel e Macron, a chanceler já tinha mostrado ser valente, em 2015, com alto custo político, acolheu um milhão de refugiados), e é inquestionável o idealismo de ambas sobre os valores europeus.

Merkel foi muito detestada em Portugal nos tempos da troika. Ela já reconheceu, ainda que fugazmente, que as receitas aplicadas tinham erro. Mas o pensamento dela é inspirador como fica atestado pelo discurso “Abatam os muros da ignorância e a estreiteza de espírito” que pronunciou há um ano na graduação dos estudantes de Harvard. Exortou os graduados a rejeitarem o nacionalismo e o isolacionismo, a abraçarem a luta contra as alterações climáticas, a saber ver o mundo também através dos olhares dos outros e a nunca usarem mentiras como verdades. Ou seja, foi à terra de Trump incitar ao oposto da prática de Trump.

A cimeira europeia no final desta semana ainda pode enfrentar boicotes, sobretudo dos Países Baixos e talvez da Finlândia (mais do que da Áustria), mas se o plano de recuperação da União Europeia for aprovado pelo conjunto dos 27 (Merkel vai fazer tudo para o conseguir, poderá mesmo recorrer à proposta de abandono do voto unânime), a pandemia terá sido uma oportunidade para, a partir da dramática emergência, recuperar o fôlego que no final do século XX fez a União Europeia contar como potência respeitada.

O desafio para a União Europeia não é apenas o da recuperação económica. Há o do combate às alterações climáticas. O da, tão evidenciada como urgente, auto-suficiência em recursos para a saúde. O de fazer valer o precioso multilateralismo na geopolítica. Tudo está no plano de acção do semestre de presidência alemã da União Europeia. Há uma oportunidade, até há pouco fora do alcance, para o ressurgimento da Europa que parecia tão em colapso.

A eleição presidencial na Polónia merece atenção. O presidente Andrzej Duda está reeleito com 51,2% dos votos. Duda é um ultranacionalista, muito anti-europeu, conforme o modelo Kascinsky que parecia muito entranhado na vida polaca. Um dado relevante é a votação recolhida por Rafal Trzaskowski, candidato da oposição liberal com discurso assente nos ideais europeus: recebeu 48,8% dos votos, ficou a 500 mil votos do vencedor, numa eleição com afluência expressiva, a rondar 70% do eleitorado.

Os resultados mostram duas Polónias: a de leste, ultraconservadora, ultracatólica e até homofóbica, a do oeste liberal e mais progressista. A análise aos resultados também evidencia que o espírito europeísta é dominante nas principais cidades e o isolamento nacionalista mais fértil na Polónia rural.

Há um factor que continua a pesar muito sobre os polacos: a determinação para preservar a identidade do país perante o que é considerado como ameaça russa; também a rejeição de muito do liberalismo ocidental, sobretudo nos costumes.

Mas esta eleição também mostra que há uma outra Polónia, alinhada com os valores generosos da União Europeia que já tem corpo eleitoral para numa próxima eleição governar e liderar.

As eleições autonómicas deste domingo na Galiza e no País Basco premiaram a moderação e o nacionalismo dialogante. São robustos os sinais enviados para o âmbito político geral espanhol: uma certa inquietação e um certo consolo para o chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez; preocupação séria para o líder do PP, Pablo Casado; alarme vermelho para o líder do Unidas Podemos, Pablo Iglesias.

Sánchez tem o conforto de constatar que o PNV continua a precisar dos socialistas para governar o País Basco e assim fica consolidado, em permuta, o preciso apoio do PNV ao governo central d Espanha. O PSOE tem a frustração de conseguir apenas o terceiro lugar, tanto na Galiza (ultrapassado pelos nacionalistas do BNG e pelo PP triunfante) e no País Basco (suplantado pelo nacionalismo mais radical do Bildu e pelo moderado do PNV vencedor). Inquietação para Sánchez: o Podemos, parceiro à esquerda no governo espanhol, é irrelevante na Galiza (3,9%) e também não vale grande coisa no País Basco (8%). A geometria variável que Sánchez tem tentado com aproximações centristas ao Ciudadanos, de Inês Arrimadas, pode ter caminho a percorrer.

Há uma figura que emerge como principal nestas eleições: Alberto Núnez Feijóo, conquista, apesar das crises, a económica e a sanitária, a quarta maioria absoluta em 12 anos de poder. O líder do PP é um pragmático que gere com moderação e em diálogo. Tem discurso de Estado.

Feijóo, nascido há 57 anos em Ourense, chegou à política após ter dirigido os Correios. É opositor, dentro do PP, do estilo agreste da liderança de Pablo Casado. A direção nacional do PP deriva com frequência para o espaço da extrema-direita Vox, como se tivesse medo desta concorrência. Feijóo ignora o Vox e deixou esta direita aguerrida com apenas 2% dos votos na Galiza – o Vox tem ainda mais dificuldade em entrar no País Basco, onde colheu apenas 1,9% dos votos.

Está à vista que se Casado continuar, nas próximas sondagens, a não emergir como líder frente a dupla Sánches/Iglesias, então o eleitorado PP vai chamar a via moderada de Feijóo. Está na calha.

Uma nota mais: as eleições bascas mostram como o nacionalismo basco conseguiu a normalização política, com liderança pragmática. Mesmo a linha radical Bildu escolheu dar prioridade às aspirações sociais, deixando a questão da independência para depois, embora sem abdicar dela. Talvez seja um ensinamento para o nacionalismo e o independentismo catalão, que também terá de se medir em votos dentro de alguns meses.

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