Lembro-me uma vez, na escola, de me ter esquecido de levar o papel que a minha mãe havia assinado no dia anterior. Antecipando uma zanga da querida Professora Virgínia procurei o papel na mochila enquanto ganhava tempo, e pensava na desculpa perfeita para o meu erro. A diferença entre uma criança de seis anos, e o escorpião desta semana é que eu depressa percebi que aquele teatrinho não me levaria a lado nenhum, e perante a desilusão da professora nunca mais fiz semelhante truque. Ora, o mínimo que se exigia do Governo era que tivesse tanto respeito e consideração pelos portugueses, como eu tinha pela Professora Gina. Mas depois depois desta semana percebemos que nós estamos mais ao nível do papel assinado esquecido na secretária.
O teatrinho do Governo durou mais tempo e envolveu uma maior produção. Se primeiro havia suspeitas que o despedimento da CEO da TAP era político. Vieram, então, os políticos dizer que havia um parecer jurídico "blindado" a justificá-lo. Christine Ourmières-Widener desconhecia o parecer que justificava a causa do seu despedimento. Foi então, na Comissão de Inquérito, que está a por a TAP a descoberto - não obstante os seus lucros -, pedido, a quem dizia haver parecer, o tal parecer. A Ministra Ana Catarina Mendes, depressa junta a sua voz à dos colegas, alegando interesse público para fazer caixinha do parecer. Tudo parecia ir de mal a pior, e o parecer não dava sinais de ver a luz do dia.
O PSD depressa acusou o governo de "atuar à margem da lei" por recusar mostrar o parecer que dava "respaldo jurídico" ao despedimento. Mas Medina - sem saber que os colegas procuravam o parecer na mochila - e depois de ter sido o primeiro a dizer que o parecer lá estava, veio hoje dizer que afinal não há parecer nenhum. Da esquerda à direita - incluindo o próprio partido socialista- todos pedem esclarecimentos, e questionam quem é o ministro que está a mentir. Rui Tavares, do Livre, usou Gato Fedorento, para perguntar "o parecer, qual parecer?"
Bruno Aragão, coordenador do PS na comissão de inquérito à TAP, veio acrescentar que nunca ninguém se recusou a mostrar o parecer que a Ministra dos Assuntos Parlamentares disse "não caber no âmbito da comissão parlamentar de inquérito (CPI)" e cuja"divulgação envolve riscos na defesa jurídica da posição do Estado". E que o Ministro das Finanças garantiu não existir, dizendo que "não há nenhum parecer, a ideia que se criou de que haveria um parecer… não há nenhum parecer adicional àquilo que é a base da justificação da demissão, que é mais do que suficiente para quem a leu, relativamente ao parecer da Inspeção Geral de Finanças". Segundo podemos supor, António Costa ainda estará à procura do parecer na mochila.
Durante as eleições brasileiras acreditámos com tanta força que Lula era um mal menor, que quase que nos convencemos que era bom. E, agora, Lula que nunca enganou ninguém, voltou a dizer o que sempre disse publicamente, e sempre pensou. E nós lembrámo-nos que o senhor do "entre um e outro venha o Diabo e escolha, mas o diabo escolheria o outro", vinha falar a Portugal no dia da democracia. A questão é o não reconhecimento da invasão da Ucrânia e a responsabilidade da guerra por Moscovo.
O problema não é Lula ter dito o que sempre pensou. O problema não foi Lula tê-lo dito a dias de aterrar em Portugal. O problema não foi ter dito o que sempre disse. O problema não foi tê-lo dito na China. O problema não foi Lula vir a Portugal. O problema é, e sempre foi, acreditar que um homem que não acredita no valor democrático da autodeterminação de um Estado soberano, podia ser convidado para falar na Assembleia da República, no dia em que celebramos a democracia, no aniversário do dia em que concedemos a outros Estados o direito à sua existência sem ingerências forçadas e tropas portuguesas a fazer guerras em terras alheias.
Lula é o sapo que conseguiu lembrar os portugueses que era mais do que o homem que tirou Bolsonaro do poder. E quem agora tenta atenuar as palavras do Presidente brasileiro põe-se no papel dos que tentavam atenuar as palavras de Bolsonaro. Agora, com medo que as danças que o Chega anda a fazer no TikTok chegassem à Assembleia da República. Com receio das reações dos outros partidos. Com medo que os Ucranianos se fizessem ouvir mais que os gritos das celebrações do 25 da abril, Lula irá entrar no parlamento falar e sair antes da festa começar.
O Presidente do Brasil, a sua visita de Estado, e as relações entre Portugal e o Brasil mereciam uma maior dignidade. Os brasileiros não merecem os convites feitos, desfeitos e refeitos. O Presidente do Brasil merece um calendário que não fosse alterado de véspera, e uma visita onde a diplomacia imperasse. Ignorando o que devia ser ignorado e valorizando o que tem que ser valorizado. E, claro, negociando as possíveis cedências onde tivessem que ser negociadas. Mas, para isso, a visita nunca devia acontecer no 25 de abril, e agora já é demasiado tarde.
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