Podemos não ter diamantes, petróleo ou outras fontes naturais de riqueza, mas temos o mar. E foi sempre o mar que tornou este país enorme, apesar da sua reduzida dimensão em terra. Evito falar mal do nosso país porque nós, todos, somos como a mulher casada que fala terrivelmente do seu marido mas que, simultaneamente, não admite que ninguém o faça, defendendo-o e justificando as suas acções. Estranho, mas acontece.
Contudo, há alguns factos simples que teimamos em ignorar, que podem ajudar a perceber a razão pela qual nunca deixaremos de ser remediados e que nada têm a ver com o lastro negativo que o regime de Salazar deixou em muitos de nós. Na verdade, são aspectos que nada têm a ver com ideologias políticas ou sistemas económicos, relacionando-se, ainda que indirectamente, com a mais prosaica das economias domésticas: não podemos gastar mais do que temos ou produzir sem matéria prima.
Portugal nasceu pobre e, um dia, olhou para o mar, percebendo que poderia ser essa a sua saída. Aventurou-se e descobriu pessoas, produtos e locais, abrindo novos mundos ao mundo. Esqueceu-se, contudo, que, cedo ou tarde, outros lá chegariam. Explorou, enriqueceu sem investir no seu próprio desenvolvimento. Quando as novidades deixaram de ser novas, procurou outros locais e repetiu a fórmula até que uma de duas coisas acontecia: outros chegavam, inovavam ou, simplesmente roubavam enquanto, no local, deixávamos de ser bem vindos. Voltámos muitas vezes à metrópole do mundo para recomeçar, tudo outra vez, porque é essa a nossa natureza: desbravar sem consolidar. Avançamos sem medo mas pouco ou nada ganhamos com isso.
Ainda assim, houve quem tivesse olho para perceber que poderíamos usar o que vinha dali, para produzir aqui, e vender acolá mas faltou-nos, sempre, o fio condutor que é fundamental nestas políticas e, por isso, inevitavelmente acabámos por deixar indústrias morrerem obsoletas. Mais tarde, enfiámos a mão numa espécie de saco sem fundo e pensámos ter encontrado a solução para os nossos problemas. Novamente, a visão de curto prazo repetiu os erros e estamos, ainda, reféns de uma Europa que aprendeu, usou e abusou, cresceu inspirando-se e apoiando-se no que começámos a construir há muitos séculos e que nunca soubemos verdadeiramente aproveitar.
Usámos as especiarias, a seda, o ouro, os escravos e o café, esbanjando. É o que sabemos fazer melhor: monumentos. Exposições. Viagens. Representações. Estradas. Estádios. Muita parra e pouca uva que se traduz em muitos Portugueses pobres. Não são remediados ou classe média que estica o ordenado até ao final do mês.
São p o b r e s.
Sabem o que isso significa? Quer dizer que, apesar de estarem empregados, continuam a não ter dinheiro para o essencial. E o problema não é o preço da habitação em Lisboa que serve para os estrangeiros se instalarem e passearem alegremente no eixo Amoreiras - Lapa - Estrela. O problema é maior porque o trabalho é precário, mal remunerado e vivem em condições de habitação pouco dignas. Traduzindo: não têm casa ou vivem em casas degradadas o que contribui para desencadear (ou não resolver) problemas de saúde.
A chamada pescadinha de rabo na boca porque para estas pessoas não há prevenção, os cuidados básicos são muitas vezes inexistentes e a doença tende a tornar-se endémica porque não só não é evitada como, para além disso, não é tratada ou é mal tratada, por falta de meios e dinheiro para medicamentos.
Mas é também este o país que aprova leis urgentes para os cães nos acompanharem aos restaurantes, da mesma forma que, precisando de renovar e cuidar de infraestruturas essenciais, opta por investir num elevador panorâmico para levar os turistas a ver as vistas na Ponte 25 de Abril. Ou que, em vez de discutir como vai resolver os problemas fundamentais da vida da sua população (ou boa parte dela), aquece a discussão no Parlamento com questões conceptuais, dignas de países em que a pobreza foi erradicada e nos quais as condições de vida são equivalentes para toda a população.
Nenhum tópico que respeite à vida humana é mais ou menos digno do que outro contudo, sempre ouvir dizer que casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão…
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