Tinha a forma digna e de legitimidade inquestionável para lá chegar, que era ter ganho as eleições do passado dia 4 de Outubro.
Mas não conseguiu. António Costa perdeu a eleição imperdível. Depois de quatro anos de governação de forte austeridade, de - palavras suas repetidas vezes sem conta - uma “política de empobrecimento do país” onde “o Governo foi além da troika” e “travou o crescimento, aumentou a pobreza e aumentou o desemprego”, não conseguiu convencer os portugueses que merecia governar com a “alternativa de confiança” que propunha. Houve, apesar da governação de chumbo, mais 330 mil portugueses a votarem na coligação do que no PS.
De facto, não é fácil lidar com uma derrota destas, agravada ainda por cima pela forma como António Costa chegou à liderança socialista: acotovelando António José Seguro com o argumento de que a vitória deste sobre a coligação nas Europeias era escassa: “quem ganha por poucochinho é capaz de poucochinho”, disse.
Costa não ganhou por “poucochinho”. Nem perdeu por “poucochinho”. Perdeu por muitos que foram imensos, dadas as circunstâncias. Mas ainda assim, o secretário-geral do PS acha-se capaz de não menos do que ocupar já o lugar de primeiro-ministro, o tal que os eleitores não quiseram dar-lhe nas urnas de voto.
Perdida aquela oportunidade e sobrevivendo na liderança do PS, António Costa tinha caminho a fazer. Mais longo e trabalhoso, é certo, mas de enorme dignidade: liderar a oposição, continuando a tarefa de tentar demonstrar que a sua alternativa é mais válida do que a governação da coligação, esperando os erros que o adversário acaba sempre por cometer e preparando-se para nova oportunidade de convencer um maior número de eleitores de que é melhor. Com a enorme vantagem de ter na sua mão o relógio que ditaria a sobrevivência do governo PSD/CDS, não tendo de esperar os quatro anos da legislatura.
Mas escolheu outra forma para chegar ao lugar: quer ser indigitado já e, de preferência, sem o ónus de contribuir para derrubar um governo no Parlamento. É que este caminho das “maiorias negativas” pode virar-se contra quem o escolhe, nunca se sabendo se os eleitores o penalizam no futuro.
E ainda que o Presidente da República chame para formar governo Pedro Passos Coelho, que ganhou a eleição perdida, o líder do PS tem as contas feitas. Aproveita o período de tempo em que o poder de dissolução do Parlamento já não está na posse de Cavaco Silva para forçar a sua nomeação. A queda do PSD/CDS com o chumbo do programa do governo pode deixar o país sem Governo até Abril. Alternativa a este impasse? Chamar à governação a maioria parlamentar de esquerda, sem a realização de nova eleição porque os eleitores não são de confiança.
É esta a pressa de António Costa.
De uma forma como da outra, o secretário-geral do PS prefere chegar ao poder através de uma eleição que não ganhou mas que devia ter ganho. Os eleitores fecharam-lhe a porta? Não há problema, ele entra pela janela.
A forma como o líder socialista está a conduzir as negociações deixa tudo claro. Para ele o importante não é dotar o país de um governo estável, que execute um programa negociado - como compete a quem ganha sem maioria absoluta - claramente influenciado pelas propostas dos socialistas e por estes permanentemente vigiado. Não serve a Costa ter a chave da governação, ser ele a ter permanentemente o dedo no botão que dispara a bomba atómica a qualquer momento e de acordo com o seu entendimento.
É que há uma grande diferença entre uma governação negociada entre o PS e a coligação e uma governação negociada entre o PS, o BE e o PCP. No primeiro caso é Pedro Passos Coelho o chefe do governo. No segundo é António Costa o primeiro-ministro.
Costa prefere ser primeiro-ministro com o cargo nas mãos do BE e do PCP a ter nas suas mãos o cargo de primeiro-ministro de Passos Coelho. Só vê facilidades de entendimento com dois partidos que estão nos antípodas da linha institucional do PS - integração convicta do projecto europeu, permanência no euro, recusa de um perdão forçado na dívida e do recurso a nacionalizações. E só vê dificuldades de entendimento com o partido que, nos momentos decisivos, estiveram sempre do mesmo lado da barricada.
Isso ficou ontem cristalino, depois da segunda reunião entre ele, Passos Coelho e Paulo Portas.
O líder do PS quer apresentar ao Presidente da República a sua maioria. E só o consegue inviabilizando a outra. Por isso, qualquer coisa que a coligação PàF proponha será sempre “poucochinho” para António Costa. Ainda que a coligação rasgasse o seu próprio programa e aceitasse executar o do PS linha a linha, Costa recusaria este entendimento. Porquê? Porque não o faz primeiro-ministro.
Mas quem entenderá que o Presidente da República deixe de nomear a candidatura mais votada, com ou sem pré-acordo que garanta uma maioria, como sempre aconteceu no Portugal democrático?
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