Nos Estados Unidos, o esquema de empréstimos em pirâmide chama-se Ponzi, em homenagem ao homem que o tornou famoso, em 1920. E nós, em Portugal, também tivemos uma situação semelhante, na década de 1980, com a famigerada Dona Branca. Além destes, burlões sempre existiram e, como muito bem sabemos, continuam a existir, com fórmulas várias. Mas, que se saiba, nenhuma enganação chegou, nem de perto, ao valor atribuído a Madoff: 64,8 mil milhões de dólares (64.800.000.0000, números redondos).

O esquema deve ser tão velho como a mais antiga profissão da História (seja ela qual for...): o burlão recebe dinheiro do investidor, prometendo um juro muito acima do normal, e paga-lhe esse juro com o dinheiro do investidor seguinte, e assim por diante, até acontecer alguma coisa que faça com que todos os investidores queiram receber o seu capital. Geralmente o burlão só põe a render uma pequena parte dos investimentos, ou mesmo parte nenhuma, contando que não pare a entrada de capital. Como se costuma dizer, nasce um inocente a cada segundo — e, poder-se-ia acrescentar, um ganancioso a cada minuto. As pessoas que se deixam cair neste conto não sabem, nem querem saber, como é que o espertalhão consegue o milagre de pagar juros muito superiores ao mercado oficial e mesmo maiores do que os agiotas no mercado negro.

Ponzi só conseguiu manter esta cavalgada por um ano, recebendo das vítimas cerca de 20 milhões de dólares – 250 milhões aos valores actuais. O que ele dizia que fazia era jogar com a diferença de câmbio em transferências internacionais, o que lhe permitiria lucros de até 400%. Na realidade, logo deixou de investir nas transferências, que não rendiam tanto e davam muito trabalho, e passou a usar o dinheiro do cliente seguinte para pagar ao anterior. A sua vida luxuosa chamou a atenção dos analistas, que fizeram as contas e verificaram que era impossível só com diferenças cambiais mover tão grandes quantias; mas Ponzi, como todos os bons aldrabões, tinha uma postura imperial e até processou o editor do jornal “Boston Post” por desconfiar do esquema. O jornal contactou a famosa empresa analista do mercado, Dow Jones, que descobriu que Ponzi não estava a investir o dinheiro recebido diariamente em lado nenhum. Quando se soube, os investidores acorreram à porta da empresa, que ainda conseguiu entregar-lhes dois milhões nos primeiros dias; mas, entretanto, a Procuradoria-Geral do Estado de Massachusetts começou a investigar – e não precisou de investigar muito. Seguiram-se processos em cascata que acabaram por lhe dar dez anos de prisão. É de salientar que, enquanto estava preso, recebia cartões de Natal e até propostas de investimento de enganados impenitentes!

Cumpriu cinco anos e, ao sair, meteu-se imediatamente noutros esquemas, como vender terras pantanosas, que lhe valeram mais sete anos de prisão. No fim do cumprimento foi deportado para Itália, o seu país natal. Numa entrevista antes de morrer pobre, no Rio de Janeiro, disse que não se arrependia do que tinha feito, porque os sonhos que proporcionara às pessoas valiam bem o dinheiro que tinham perdido.

Quanto à nossa Dona Branca, o esquema era completamente trapalhão, sem sequer oferecer uma lógica financeira para o juro mensal de 10% que pagava, numa época (década de 80) em que o juro bancário era de 3% anuais e um investidor talentoso não conseguia mais do que 6% em especulação bolsista. É verdade que emprestava algum do dinheiro dos investidores, a juros de 50%, mas num volume baixo relativamente ao que recebia. Funcionava com um grupo de familiares próximos, vigaristas contratados ao acaso e até um advogado. Em 1988, o Tribunal da Boa Hora condenou-a a dez anos de prisão e uma boa parte dos seus apaniguados, que na realidade eram quem beneficiava mais do esquema, levaram sentenças mais pequenas. Como tinha mais de 80 anos e estava doente, a pena acabou reduzida a metade, e morreu na miséria.

Poderíamos falar de outros burlões nacionais, que aliás andam nas páginas da actualidade, alguns envolvendo quantias fabulosas e instituições creditadas na praça, mas como os processos estão em andamento e ainda não foram constituídos arguidos, preferimos guardar o decoro que eles não têm... Um dos processos já vai em créditos malparados no valor de mais de cinco mil milhões de euros, o recorde nacional, mas mesmo assim muito abaixo do montante das fraudes de Madoff. Somos um país pequeno...

Quanto a Bernie, também fazia parte da categoria dos burlões oficiais, isto é, daqueles que têm loja aberta e até são muito considerados pela sociedade. Era tido como uma referência no mercado bolsista e chegou a fazer parte da comissão directora da Associação da Indústria de Títulos e Mercados Financeiros (Securities Industry and Financial Markets Association – SIFMA) e foi membro do Conselho de Administração da International Securities Clearing Corporation, em Londres. Um senhor.

Para investir na sua firma, que incluía os dois filhos e outros familiares, era preciso uma cunha. Como ele pagava 10% ao ano, houvesse altas ou baixas no mercado (que, mesmo nas altas, nunca chegava a 10%), as pessoas pediam por amor de Deus que as aceitasse como clientes. Além de nomes famosos, ainda tinha entre as suas vítimas instituições de caridade, para as ajudar a manter-se, evidentemente.

Vivia luxuosamente e tinha casas em Nova Iorque, Miami e sul da França, além do iate e outros mimos.

Evidentemente que um fundo que paga sistematicamente mais do que os outros, levanta suspeitas. Já em 1999 um analista financeiro, Harry Markopolos, demonstrou que os fundos que Madoff dizia negociar na Bolsa de Boston eram superiores ao valor total da instituição. Mas foi ignorado pela Comissão do Mercado Mobiliário de Boston. Houve outras investigações, mas era tal o seu prestígio e poder financeiro, que acabavam sempre em nada (Onde é que já vimos isto?).

A verdade é que as grandes instituições financeiras de Wall Street e de Londres nunca quiseram fazer negócios com ele, pois não acreditavam que os valores que apresentava – de investimento e de lucro – pudessem ser reais. Mas, como não era com elas, não fizeram nada. Solidariedade corporativa, digamos. Quanto aos investidores, era-lhes dito para serem discretos quanto ao previlégio, para não despertar invejas, e sentiam-se, muito justamente, beneficiados com um “segredo” que lhes dava margens nunca vistas.

O diabo foi a crise financeira de 2008. Muitos investidores precisaram de liquidez e pediram a devolução do seu capital. Tal como acontecera com Ponzi, mas numa escala muito superior, em pouco tempo os fundos de que dispunha chegaram ao fim. A 9 de Dezembro chamou os dois filhos, que trabalhavam com ele, e contou-lhes tudo. Estava falido. Os filhos, que seriam responsabilizados se não o fizessem, denunciaram-no à Comissão de Valores Mobiliários. O escândalo abalou Wall Street – mas sobretudo abalou os milhares de pessoas e instituições que tinham as suas poupanças a render confortáveis 10% ao ano, com a condição de não fazerem perguntas (Madoff enviava-lhes regularmente relatórios aldrabados, que a maioria não lia. Os que o faziam, sobretudo os maiores, seriam responsabilizados posteriormente, como vamos ver).

O julgamento foi rápido e em Março de 2009, Madoff foi condenado a 150 anos de prisão por doze crimes. A mulher e os filhos viram parte dos seus bens arrestados. Dois empregados da firma foram considerados responsáveis e apanharam penas de poucos anos. O Estado nomeou um liquidatário, Piccard, para recuperar o máximo de capital possível e distribuí-lo pelas vítimas. 

Piccard fez muito bem o seu papel. Em primeiro lugar, averiguou quais eram os investidores que, pelos seus conhecimentos financeiros e pelos volumes investidos, tinham de saber da fraude. Esses, fizeram acordos e pagaram multas elevadas, que serviram para aumentar o bolo dos enganados.

Em Novembro de 2017, Piccard declarou que ia pagar 772,5 milhões de dólares a mais de 24 mil vítimas. Já em Dezembro do ano passado, o relatório da Madoff Recovery Initiative – a instituição criada para tratar do assunto – tornou público que tinha conseguido recuperar um total de 14.377.000.000 de dólares.

Um dos filhos de Bernie suicidou-se dois anos depois do processo, o outro morreu de cancro dois anos mais tarde. A mulher de Madoff ficou com bens avaliados em 2,5 milhões de dólares – uma miséria, que mal daria para viver na Quinta da Marinha, e por isso refugiou-se numa aldeia do Estado do Maine.

Aos 73 anos, Bernie foi internado numa prisão federal para cumprir 150, sem direito a redução de pena. Mas em Fevereiro do ano passado os seus advogados pediram que fosse libertado, alegando a que estava com uma doença terminal de fígado. Pedido recusado.

O maior burlão da História acabou mal. Pena que isto não sirva de lição a outros burlões que, certamente, esperam acabar bem. Seria a moral da história.