A Turquia tem um movimento LGBTI+ forte e antigo em comparação com outros países da região. Em 2018 assinalava-se já o 26º aniversário da Semana Pride e o 16º da Marcha Pride de Istambul, eventos de proa do ativismo pelos direitos da comunidade lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual no país.

Ao conversar com ativistas em Karakoi sobre a sua vida, constato, ao ouvi-los e ao olhar em redor, como Istambul é uma cidade de diversidade, onde todos parecem ter lugar. A Turquia foi mesmo essa imagem durante muito tempo. Como país secular, tolerante, respeitador de todas as pessoas, a Turquia retrocedeu nos últimos anos. Ao reprimir a liberdade de expressão LGBTI+ o atual Presidente crê agradar a uma sociedade mais conservadora naquele país ganhando o seu apoio. Mas essa é uma escolha errada. Se há coisa que caracteriza a Turquia, e Istambul de forma particular, é o acolhimento e o beber de todas as culturas e formas de estar que lhes chega às portas do Bósforo. Esta cidade de cultura vibrante, não vai recuar no tempo.

Filmes, piqueniques, debates e outras atividades públicas preencheram a Semana Pride de 2018 em Istambul. A 1 de julho, centenas de ativistas tentaram manifestar-se na praça Taksim, apesar de o local ter sido fechado pela polícia para impedir a celebração da Marcha Pride – acabou por ser-lhes permitido, apenas, ler um comunicado na Rua Mis, de especial importância histórica para a comunidade LGBTI+.

Como na rua as pessoas não arredavam pé, a polícia recorreu a gás lacrimogéneo, a balas de plástico e a cães para as dispersar. Foi, ainda assim, uma repressão mais contida do que em anos anteriores: desta vez apenas 11 ativistas foram detidos e acabaram por ser postos em liberdade antes da meia-noite.

A Marcha Pride em Istambul é banida pelas autoridades desde 2015. No ano anterior tinha juntado mais de cem mil pessoas: foi um momento de ganho de ímpeto para o movimento LGBTI+ turco, pouco tempo passado dos protestos do Parque Gezi. Foi também, e pela força com que o ativismo se expressou nas ruas, vista como um perigo pelas autoridades. A primeira proibição seria emitida com o argumento de a data da marcha coincidir com o Ramadão. Essa justificação repetir-se-ia nos dois anos seguintes e então já também invocando razões de segurança.

Os organizadores da Marcha Pride de Istambul tentaram este ano contornar aquele bloqueio adiando a realização do evento em uma semana, de forma a que o evento não coincidisse com o Ramadão. Mas o governador voltou a lançar mão do argumento da segurança e proibiu, apenas dois dias antes, que as pessoas celebrassem pacificamente os direitos, a cultura e a comunidade LGBTI+.

Esta linha repressiva não é sequer exclusiva de Istambul. No ano passado, o governador de Ancara baniu todo o tipo de eventos LGBTI, sustentando serem imorais e danosos para a sociedade turca. A proibição espalhou-se a outras cidades do país: Mardin, Bursa, Izmir... E, sob a vigência das normas do estado de emergência – que perdurou até 18 de julho passado –, a sociedade civil não podia sequer contestar aquelas regulamentações ilegais.

A homossexualidade não é ilegal na Turquia. Mas as pessoas desta comunidade, e em especial transexuais que desempenham trabalho sexual, sentem na pele o ódio e a discriminação. A legislação constitucional truca não protege devidamente as pessoas LGBTI+ dos crimes de ódio e de outros delitos discriminatórios. E para muitas, o acesso e fruição dos direitos económicos, sociais e culturais estão repletos de obstáculos.

É uma realidade profundamente contrastante com a que vivemos em Portugal, em que a Marcha do Orgulho LGBTI enche as ruas de alegria numa festa coletiva com as cores do arco-íris. Milhares de pessoas deram corpo a essa inclusão ainda no mês passado em Lisboa, com uma participação recorde; há algumas semanas também no Porto se repetiu a festa. E a proteção dos direitos LGBTI+ na lei portuguesa está já muito próxima da plenitude.

Há, sim, caminho a fazer ainda em Portugal. Nem tão pouco os progressos jurídicos são suficientes por si mesmos, enquanto prevalecerem no tecido social preconceitos e discriminação como foi ilustrado há algumas semanas em Coimbra, em que um casal de namorados, após beijar-se, foi alvo de insultos e agressões violentas.

As marchas pride, na Turquia e em Portugal – e todos os beijos de todos os casais de namorados do mundo –, são expressão de identidades e de orientações, a celebração de tudo o que faz parte do ser humano. Nada há mais bonito que a expressão do amor, seja ele como for e onde for.

Todas as limitações e restrições à liberdade dessa expressão devem ser confrontadas, seja em Coimbra ou na praça Taksim em Istambul.