(1) Lisboa e (2) Porto

Não sei porquê, mas nisto das cidades há muitos que não concebem a ideia de gostar de duas cidades ao mesmo tempo. É como se fôssemos obrigados a uma monogamia do amor urbano. Mesmo quando algum lisboeta é apanhado pelos encantos da outra cidade, tem sempre de disfarçar, matizar, declarar que «enfim, não é Lisboa...» — isto claro também no vice-versa, que há gente do Porto bem capaz de apreciar, em certas tardes de calor, Lisboa «mas o Porto, ninguém me tira o Porto».

Ora, tudo bem. Nós todos temos preferências. Mas não temos de estar sempre a declará-las quando falamos de outra cidade. Se eu vou a Londres, não preciso de dizer que gosto mais de Lisboa. Não estão em concorrência. O Porto e Lisboa, pelos vistos, estão. E não era preciso... O amor por uma cidade não é amor exclusivo e as aglomerações não sentem ciúmes. Afinal, um dos maiores prazeres da vida é mesmo trair a nossa bela terra e passear noutro sítio qualquer.

(3) Palavras e (4) números

Lembrei-me destes clubismos desnecessários por causa do festival português do «na minha terra é que é!». Mas, pensando melhor, a concorrência entre terras, neste caso, até é coisa boa. Aliás, o clubismo sabe bem no sítio certo: por exemplo, entre clubes. Ou mesmo entre países.

No dia-a-dia, muitos entram em guerras porque gostam mais de cães e outros gostam mais de gatos. Outros caem no erro de achar que os defensores dos animais só podem ser contra os seres humanos. Há ainda quem ande às turras por causa dos sistemas Apple e Microsoft.

Bem, tirando aquele disparate do «se gostas de animais é porque não gostas de seres humanos», muito disto não faz mal nenhum e faz parte do sal da vida.

Mas depois temos o clubismo mental que nos limita. Gostamos demasiado de tomar partido mesmo quando tal não é necessário e muito antes de sabermos o suficiente para decidir. Mais: às vezes tomamos partido e passamos a ignorar olimpicamente tudo o que vem do outro lado. Pensem, por exemplo, nos números e nas palavras. Quantas vezes já eu ouvi gente da minha ilustre área das letras a dizer, perante qualquer discussão superficial de matemática ou estatística ou ciência, algo como «eu não gosto muito de números». Às vezes, a preferência é até pintalgada de alguma sobranceria: «O mundo só quer saber de números!» — misturando o desinteresse (legítimo) por algumas áreas intelectuais com uma crítica ao mundo, como se o mundo não pudesse interessar-se por mais nada que não seja aquilo de que eu gosto.

Ora, uma pessoa não consegue perceber de tudo. Mas pode ter curiosidade pelo mundo fora da sua capela — ou, pelo menos, não ser contra as áreas de que não gosta.

(5) Clubismo e (6) Matemática

É claro que todos gostamos de ver a nossa bandeira a ganhar um jogo ou um festival ou o que for. Também é normal que haja uma cidade que nos encha as medidas e outras que nem por isso. Mas no que toca ao mundo intelectual, convém diminuir o clubismo ao mínimo. Aliás, é até uma boa técnica para ter novas ideias ler um pouco de tudo.

Assim, vou propor um livro muito longe da minha área, só para dar o exemplo: Como Não Errar (no original: How Not To Be Wrong: The Hidden Maths of Everyday Life), de Jordan Ellenberg. Ainda estou a meio, mas já descobri erros magníficos na forma como às vezes leio as notícias ou entendo as histórias e os números que me são apresentados. O autor é um matemático que também já escreveu romances e o livro está muito bem escrito. Lembremo-nos que os números enganam, mas as palavras também. Saber um pouco de matemática ajuda-nos muito a não cair em certas armadilhas.

(7) Mas afinal onde é que vamos organizar a Eurovisão?

Tudo isto começou com a tal discussão sobre onde vamos enfiar a Eurovisão. Ora, a Irlanda, há uns anos, fez o festival em Millstreet, uma aldeia de 1500 habitantes — e não consta que tenha corrido mal. Podemos ser criativos. Há uma aldeia no Alentejo com um nome sugestivo e que vai deixar os nossos amigos europeus ligeiramente surpreendidos. Pois aqui fica a sugestão: se a Austrália entra na Eurovisão, porque não organizar o festival em Cuba?

Marco Neves | Autor do blogue Certas Palavras. Publicou em Janeiro o seu segundo livro, com o título A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa (Guerra e Paz). É tradutor na Eurologos e professor na Universidade Nova de Lisboa.