A Internet é o ambiente perfeito para o surgimento e reprodução de um novo torcedor. Com espaço para se manifestar (pouco espaço, já que a maioria dos comentários ocorrem nos 280 caracteres do Twitter) e reverberar entre os seus iguais, o torcedor do novo milénio é um fator de mudança, ou pelo menos de conflito, no futebol brasileiro.
O torcedor de balanço, que prefere um novo patrocinador a um golo da sua equipa, parece ter a receita. Basta uma gestão profissional, com pessoas do mercado, e tratar o clube como uma empresa, procurar maximizar receitas e minimizar despesas. Os títulos virão, obviamente, pensam eles. Claro que isso é importante, mas futebol não é só isso.
O fã de Guardiola, e os seus termos técnicos elitistas, parece ter a receita. Basta subir as linhas, forçar o passe entrelinhas, ter amplitude com os extremos. Os títulos virão, obviamente, pensam eles. Claro que a tática é importante para o jogo, mas o futebol não é só isso.
Os Enzos do século 21 com uma foto do Neymar, no lugar da sua, no perfil das redes sociais, parecem ter a receita. Apaixonaram-se por outro futebol e veem os seus ídolos na Europa, no Instagram, nas festas VIP.
Veem futebol europeu todos os fins de semana e usam camisolas do PSG, Manchester City, Chelsea.
Torcem por jogadores do Ajax, Lyon e só são bons se tiveram bons stats no FIFA. Para eles, habituados ao modelo Europeu, uma equipa classificar-se para a Libertadores é mais importante do que vencer o campeonato Estadual. O jogo brasileiro parou no tempo e ficou para trás, mas o futebol brasileiro não é como o Europeu.
As redes sociais amplificam a voz destes torcedores, filhos da Internet e do acesso que ela trouxe para o mundo. Com o passar do tempo, são estes torcedores que ocupam cadeiras de jornalistas ou comentaristas na televisão. Com as novas mídias, são os torcedores que muitas vezes influenciam mais do que a notícia, através dos seus canais de Youtube.
O torcedor anterior a estes novos tempos, que vibrou com golos de Romário, Viola, Oséias, Washington, não consegue entender a idolatria ao Roberto Firmino. Para não falar dos que viram Zico, Sócrates, Pelé. O torcedor autodenominado “raiz”, inimigo do canto curto, fã da arquibancada e que não grita golo antes de a bola entrar, não compreende este novo torcedor. E este conflito será o centro da evolução do futebol no Brasil nos próximos anos.
O futebol concorre, como entretenimento, com um milhão de outras opções. Um menino de 12 anos pode escolher, com o mundo na palma de sua mão através do seu smartphone, entre assistir aos golos da sua equipa ou a pessoas a jogar videojogos. O princípio é o mesmo. O diferencial do futebol sempre foi a paixão.
Paixão passada de pai para filho, nos momentos em que o jogo virava memória marcante. Mesmo para aqueles que moravam longe e não podiam ir ao estádio, assistir os jogos e ver a sua equipa ser campeã ou, até mesmo, sofrer com as derrotas que deixavam marcas, fortaleciam este sentimento que o só o futebol era capaz de criar. E é a elitização do jogo e o distanciamento do torcedor que cria os torcedores “Nutella” e afasta a paixão racional do futebol.
Só neste ano tivemos muros pixados para acordar Abel Ferreira, campeão duas vezes um mês antes, pois perdia a Recopa. Tivemos o genial torcedor do Santos que classifica como obrigação ganhar a Libertadores. A discussão se é mais importante se classificar em primeiro do grupo na Libertadores ou ser campeão estadual depois de 19 anos. A soberba do flamenguista que espera que a equipa ganhe todos os jogos com larga vantagem. Para citar apenas alguns exemplos.
Precisamos, sim, de cobrar boas gestões tanto nos clubes como na organização do futebol nacional.
Precisamos, sim, evoluir a discussão tática e cobrar melhores trabalhos dos nossos treinadores.
Precisamos, claro, valorizar o desempenho dos brasileiros lá fora, onde hoje estão os nossos melhores atletas. Mas futebol não é só isso, como nos lembrou o menino Derek, fã do São Paulo, com 12 anos de idade, e que ainda não viu seu time ser campeão.
A nossa equipa vai ganhar e vai perder. Mas é a nossa equipa. Eu prefiro ver um golo do Luciano no Paulistão do que ver o Antony marcar na Liga Europa. Eu prefiro ser campeão contra o Palmeiras do que ser eliminado nos quartos de final da Libertadores. Eu sinto mais emoção com a pequena equipa da minha cidade no interior do que se torcesse para o West Ham pela televisão. Mas isso sou eu, talvez um torcedor “raiz” rumo a virar peça de museu. Até o Derek me salvar.
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