Se os primeiros meses foram amplamente marcados pelo desconhecido relativamente ao vírus e às formas de lidar com ele, neste momento, arrisco dizer que, para o equilíbrio, importa muito a experiência que tivemos no confinamento anterior.
Depois de um período de verão que foi como um balão de oxigénio para muitos, mais próximos do que era a “normalidade”, começamos o novo ano com a dúvida de se realmente ficará tudo bem. O futuro é incerto e o sofrimento causado pela pandemia, pelo primeiro confinamento e/ou pela situação de crise (pandémica e socioeconómica), permanecem.
Os meses de pandemia têm exigido grande capacidade de adaptação e obrigaram-nos a aprender novas formas de trabalhar, de ensinar, de permanecer saudáveis e de estar próximos de quem gostamos. Se os primeiros meses foram amplamente marcados pelo desconhecido relativamente ao vírus e às formas de lidar com ele, neste momento, arrisco dizer que, para o equilíbrio, importa muito a experiência que tivemos no confinamento anterior.
Para alguns, sobressaem as aprendizagens e, por isso, orientam-se pela sensação de saber melhor o que fazer neste período, como lidar, com quem contar. Para outros, sobressai o mal-estar e o cansaço relativo à situação, às restrições, à incerteza. Não é que não possamos sentir tudo isto ou mesmo variantes disto ao mesmo tempo (podemos!). As experiências são tão distintas como cada uma das nossas circunstâncias e características individuais: uma experiência de confinamento com filhos foi diferente da experiência de quem não os tem; o confinamento com filhos crianças foi diferente do confinamento com filhos adolescentes; estar acompanhado e partilhar o espaço permanentemente foi diferente da experiência de quem esteve sozinho; a experiência de estar confinado com quem se tem relações saudáveis foi diferente de quem partilhou os dias em conflito ou mesmo em relações abusivas... Importa lembrarmo-nos disto para não esquecermos que partimos todos de lugares diferentes, cada um com as suas fragilidades e desafios, para este novo confinamento.
Se por um lado, este confinamento em muito se parece com o primeiro, por outro, há fatores de stress e de sofrimento que o tornam muito diferente. Os impactos psicológicos dos meses que já percorremos mostram-se não só no aumento das perturbações de ansiedade e de depressão, mas também no fenómeno identificado pela Organização Mundial de Saúde como “fadiga da pandemia”. Cada vez mais falada e presente, é uma reação natural à adversidade e incerteza, que se manifesta através de cansaço, desmotivação e desgaste emocional (sobretudo em assuntos relacionados com a covid-19). É natural sentir inquietação, angústia, tristeza, medo, zanga, desgaste e muito cansaço. É natural termos dúvidas (sobre o que vai acontecer ou até sobre o que estamos a sentir). É natural chorar, sentirmo-nos mais instáveis, irritáveis e ansiosos.
No caminho que cada um de nós faz neste confinamento importa tanto o que já aprendemos, sobre as nossas vulnerabilidades e estratégias para lidar com elas, como estarmos disponíveis para contactar com (novas) emoções, pensamentos e sensações que possam surgir. Não há só caminhos certos ou errados, não há uma forma única de lidar com o confinamento ou com a pandemia. O caminho mais certo será aquele que é mais adaptado a cada um de nós (à nossa experiência e às nossas características). Partilho algumas ideias, como uma espécie de pontos cardeais, para refletir ou aplicar, se adequadas ao caminho:
- Aumento da literacia para a saúde psicológica. É fundamental o investimento na educação para os comportamentos que promovam o bem-estar físico e psicológico, o autocuidado e o respeito pelo outro; para a existência natural das diferentes emoções, suas funções, impactos e estratégias de regulação.
- Manutenção de rotinas. As rotinas são promotoras de uma sensação de conforto e de previsibilidade no nosso quotidiano atual. Apesar de amplamente repetido, não é demais relembrar: o autocuidado é essencial. Desde o mais básico e primário como a manutenção dos hábitos de higiene, alimentação e sono, ao exercício físico, passando pela prática de atividades criativas e de relaxamento.
- Separação da vida profissional e vida pessoal. Quando estamos ligados ao mundo através de um único ecrã, pode ser desafiante separar o tempo de trabalho e o tempo de lazer, dedicado a nós. Uma vez mais, as rotinas (com o cumprimento do horário laboral e de tempo para pausas) são fundamentais para que os tempos livres nos pareçam realmente “livres”.
- Aprender a desligar. Estamos permanentemente online: para estarmos informados, para trabalhar, para ir às compras, para estar em contacto com pessoas de quem gostamos. Promover momentos em que podemos estar no aqui e no agora, presencialmente, connosco próprios ou com quem vive connosco pode ser um equilíbrio importante para não nos sentirmos assoberbados. Praticar meditação ou mindfulness, contemplar uma paisagem ou ler um livro podem ser algumas formas de desligar.
- Definir (os seus próprios) limites. Conhecermos e definirmos os nossos limites ajuda-nos a relacionarmo-nos melhor connosco próprios e com os outros, ajudando a nossa expressão emocional. Neste momento os limites (nas relações) podem estar difusos, potenciando a sensação de exaustão emocional e de dificuldade em lidar com as situações.
- Estar em contacto com o mundo interno. O autoconhecimento (emocional) é um bom primeiro passo para lidarmos com a situação atual. Conhecermos e permitirmo-nos estar em contacto com as emoções, pensamentos e sensações que surgem, ajuda-nos a definir de forma mais adaptativa as estratégias para os regular.
- Manter-se em relação. Manter contacto (da forma possível) com pessoas próximas, ajuda a manter a sensação de proximidade e de menor isolamento. Os nossos amigos e familiares são valiosos recursos para lidarmos com o momento atual com o que estamos a sentir.
- Pedir ajuda. Sem vergonha. Precisar de ajuda é natural. Quando o que sentimos é demasiado intenso, frequente e duradouro, interferindo no nosso bem-estar diário, ajuda de um psicólogo ou psicoterapeuta pode ser essencial.
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