Mas uma coisa eu sei: independentemente do resultado destas eleições, a partir de segunda-feira haverá trabalho para sociólogos, politólogos e encartados do género que queiram estudar o fenómeno.

Se os resultados contrariarem as sondagens e derem uma vitória aos socialistas, a tarefa vai ser explicar o falhanço dos estudos de opinião, como naquela piada que define economista como alguém que nos vai dizer amanhã porque é que aquilo que ele previu ontem não aconteceu hoje.

Mas este será o pequeno abalo, circunscrito a meia dúzia de técnicos e de técnicas. Haverá acusações de manipulação do eleitorado e algumas teorias da conspiração para apimentar a discussão. Nada que não se consuma em meia dúzia de dias. Até à próxima eleição e às próximas “tracking pools”.

O verdadeiro terramoto, com fortes réplicas nos planos político, social e mediático será o cenário oposto: as sondagens até se portam bem e a coligação de direita vence o PS com margem confortável.

Depois do que se passou nos últimos quatro anos nenhuma sociedade ultrapassa um desfecho desse tipo sem se deitar no divã.

Caem, de uma só vez, alguns mitos transformados em leis ao longo dos tempos.

O primeiro é que nenhum governo ganha uma eleição depois de uma crise profunda e de uma dose de austeridade como a que o PSD/CDS aplicaram nos últimos quatro anos. Cortaram salários e pensões, aumentaram brutalmente impostos e taxas, afrontaram interesses e não facilitaram no período eleitoral. Que país é este que reconduz um governo destes? Onde pára a sociedade do facilitismo e da ilusão dos almoços grátis que ainda em 2009 acreditou que o caminho acertado era gastar mais dinheiro e deu a segunda vitória a José Sócrates contra a austera Manuela Ferreira Leite?

Outro é que são os governos que perdem as eleições e não as oposições que as ganham. Frase feita e tantas vezes pronunciada, terá de conhecer uma nova versão a confirmar-se o cenário das sondagens. Este será um caso agudo em que é a oposição, no caso o PS, que perde uma eleição que só podia ganhar. É como falhar o golo com a baliza escancarada.

Mas, sobretudo, um tal desfecho não bate certo com a narrativa dominante que nos foi sendo contada ao longo dos últimos quatro anos na generalidade dos media, onde todas as contrariedades tinham uma origem concreta e definida: o programa da troika e o governo que o aplicou. De uma morte nas urgências aos buracos nas estradas, da confusão no arranque do ano escolar ao colapso do Citius, das falências de empresas ao aperto no crédito, a crise e a austeridade serviram para explicar tudo e mais alguma coisa. Como se ocorrências e fenómenos do género fossem até então caso virgem. Como se subitamente em 2011 tivessemos passado do país das maravilhas para um inferno sem par. Se chovia a culpa era da troika. Se o sol apertava demasiado, da troika a culpa era.

Claro que a crise teve um impacto económico e social forte, terrível para muita gente. Mas muitas dessas histórias de pobreza e desemprego, falhas nos serviços públicos e anemia económica podiam, infelizmente, ter sido contadas desde sempre no passado.

Ao lado destas, nestes quatro anos houve uma fatia importante de famílias que conseguiram manter padrões de vida e de conforto. Foram sobretudo os que, do sector privado, mantiveram os empregos e os níveis de remuneração e conseguiram acomodar o brutal aumento de impostos. Uma maioria que pouco ou nada apareceu nas notícias durante este período.

Politicamente, a narrativa dominante evoluiu depois para atribuir à suposta inabilidade de António José Seguro o facto de o PS não descolar nas sondagens e caminhar para uma maioria absoluta que, nesse quadro de desgraça económica e social generalizada, parecia lógica e natural. Até inevitável.

Com António Costa tudo seria diferente. Aparentemente, não foi. É preciso ir muito mais fundo nas análises, mais além do que os alegados erros na estratégia da campanha socialista, das trapalhadas dos cartazes ou do embaraço para explicar cortes sociais no segundo debate com Passos Coelho.

O país que agora responde às sondagens sempre esteve por cá. Não apareceu no radar dos media, mas a culpa não é desse país, que não se escondeu. Simplesmente não quisemos olhar para ele, como Helena Matos já notou.

Pedro Magalhães ajuda-nos a perceber o que se passou recorrendo à série mais longa das sondagens, numa entrada no seu blogue que é de leitura obrigatória.

E eu acrescento este dado, divulgado esta terça-feira: confiança dos consumidores portugueses renova máximos de 14 anos. Sim, de 14 anos. Não temos ouvido falar destes consumidores que respondem aos inquéritos mensais do INE, pois não? Mas eles sempre existiram. E, pasme-se, também votam.

A seguir

  • "Ver televisão". Há 20 anos significava sentarmo-nos num sofa com um aparelho gordo à nossa frente, comando na mão à espera daquilo que os programadores tinham decidido que veríamos naquele dia, àquela hora, naquele canal. Depois o cabo democratizou-se e começámos a ter acesso a centenas de canais. Ao mesmo tempo, o vídeo fez o seu caminho na web e hoje é aí que as gerações mais novas fazem aquilo que nos habituámos a identificar como "ver televisão". Mais à frente passámos a ter a possibilidade de ver o programa que queremos à hora que queremos... mas só no prazo de sete dias. O caminho não acaba aqui. Os conteúdos - eu sei que a palavra arranha nos ouvidos de muita gente, mas encontram outra melhor? - começam a estar disponíveis onde queremos, quando queremos. E já não precisamos do tal aparelho gordo, que entretanto emagreceu, para ver as séries, os filmes, os documentários, os programas que queremos. Tudo legal e mais barato do que as assinaturas tradicionais de cabo num aparelho que está no seu colo ou mesmo no seu bolso. O primeiro desses serviços, o Netflix, está quase a chegar a Portugal. Fique atento a ele ou ao que o seu operador tem para lhe oferecer para tentar travar esta concorrência.
  • Boas notícias: vamos viver cada vez mais. Más notícias: mantermos a mesma qualidade e nível de vida vai sair-nos muito caro. Uma esperança: que os próximos governos, sejam eles quais forem, tenham a lucidez e a coragem para resolver o problema de forma gradual, transparente e sustentada. Tanto na Segurança Social como no desenho das nossas cidades.

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