Esta semana calhou vir ao Porto em trabalho. Mas estar por cá é, para mim, também lazer. É sentir o pulsar do coração no sorriso franco e no peito aberto das pessoas. Se Porto é cinzento, a comunidade que compõe a cidade é arco-íris. Multiplicidade de cores, cheiros, sabores. Bairrismo e cosmopolitismo de mão dada. Porto é libertário e tal lê-se nas paredes e respira-se nos diálogos, sempre efusivos e impossíveis de passarem despercebidos. Na ponta da língua dos Portuenses saltita musicalmente o palavrão. Mas esse é metáfora, palavra de ligação ou adjectivo. O discurso energético e truculento não significa que estejamos sob ameaça velada. Vir ao Porto, mesmo que seja por horas, é viver o Porto e sentir-me incluído.
Mas desta vez, o Porto estava diferente. Na semana anterior o ódio andou à solta pelas ruas e materializou-se no preconceito e na xenofobia. Pelo Bonfim parecia ecoar ainda o horror… Infelizmente, era expectável que, mais cedo ou mais tarde, tal acontecesse. Na Assembleia da República, com a normalização daquilo que deveria ter ficado sempre à margem, o ódio é agora discurso político. Foi legitimado eleitoralmente, muito por falhas e omissões de todos nós. Cidadania; imprensa; partidos; instituições. Todos contribuímos para este panorama, no qual a demagogia, a falsidade, o vazio intelectual passaram a ser ideologia aceite.
Os imigrantes pareciam percorrer os passeios a medo. Os autóctones aparentavam ter o dobro do peso; nos seus ombros pareciam carregar o fardo da vergonha alheia, por atitudes desumanas que não lhes podiam ser imputadas, mas sobre as quais se sentiam responsáveis. Entre a comunidade local, todo o Porto estava mais silencioso, mais triste. Ainda, com certeza, a reflectir como tal episódio terá sido possível. Apenas o vai-e-vem de turistas e a alegria sem condição dos jovens universitários interrompiam a soturnidade.
É certo que esta espécie de trauma irá passar. O tempo tudo cura. Mas nunca deveremos esquecer, porque atingimos o ponto crítico. Relembrar sempre que o ódio é contagiante e que apenas a verdade, o conhecimento, a persecução dos direitos base da nossa liberdade, o resgatar dos valores e princípios que norteiam as democracias europeias podem ser antídoto. Construir uma sociedade esclarecida, que se baseie no conhecimento, na defesa de valores humanistas e universais é fundamental para este combate. Com pessoas empenhadas em conhecer as questões a fundo e em fazer uma análise crítica de tudo o que lhes é apresentado como dado adquirido. Porque algures na nossa evolução decidimos deixar de pensar e isso pode ser fatal.
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