Até ao dia D, a Rússia negou sempre que a guerra estivesse para começar. Chegado ao 24 de fevereiro de 2022, data seguramente há muito escolhida pelo Kremlin, Putin lançou a invasão e chamou-lhe eufemisticamente “operação militar especial”. Ele esperava que fosse um golpe de mão rápido dominado pelo comando russo. Mas a resistência ucraniana mobilizou o Ocidente e o conflito, cruel, está uma atroz guerra de desgaste em grande escala. Dezenas de milhar de mortos, provavelmente centenas de milhar; muitos milhões de ucranianos que abandonaram a casa onde viviam, para fugirem às zonas de combate, muitos, sobretudo mulheres e idosos, partiram para fora do país. A devastação é tremenda. A reconstrução terá de ser obra colossal.

Passado um ano, a guerra está sem resolução. Há temores de ofensiva reforçada na agressão russa, de extensão do palco de guerra a outros países, de uso de armamento nuclear e de os países da NATO entenderem que é necessário passarem à intervenção direta.

Apesar de todos estes receios, também há uma hipótese de passagem à fase de negociação.

Entre o ganhar a guerra e o não perder a guerra, estão esboçados quatro cenários para o fim do confronto armado:

  • A Ucrânia ganha a guerra

Kiev já mostrou, ao longo de meses, ter capacidade para contrariar a ofensiva russa e obrigar os agressores ao recuo. Putin, ao perceber que estava a perder, mobilizou recursos máximos incluindo os mercenários privados Wagner com currículo recheado de crimes de guerra.

A Rússia deixou a fase de recuo, está outra vez a avançar com violência contínua. Talvez consciente de que a Ucrânia está a ser armada para um poderoso contra-ataque.

A decisão dos aliados ocidentais (Portugal incluído) de enviar para a Ucrânia os tão propagandeados carros de combate Leopard 2 e Abrams 1 pode ter efeitos decisivos na resolução do combate. Ainda mais se estes tanques forem complementados pela cedência – que provavelmente acabará por concretizar-se – de aviões de combate. Os peritos militares repetem que o domínio dos céus, em coordenação com as forças no terreno, será provavelmente decisivo.

Tudo vai depender do tempo e da cadência da entrega deste muito robusto reforço de armamento e da eficácia da formação acelerada de quem o vai manejar.

Quando se coloca no cenário a vitória da Ucrânia, o que estamos a incluir? Zelensky pensará na reconquista de todo o território e, também, da Crimeia, anexada pelos russos em 2014. Esta é certamente a grande ambição dos patriotas ucranianos. Os aliados ocidentais não estarão a apontar para tanta reconquista. Porque há que negociar a convivência futura.

A derrota da Rússia abriria alteração na relação de forças no topo do Kremlin. O pós-Putin pode colocar no poder em Moscovo gente ainda mais intratável como Evgeni Prigojine, o patrão da milícia mercenária Wagner. Mas este cenário não parece no horizonte próximo.

  • A Rússia ganha a guerra

Moscovo está há semanas a relançar a ofensiva. Até agora, com ganhos mais simbólicos do que estratégicos.

Putin explora a vantagem de poder envolver um muito maior número de combatentes.

Mas a mobilização maciça de meios de Moscovo implica necessidades logísticas que o comando russo tem mostrado não saber resolver com eficácia.

Os 12 meses que esta guerra leva mostram que o comando russo não tem sido capaz de conduzir ofensivas decisivas para permitir ganho robusto no terreno.

Será que a atual ofensiva russa visa ganhar posições no terreno de modo a, chegada a fase de negociação da trégua, poder fazer finca-pé na manutenção de parte do território conquistado?

Este cenário de vitória russa na Ucrânia é difícil de concretização. Até porque provavelmente levaria ao cenário seguinte.

  • Conflito global

É o risco de derrapagem receado pelos que contestam a escalada no fornecimento de armamento à Ucrânia.

Zelensky vai desrespeitar as instruções dos aliados ocidentais e, quando dispuser do novo armamento robusto, vai usá-lo para atacar dentro da Rússia? Vai lançar o assalto para recuperação da Crimeia?

Putin pode conformar-se com a conquista de apenas uma parte do Donbass. Mas, depois de ter perdido a guerra do gás com a Europa, não aguentará sair do conflito por ele iniciado em posição de humilhado, com perdas de território como o da Crimeia que já tinha conquistado há 9 anos. 

Neste caso, o risco de escalada global é muito alto. Com perigo de loucura nuclear.

  • Trégua e paz negociadas

A China pode ter papel decisivo na mediação do fim deste conflito armado. Pequim não arriscaria avançar com uma iniciativa negocial se não tivesse o conforto de probabilidade de êxito. Tomar a liderança da conquista da paz é um passo que consolidaria a China como superpotência global também na diplomacia.

O Brasil e a Índia vão rejubilar com esse triunfo da via negocial que têm defendido. 

Falta ainda conhecer as bases da proposta que Xi Jinping tem para apresentar. Provavelmente assentará numa plataforma que possa permitir às partes proclamarem que não saem perdedoras desta guerra.

Entra aqui um problema: Zelensky quer o pleno. Quer sair triunfante desta guerra. Provavelmente, terão de ser os EUA a explicar-lhe que não pode ter tudo e o mais importante é, preservando o essencial da independência e do território da Ucrânia, pôr fim ao massacre.

A presença de Biden nesta segunda-feira em Kiev reforça a autoridade dos EUA para a fixação de regras para a paz. O que implica moderar Zelensky nesse papel de vencedor.  

Mas os discursos de Putin e de Biden nesta terça-feira, ambos com intransigente conteúdo armado fazem pensar que a esperança de negociação, por mais que a China se aplique na iniciativa anunciada, não está ainda no horizonte próximo. Putin continua a jogar com o medo e Biden coloca nas trincheiras da Ucrânia a fronteira da democracia e da liberdade. 

O confronto entre democracia e autocracia parece destinado a continuar no campo de batalha. Mas algum dia terá de parar e é de crer que o desfecho possa ser o do cenário 4, a negociação.