Por vezes, as doenças mais perigosas e fatais não são as que nos provocam uma repentina e lancinante dor aguda. Essas, até por causa dessa mesma dor, são rapidamente identificáveis e, geralmente, atempadamente atendidas. As que devemos temer e encarar com seriedade são as mais silenciosas - quando nos apercebemos da sua existência muitas vezes já é tarde demais.

Pois bem, o racismo também é um desses casos. Claro que nos chocamos e indignamos mais facilmente quando assistimos a um deliberado e explícito acto de violência física contra uma minoria étnica, ou até ao típico verbalizar da frase: “Preto, vai para a tua terra”. Tal como a dor lancinante, este racismo é facilmente identificável e, consequentemente, quase sempre resolvido. Mas, como nas patologias, aquele racismo silencioso, que não se vê, é o mais vital e que perdura através dos tempos. Aquele que todos nós ainda temos um pouco, sendo que na maioria dos casos, inconscientemente, e que nos deixa automaticamente ofendidos quando nos é apontado e pedida uma reflexão. Mas, se quisermos ser sérios e genuinamente parte da solução, damo-nos o benefício da dúvida e debruçamo-nos sobre o problema.

Tirando no desporto e na música, quantos negros vemos em posições de sucesso e poder? Quantos advogados, médicos e CEOs de empresas existem? Quantos na faculdade? Quantos fora de bairros sociais? Quantos de classe média? Serão todos incapazes ou intelectualmente inferiores? Parece-me pouco provável. Não nos consideramos racistas porque, efectivamente, nunca maltratamos ou ofendemos, mas quantos de nós, quando nos encontramos em posições de decisão, pensamos em diversidade e representatividade? Não somos imediatamente más pessoas por este não ser um assunto que nos passe logo pela cabeça, mas, no nosso inconsciente, negros nem entram na equação.

Porque é que se continua a chamar música “urbana” quando esta é interpretada por negros? Porque é que se dobra um filme sobre a cultura afro-americana só com actores brancos, mas pedem a actores e influencers negros para o partilharem nas suas redes sociais? Porque é que se continua a contar piadas do “Tibúrcio” ou a responder em tom de gozo: “porquê? Sou preto?” quando alguém nos pede ajuda para fazer um trabalho pesado? Porque tem mais dificuldade um negro em alugar casa que um branco, sendo quase sempre um simples sotaque ao telefone o factor decisivo.

Acredito que estes acontecimentos em grande parte não venham de um lugar de maldade pura, mas de um lugar de total falta de consciencialização uma vez que não nos toca a nós. Não sentimos na pele. “Epá, que exagero.”, dirão. Mas se partirmos de um ponto de vista de empatia, e essa sim é a palavra certa, e a casa de partida para tudo isto, facilmente constatamos que a comunidade negra depara-se constantemente com exemplos que a excluem e inferiorizam.

Uma criança negra cresce sem “heróis”, a não ler escritores negros, a não conhecer a sua História na escola. No fundo, o seu passado cultural é inexistente e isso faz com que se desenvolva a achar que nunca será suficiente. Que nunca será capaz. Que é impossível lá chegar. Daí a representatividade ser de máxima e urgente importância. Não podemos dizer que “eles é que não querem aprender” e negar-lhes constantemente as suas referências e oportunidades.

Portugal ser estruturalmente racista não faz de todos os portugueses racistas. Nem termos algumas atitudes racistas faz de nós pessoas execráveis por si só. Não precisamos de nos sentir atacados, mas sim começar a pensar que ninguém é perfeito e assumirmos que todos havemos de ter algum resquício de racismo por remendar. Basta pormo-nos na pele do outro.

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