E eis que o universo da revista TV7 Dias se cruza com o universo da revista Caça e Cães de Caça. Ora, a TVI transmite uma telenovela chamada "Para Sempre", o que, para começar, é verdadeiramente assustador.

Desde o Anjo Selvagem que estou convencido de que as telenovelas almejam arrastar-se até à eternidade - esta ameaça fazê-lo desde logo no título. Sucede que esta trama, que se desenrola no Minho, foi ponto da ordem de trabalhos na Assembleia Municipal de Melgaço e resultou num comunicado em que o município exige da TVI uma retratação pública por “ofensa grave” a Castro Laboreiro.

Qual é o pomo da discórdia? Bom, não há qualquer pomo, até porque o problema é com a canicultura, não com a fruticultura local. No episódio 115 da referida novela, o espectador é confrontado com um furto automóvel. Uma das personagens, residente em Soajo, município de Arcos de Valdevez, chega ao café da povoação e queixa-se de que lhe roubaram o seu veículo comercial, carinhosamente apelidado de "Miquelina", que é essencial para a sua actividade de distribuição de pão. Imediatamente a seguir, com inverosímil diligência, entra no estabelecimento um militar da GNR para preencher o auto da ocorrência. Nisto, o queixoso revela suspeitar que o furto foi levado a cabo pelos "bandalhos de Castro Laboreiro". Outra personagem não só valida a teoria, como ainda insinua que os "manhosos de Castro Laboreiro" se apropriaram ilegitimamente da raça de cães Sabujo da Serra de Soajo, para fazer a criação do internacionalmente reconhecido Cão de Castro Laboreiro. E pronto, estão encontrados os limites da ficção nacional.

Em assembleias municipais é comum discutirem-se assuntos mundanos, como esgotos ou postes de iluminação, mas não tinha noção que os debates sobre “o que deu ontem na novela” eram válidos. O comunicado fala de “profundo desconhecimento e ignorância” sobre Castro Laboreiro, naquilo que é um sinal de profundo desconhecimento e ignorância sobre telenovelas. É que a esmagadora maioria das novelas revela — constante e coerentemente — profundo desconhecimento e ignorância, não só sobre os locais onde se desenrolam, como em relação aos assuntos sobre os quais se debruça. As telenovelas são escritas com os pés: é normal que não se acerte na história de uma prestigiada raça de cães no meio de diálogos rafeiros.

É bom lembrar que a telenovela é protagonizada por, imagine-se, Diogo Morgado. Que escândalo. Como é que Jesus, o próprio, aceita participar numa novela que faz pouco do Minho, região abnegadamente devota? Para além disso, toda a fatídica cena é representada com a costumeira versão pseudo-rústica do sotaque da Área Metropolitana de Lisboa. É possível que o nome completo do grupo que detém a TVI seja "Media (Só Contratamos Pessoas Que Falam Como Se Fala Na) Capital". Entendo a fúria das gentes de Melgaço, mas sugiro que guardem a indignação para quando esta novela ofender algo verdadeiramente sagrado. Por exemplo, quando houver uma personagem a falar mal de vinho verde tinto (ou a servi-lo num copo em vez de numa malga).

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