Feijóo faz o que tem a fazer. Ganhou as eleições em 23 de julho. Foi uma vitória clara mas com o amargo de insuficiente. Faltam-lhe quatro deputados. Há no parlamento de Espanha maioria heterogénea, com 178 deputados, contra um governo das direitas, defendido por 172.

O debate que arranca nesta terça-feira e que vai dominar a semana espanhola é uma escolha parlamentar entre dois candidatos que representam dois blocos com grande hostilidade recíproca.

A previsível derrota de Feijóo nas duas votações marcadas para esta semana (quarta e sexta-feira) significa que Pedro Sánchez tem possibilidades de continuar a governar.

Abre-se então uma nova contagem decrescente. Começa o prazo de dois meses para que o parlamento tente eleger um chefe do governo. Será a vez do socialista Pedro Sánchez tentar a reinvestidura.

O líder do PSOE tem estado a negociar nos bastidores. Para conseguir a aprovação precisa de garantir o apoio de mais seis partidos: Sumar (aliado firme, encabeçado pela carismática e hiperativa Yolanda Diaz), os bascos PNV e Bildu, os catalães Junts e ERC, mais os galegos do BNG.

Sánchez já não esconde o otimismo. Apesar do alto preço – amnistia para os independentistas catalães –, a negociação avança de forma favorável.

Amnistia é a palavra-chave no debate político em Espanha. Quase a única. É a amnistia exigida pelo independentismo catalão para os independentistas catalães. O mais exigente é Carles Puigdemont, um político ideologicamente no centro-direita e independentista radical. Puigdemont vive há seis anos em Waterloo, na Bélgica. Sabe que se entrar em Espanha é imediatamente preso, assim determinou um juiz de Madrid que o responsabiliza por rebelião independentista em 2017. Puigdemont quer recuperar a liberdade de movimento e ação em Espanha, deixar de ser um exilado, como se considera, ou um fugitivo como é visto não por apenas as direitas castelhanas.

Fazer aprovar uma amnistia para os independentistas catalães é atrevimento político que levanta muita fúria contra o líder socialista. Há o risco de ficar debilitado ao passar a imagem de colocar o estado em leilão.

Daí que Sánchez esteja a tratar de construir um relato – se quisermos, uma narrativa – em que a amnistia aparece como parte de um compromisso histórico para a reconciliação e harmonia entre os diversos povos de Espanha, com catalães e bascos chamados à coesão dentro do reino.

Sánchez converte a necessidade em oportunidade para tentar melhorar a democracia espanhola. Quer propor o reformismo como alternativa à inércia que tem posto as pujantes periferias de Espanha (sobretudo Catalunha e País Basco) em tensão permanente, que é recíproca, com a Madrid que encabeça a Castela imperial. Esta tensão tem sido traduzida por polarização, falta de respeito, insultos e mesmo ódios.

Mas a contestação agreste à amnistia vista como passe para a aprovação do novo governo Sánchez já está na rua. A avenida Felipe II em Madrid teve ontem muita gente numa manifestação PP de apoio a Feijóo que de imediato passou à palavra de ordem “De nenhuma maneira”. De nenhuma maneira a amnistia. Foi a líder local do PP em Madrid, Isabel Ayuso, recorrente aspirante à máxima liderança no partido, quem lançou o lema que empolgou as alas mais duras do eleitorado conservador espanholista. Também foi ela a puxar o grito “Puigdemont a prisón”, muito ecoado.

Esta manifestação do PP mais do que de apoio a Feijóo foi, a 48 horas da tentativa de investidura do líder popular, uma concentração de protesto contra a previsível futura investidura de Pedro Sánchez como chefe do governo, a troco de concessões ao independentismo catalão.

O folhetim político espanhol tem anunciados vários novos episódios, há que não excluir surpresas. O guião está a ser escrito pelo exilado/fugitivo Carles Puigdemont. O epílogo está nas mãos dele com os sete deputados de Junts.

O PP exibiu alguma força, não estrondosa, na rua, mas Sánchez tem a investidura mais provável.