A História evolui constantemente, num contínuo em que acontecimentos de importância diferente se sucedem e sobrepõem; mas, de um ponto de vista “eurocentrista”, os académicos dividem-na em períodos, marcados por acontecimentos de tal grandeza que mudam os paradigmas anteriores. Para não irmos mais para trás, o fim da Idade Média e começo da Moderna é colocado em 1453, com a queda do Império Romano do Oriente, e a idade Contemporânea começa em 1789, com a Revolução Francesa. É fácil ver como estes acontecimentos mudaram o rumo da História, com a introdução de novas formas de pensamento e valores civilizacionais.

Todavia, depois de 1789 ainda não se considera, pelo menos “oficialmente”, um novo período. Há quem especule que terá começado em 1914, com a primeira guerra industrial e mundial, há quem defenda que a data deveria ser em 1945, com o lançamento da primeira bomba nuclear. Estaríamos, então, na Época Atómica, diferente da anterior porque as armas nucleares mudaram radicalmente o equilíbrio/desequilíbrio entre as potências dominantes. A Guerra Fria, nos seus aspectos ideológicos e estratégicos, é uma situação que não existia anteriormente.

Mas a Guerra Fria, e os poderes que a mantiveram, mudaram radicalmente. Hoje, já não é o perigo de sermos aniquilados por mísseis balísticos intercontinentais que nos preocupa. Desde o dia 11 de Setembro de 2001 que surgiu um novo paradigma, as ameaças e as hostilidades deixaram de ser entre Estados. Surgiu um novo tipo de entidade, não localizada territorialmente, com poderes de agressão que os Estados tradicionais não conseguem contrariar. Simultaneamente, apareceu outra arena (outro plano, se quisermos) de conflito, o digital, em que as acções podem ser tão mortíferas como no mundo físico. Mas, como a evolução digital levou anos a instalar-se, é difícil colocar-lhe uma data precisa.

O ataque às “torres gémeas” é uma novidade que muda tudo. Pela primeira vez, uma potência formidável, armada até aos dentes, é atacada no seu coração por um grupo difuso, que nem sequer possui armamento significativo. 

As posições estratégicas dos poderes mudaram de um dia para o outro. 

Já não se trata da opção entre capitalismo e comunismo, as duas mega-ideologias do período anterior, mas de imperialismo (capitalista ou comunista) contra convicções religiosas que se julgava irrelevantes. Para as potências ocidentais, descendentes dos valores judaico-cristãos, é ameaça do Islão; para o Islão, a questão é preservar os seus valores e torná-los universais.

Isto é uma mudança de Época, de Período Histórico, ainda por cima inesperada e com uma data muito precisa. (À laia de comparação, o Império Romano agonizou séculos, a queda de Constantinopla era um acontecimento previsível anos antes, e o próprio cerco da cidade durou 53 dias.)

É verdade que a ameaça de grupos radicais, como a Al Qaeda, já existia há anos, e que diversos ataques e atentados ocorreram em vários pontos do globo. Mas era impensável que um grupo relativamente pequeno e com meios limitados conseguisse infligir um tal golpe no centro moral e estratégico do maior poder mundial. Foi o génio de um homem, Khalid Sheikh Mohammed, que imaginou e executou uma operação de tal magnitude, usando a tecnologia do inimigo. A Revolução Francesa, a bomba atómica, levaram anos a congeminar e foram executadas por muitos protagonistas. O 11 de Setembro foi uma operação relativamente simples, realizada por muito poucos, com efeitos igualmente tectónicos.

A repercussão desta acção na vida de milhões de pessoas em muitas partes do mundo é difícil de avaliar. Não foi só o equilíbrio de forças no Médio Oriente e o sistema político de vários países que mudou; há milhares de mortos, de refugiados e de esfomeados a contabilizar. Acabou de ser publicado um livro da jornalista brasileira Simone Duarte, "O vento mudou de direcção", que justamente narra a vida de anónimos, pessoas comuns que apenas queriam viver a sua vida, e que foram engolidas pela carga dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Peste, Guerra, Fome e Morte) directa ou indirectamente relacionada com o 11 de Setembro.

Pode discutir-se — e tem-se discutido até à exaustão — centenas de razões para explicar o que aconteceu, desde as mais comuns, como "o imperialismo americano", como as mais exotéricas, tipo "a vontade de Alá", passando pelas mais técnicas, como as diferenças abissais entre ricos e pobres, favorecidos e desfavorecidos. Podem esmiuçar-se os pormenores das vastas consequências, como as mais evidentes — a Guerra do Afeganistão — ou as relativamente menos mediáticas; mas nada do que se considere pode apagar a importância daquele dia.

Faz hoje vinte anos que o mundo mudou — e não foi para melhor, com certeza.

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