Os entrevistados são, respectivamente, Nuno Garoupa, professor universitário e ex-presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, ao SAPO24, e José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda e autor do livro "A Falácia do Empreendedorismo", ao Jornal I, e os entrevistadores, pela mesma ordem, a Isabel Tavares e o Nuno Ramos de Almeida. A qualidade das duplas também se traduz na qualidade da conversa.

Sobre a exigência

Diz Nuno Garoupa: "Podemos fazer leis mais estreitas em relação aos períodos de nojo, por exemplo, mas se as pessoas quiserem dar a volta à lei continuam a fazê-lo. O problema é que a sociedade portuguesa não é muito exigente. Não vale a pena falar em nomes populares, mas há várias pessoas que publicamente se fazem facilitadores e continuam aí sem qualquer problema social, já nem digo legal ou de outra natureza, em vez de ficarem afastadas durante anos.".

Os facilitadores são uma profissão altamente promissora em Portugal. E não são apenas os facilitadores-negociadores, aqueles que sabem coisas, que têm uma agenda de números de telefone valiosa e sobretudo pessoas que os atendem quando ligam. Há todo um outro escalão que vive em modo agenda de almoços, jantares e eventos a que não podem faltar, que não se esquece do telefonema sempre cortês a dar os parabéns, à direita e à esquerda, que está sempre ansioso de proximidade por qualquer lugarzito que cheire vagamente a poder. Este segundo escalão tem, por sua vez, amigos que deles não se esquecem porque sabem bem o quanto facilitam naquelas situações em que são precisas vozes para fazer o coro do aplauso ou da defesa da honra pública. Nice guys.

Sobre as verdades feitas

Diz José Soeiro ao Jornal I: "…começámos a frequentar cursos de criação do próprio emprego, cursos de empreendedorismo e para desempregados. Fomos, nomeadamente, a cursos da Associação Nacional de Jovens Empresários, num desses fóruns do empreendedorismo. Nós vamos para uma sessão que tinha como tema "Conquistar Emprego em Tempos de Crise – Estratégias para o Sucesso", em que o formador, no final da sessão, revela a fórmula do sucesso, que era o MET ao quadrado, e pergunta às pessoas o que significava essa sigla. Umas dizem motivação, emprego, trabalhadores, tenacidade... Ninguém acertava, e ele revelou no fim que era "mexam esse traseiro ao quadrado". Por um lado, é caricato e quase ridículo, mas é verdade que estas sessões existem e são financiadas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional e são apresentadas a milhares de desempregados como uma saída para o problema do desemprego."

Para muitos, o empreendedorismo é simplesmente a pílula do dia seguinte para todos os que ficaram ou nunca encontraram sequer um emprego. Já assisti pessoalmente a dezenas de discursos iguais, com as mesmas palavras "curativas" – aquelas que, depois de ouvidas, transformam para sempre a vida de quem as escuta e fazem nascer o "homem novo". Há várias premissas na bula desta pílula magnífica: 1) Todas as pessoas têm ideias e já agora boas ideias de negócio 2) Todas as pessoas são capazes de executar ideias de negócio 3) Se há pessoas que não têm ideias ou capacidade de execução para serem empreendedoras, têm de ser treinadas, admoestadas, corrigidas. MET ao quadrado – mexe esse traseiro, pois então.

Esta verdade feita de que somos todos empreendedores, porque essa é a maneira certa de viver nos dias de hoje, provoca danos a vários níveis. Em primeiro lugar, aos elos mais fracos – aos que não são, não têm qualquer aspiração ou capacidade para ser, mas, por se encontrarem em situação de desemprego, procuram uma solução, qualquer solução. Muitos destes já foram medicados com a pílula e muitos já sofreram efeitos secundários perversos – como, por exemplo, ficarem ainda em pior situação sendo patrão do que na condição de desempregado.

Em segundo lugar, esta verdade universal prejudica também quem efectivamente tem ideias e capacidade de execução, quem efectivamente é empreendedor – e sim, felizmente, temos hoje um número crescente de pessoas que, por opção e pelas competências que detêm, querem ser donas do seu próprio projecto, seja ele um negócio ou outra coisa qualquer. São óptimas notícias num país avesso ao risco e ao fracasso. Mas é péssimo quando este grupo é confundido, o que não acontece poucas vezes, com a tribo de wanabees que gastam o léxico do empreendedorismo, não perdem romaria a conferências e afins e a única ideia que efectivamente têm em mente é que é preciso saber aproveitar a "onda" do empreendedorismo. Têm bico amarelo como um pato, têm penas como um pato e andam como um pato. Logo, devem ser um pato. Neste caso, um empreendedor.

A presunção de que uns e outros são a mesma coisa é apenas intoxicação – e em alguns casos veneno.

Facilitadores e "empreendedores-wanabee" são faces diferentes de uma mesma moeda. O Portugal pouco exigente consigo próprio de que fala Nuno Garoupa. O Portugal em que os amigos e conhecidos dão um jeitinho a quem não for muito incómodo e souber estar no sítio certo. O Portugal em que não se fazem juízos críticos, porque nunca se sabe quando nos calhará a nós. Nuno Garoupa refere-se a este modus operandi como a infantilidade de o meu irmão bateu-me primeiro: "Quando se colocou a discussão de Maria Luís Albuquerque ir para a Arrow Global, um dos argumentos do PSD e da direita mediática foi que havia o caso de Maria de Belém na Espírito Santo Saúde e de Manuela Ferreira Leite no Santander. Ou seja, o argumento não foi se pode ou não e por que motivo, mas sim é aceitável porque outro já fez. Isto é um argumento de recreio (…) Provavelmente, Maria Luís estava errada, como esteve Maria de Belém, como esteve Manuela Ferreira Leite e esta dinâmica reflecte alguma falta de maturidade da nossa sociedade nestes assuntos".

Estes tiques nacionais que teimam em não desaparecer são uma espécie de nuvem por cima das nossas cabeças, mesmo que invisível, mesmo nos dias de sol. Ajudam certamente a explicar que, de acordo com o Índice Vida Melhor que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulga de dois em dois anos, Portugal seja o país mais insatisfeito com a vida que leva. Lê-se no Público: "Como é a vida em Portugal em 2016? Os rendimentos estão abaixo do nível médio da OCDE. A insegurança no mercado de trabalho é grande. A taxa de desemprego de longa duração atinge os 8,3%. Desde 2009, há cada vez mais pessoas a trabalhar longas horas por rotina."

Isso faz de nós insatisfeitos, mas não exigentes. À excepção de facilitadores e empreendedores-wanabee. Eles andam por aí e dão-se bem com o nosso clima.

Tenham um bom fim de semana.

Outras sugestões de leitura

Sobre a exigência ou falta dela e as verdades assim-assim, temos mais um capítulo da novela Banif. Afinal não havia pressa, diz a Comissão Europeia, e as férias na neve não tiveram qualquer impacto na pressão para a decisão sobre o futuro do banco. A decisão foi das autoridades portuguesas, diz a Comissão. De certeza que a história não fica por aqui – stay tuned.

A Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto realizou esta semana, no dia 1 de junho, uma Audição Parlamentar sobre "Os Novos Desafios da Comunicação Social". Não tenho link para partilhar, mas estive presente e esta foi e é não apenas uma iniciativa que dá sentido ao espírito que uma Assembleia da República deve ter, como foi organizada tendo como primeira premissa efectivamente ouvir e não discursar. O Parlamento é um dos locais por onde deve passar a discussão sobre o futuro dos media e o impacto no tipo de democracia em que queremos viver e esta iniciativa só pode ser de saudar.

E fecho com uma ideia que primeiro se estranha e depois se entranha. O "culpado" é Elon Musk, o senhor Tesla, o senhor SpaceX, o grande senhor da inovação nos dias de hoje. É provável, disse ele, que todos nós, humanos, não sejamos mais do que personagens de uma espécie de videojogo criado por uma civilização mais avançada. Ouçam-no e decidam se querem ou não entrar nesta discussão.

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