Pois é. Não é fácil entender o que aconteceu no Brasil. Não vou tentar explicar todos os detalhes, nem avaliar tecnicamente o que aconteceu. São muitos os especialistas melhor preparados para o fazer. Eu mesmo, para escrever este artigo, pedi socorro ao meu amigo que mais entende de política. E esse é o busílis da questão, a situação é tão complexa que nem o brasileiro normalmente consegue explicar.

Dilma Rousseff não é mais a presidente do Brasil. Agora, definitivamente. E não foi porque roubou milhões ou pela rede de corrupção que vem sendo desenterrada no caso Lava Jato. Nunca se conseguiram provas para associar Dilma a estes processos, apesar do grande envolvimento do seu partido, o PT. Na verdade, a ex-presidente foi destituída por um crime fiscal. A acusação que gerou todo o julgamento, foi a de realizar manobras fiscais irregulares. Manobras complexas, que já haviam sido feitas em governos anteriores (leia-se Lula e FHC), mas em medidas imensamente inferiores.

A tecnicidade deste julgamento causa um distanciamento emocional da população que acusa. Os opositores à manutenção do governo do PT não conseguem afirmar que estão a comemorar, por que a briga não era contra a Dilma, é contra um sistema corrupto que foi extremamente potenciado pelo governo do Partido dos Trabalhadores. Na mesma medida, os defensores de Lula e Dilma sentem-se afrontados pela forma como foram tirados do poder e esse é um sentimento muito mais passional. A divisão entre direita e esquerda no Brasil ficou latente e o país praticamente dividiu-se ao meio. Famílias brigaram por causa deste tema, inclusive a minha.

Apesar de ser acusada por uma falha técnica, Dilma foi julgada pela população por todo o momento difícil que o Brasil vive hoje. Em grave crise económica, com real perda de poder aquisitivo pela população, com escândalos de corrupção todos os dias, entre tantos problemas, Dilma não mostrava mais a capacidade para mudar o curso de seu governo e a pressão da imprensa, de investidores, empresários, banqueiros e de grande parte da população foi a gota d’água para a derrubar.

Sim, grande parte da população queria a saída de Dilma e outra grande parte considera o que aconteceu um golpe. Os protestos de março, a favor do impeachment, foram os maiores da história do país e um dos maiores da história moderna, mas o número de pessoas contrário ao impeachment é também gigantesco. Foi golpe? Não foi? Na verdade, foi uma manobra política digna de House of Cards, questionável, mas não ilegal. Mas mesmo sendo contrário ao PT, é difícil ter um sentimento de vitória no dia de hoje.

No termómetro da minha timeline do Facebook, vejo mensagens de “Tchau querida” e de “Fora Temer”. O brasileiro se politizou nos últimos anos e consegue discutir política. Vejo o meu irmão de 16 anos opinar, com fatos, sobre este processo e saber ser mais racional do que a maioria das pessoas mais velhas que ele. No geral, as pessoas gritam Fora Temer ou Fora Dilma sem grandes argumentos, mas a nova geração já não é assim. Isso é algo que me conforta e espero que seja irreversível.

Eu, como brasileiro, não acordo com orgulho pelo que aconteceu. Hoje o governo continua infestado de “macacos velhos” que conhecem bem a sordidez da política. Mas, o Brasil não podia mais ficar parado à espera do que iria acontecer. A crise económica é terrível, o número de desempregados só aumenta e a nossa imagem está muito arranhada no cenário internacional.

O meu sentimento é de que foi um golpe na nossa democracia, contudo um golpe necessário e que não pode parar por aqui. Temos que fazer pressão por reformas fundamentais, principalmente a política, e garantir que nas eleições municipais de outubro já seja entregue uma mensagem de basta. Basta de corrupção e de políticos que não nos representam.

Fora Dilma! Fora Temer! Fora Aécio! Fora Cunha! Fora Renan! Fora a um Brasil que não é o nosso... que esse ato de hoje não seja à toa.

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