A variante K é uma das mutações do terrorismo ISIS na galáxia que usa a identidade de "Estado Islâmico" e tem como alvo imediato impedir que os taliban consigam alguma estabilização do Afeganistão. Este K acrescentado à sigla ISIS remete para Khorasan (tradução: Terra do Sol), região que se estende por partes do Afeganistão, do Irão, do Tajiquistão, do Uzbequistão e do Turquemenistão.

A base do ISIS-K atravessa fronteiras dos Estados como explicou há já três anos um estudo do Center for Strategic and International Studies (CSIS). Essa base de recrutamento é formada por uma miríade de grupos que tratam de cativar novas gerações de combatentes fanáticos inspirados pela Al-Qaeda.

Todos estes grupos têm o ataque terrorista aos Estados Unidos da América em 11 de setembro de 2001 como trampolim. Em resposta aquela infame matança de quase 3.000 pessoas, o então presidente dos EUA, George W. Bush, deu ordem para invasão militar do Afeganistão, com derrube do governo taliban que encobria os esconderijos da Al-Qaeda com o chefe Osama bin Laden. A represália americana veio a ter acrescentada a muito controversa invasão do Iraque, então anunciada como ação preventiva frente ao regime de Saddam, com o argumento, que veio a saber-se ser mentiroso, de que dispunha de armas de destruição maciça.

Na sequência dessas invasões, Osama bin Laden encontrou esconderijo no Paquistão (onde veio a ser morto numa sofisticada operação secreta de forças especiais dos EUA) e os guerreiros da Al-Qaeda disseminaram-se por vários países da região e dão origem a várias frações. Uma delas tomou o nome de ISIS, Daesh ou Estado Islâmico.

O ISIS distinguiu-se da Al-Qaeda, logo de início, pelo domínio das ferramentas digitais e pelo estratégico uso das redes sociais para angariar combatentes e para difundir imagens do terror praticado, designadamente na execução e cruel decapitação de reféns ocidentais.

O estudo acima referido do CSIS situa em 2015 a aceitação pela direção central do ISIS da "lealdade" de um grupo autónomo com base na região Khorasan, com cerca de 4.000 combatentes. Passou a ser identificado ISIS-K.

Tornou-se clara em 2017 uma especificidade na ação do ISIS-K: ataca outros grupos islâmicos que considera demasiado brandos ou traidores da causa. 

Donald Trump, em fevereiro de 2019, proclamou ter destroçado "100% do ISIS e eliminado o poder territorial do califado na Síria". Depressa ficou evidente que vários grupos do ISIS continuavam vivos e a atacar. 

Fontes militares dos EUA atribuem ao ISIS-K mais de 250 ataques, a maior parte nos últimos dois anos. Esses ataques, para além de visarem tropas dos EUA e aliados em missão no Afeganistão, também atingiram forças de segurança taliban e paquistanesas. 

Há relatos de que células jihadistas que estavam adormecidas em várias cidades afegãs, incluindo Cabul, despertaram e estão agora armadas com o arsenal que os EUA tinham fornecido ao que eram as forças armadas do governo afegão.

Neste agosto, na tomada do poder no Afeganistão pelos taliban, o ISIS-K de imediato acusou os novos mandantes de serem uma "versão traidora à causa do Islão". Não lhes perdoam terem negociado com os americanos a saída do país de afegãos que colaboraram com "os invasores".

Há evidência de que a liderança política taliban instalada em Cabul está a procurar reconhecimento internacional e tem mostrado uma tão surpreendente moderação que chega a ser vista por alguma opinião como "máscara para a ocasião".

A realidade destes dias mostra que o atual topo político taliban está a negociar, seja com o diretor da CIA, seja com emissários chineses, russos, iranianos e do Qatar. 

É claro que subsiste a inquietante ameaça de gente que mantém a cultura obscurantista dos velhos taliban e é de prever que entre os novos também haja a tentação de desvios para interpretações fundamentalistas do Corão. Mas a realidade de hoje não é a de há 20 anos e a dependência que o novo poder tem do exterior faz supor que esteja atenuada a ameaça — que não deixa de existir — aos direitos humanos e, especialmente, aos direitos das mulheres.

O futuro próximo da vida com bases civilizadas no Afeganistão suscita preocupação e requer continuada atenção, também dos media.

Mas a maior nova ameaça terrorista vem da rede de grupos como ISIS-K, com muita gente que não só é dissidente dos taliban como os elege como inimigos a abater.

Uma das atuais inquietações é a debilidade do poder taliban perante a nova energia dos mais fundamentalistas armados apostados em arrolar novos recrutas e em criar novas células armadas e terroristas não só no Afeganistão mas também na vizinhança, em algumas das  antigas repúblicas soviéticas. É uma ameaça que certamente estará a merecer a atenção de Moscovo.

O cenário mais terrível é assim o de recomposição, a partir do Afeganistão, do Estado Islâmico que tem tido as suas células dispersas e adormecidas por vários países da região.

O K da sigla ISIS-K remete para Khorasan, ou seja, Terra do Sol. O temor é o de que este fanatismo armado aproveite o vazio no Afeganistão para à luz do sol espalhar mais terror. O problema terrorista que a guerra de 20 anos de invasão do Afeganistão não resolveu está de volta e exige que seja tratado. O perigo para a segurança global é enorme. Será que a Europa, sempre encravada em contradições, está preparada para esta ameaça?

O Afeganistão, incluindo o dever de tudo fazer para proteger cada cidadão afegão fora e dentro do país, impõe-se como assunto que deve ter máxima atenção.

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