O medo faz parte da condição humana. Não só faz parte como é imprescindível para que nos aguentemos vivos, ou parcialmente vivos, pelo menos.

Ter medo protege-nos seja de perigos físicos, como atravessar uma auto-estrada a correr ou enfrentar uma manada de gnus num desfiladeiro, assim como nos protege de perigos de profundo embaraço social, como urinarmo-nos todos cuecas abaixo já em adultos, ou ainda ser homofóbicos ou racistas em 2019.

Curiosamente, este último é um medo que não ocorre tão amiúde como eu acharia saudável – e otimisticamente expectável - na sociedade dos dias que correm. E o que é ainda mais engraçado é que a ausência deste medo do embaraço que muitas pessoas têm parece estar intimamente ligada, por outro lado, ao medo enorme que têm de duas coisas paradoxalmente semelhantes: a diferença e a igualdade.

Esta semana foram dois casos públicos que me fizeram pensar nisso. O primeiro foi a crónica do Tiago Dores, ex-Gato Fedorento, no Observador.

Falando da sexualidade com uma bonita altivez e o mais prazeroso escárnio de quem não concebe (nem sequer é em si, é nos demais) outra realidade que não a binariedade, acaba com a brilhante pergunta dirigida à Miley Cyrus (ativista LGBT e assumidamente pansexual): “Ó Miley, agora a sério, isto de pansexual é a antiga galdéria, não é?”. Genial. Numa só frase consegue hastear duas grandes bandeiras do mais bonito e bacoco conservadorismo. Primeiro, o facto de a sexualidade ser a preto e branco, como se aprende na escola (tal como o Tiago refere também na crónica). E se a professora primária lhe disse que meninos só podem ser meninos que gostam de meninas e vice-versa, para quê questionar? Depois, a relação entre número de parceiros sexuais e o nível de aprumo social de uma mulher. Como é óbvio, para o Tiago e para tantos, quantos mais parceiros sexuais uma mulher tem, maior o seu estatuto de galdéria (palavra cujo masculino nem sequer existe, e que é sinónimo de vadia, imoral, devassa). E Deus, e talvez quem sabe a professora do Tiago, nos livre de mulheres que fazem o que bem lhes apetece com a sua vida sexual. A diferença da sexualidade não-binária de algumas pessoas como a Miley dá tanto medo ao Tiago como a ideia de igualdade sexual de género.

Por outro lado, o André Ventura resolveu começar a investir fortemente no Twitter e tem-nos presenteado com um rol de tão pura quanto pouco requintada xenofobia. A propósito de um caso de um homem paquistanês que matou uma mulher em Matosinhos, o nosso Trump de contrafação fez questão de dizer que temos de ter cuidado porque “continuamos a trazê-los para cá” e “um dia acontece uma tragédia”. Nem me façam perder tempo a comentar a generalização xenófoba sobre paquistaneses. Mas não posso deixar de achar hilariante como o “primeiro os nossos” que pessoas como o Donald Ventura tanto apregoam neste caso não se aplica. Há dezenas de milhares de casos de violência doméstica (só os reportados) todos os anos em Portugal, sendo que caminhamos para as duas dezenas deste tipo de homicídios no país só este ano. Então não nos devíamos preocupar primeiro com os nossos? Pelos vistos, não. A diferença de tom de pele ou religião não merece a igualdade de tratamento, mesmo que as vítimas sejam as “nossas”.

Afinal, que medos tão primários são estes que lhes dão tantas dores e (des)venturas? Difícil entender. Mas fácil de perceber que, para eles, o errado tanto está na diferença como na igualdade.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Depois de morrer aconteceram-me muitas coisas: Sou muito fã dos livros do Ricardo Adolfo.

- Marrakesh: Estou cá e estou a adorar. As pessoas, a comida, o calor, os palácios.

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