As pessoas gostam de discutir, todos sabemos isso. Todos gostamos de ter razão ou de estar do lado certo de um argumento. Somos animais que cultivam rivalidades, sejam clubísticas, religiosas ou partidárias. As grandes questões geram discórdia e divisões nos seres humanos desde sempre porque, enquanto espécie, não remamos todos para o mesmo lado e somos todos muito umbiguistas. É fácil perceber isso e, se nem uma pandemia nos uniu mais do que duas semanas, enquanto batíamos palmas e desenhávamos arco-íris, talvez seja a altura de desistir dessa ideia, restando apenas a esperança de que nos unamos quando chegarem os extraterrestres para nos escravizar através da implantação de chips na nossa cavidade mais íntima.
No entanto, seria de esperar que as rivalidades ficassem pelas questões mais importantes da sociedade e não por coisas mundanas e mesquinhas como se os melhores telemóveis são Android ou iPhone. É uma rivalidade antiga que começou com o advento dos computadores pessoais e que criou a divisão de PC vs Mac que perdura até hoje e que derivou para os smartphones. Ofensas são dirigidas de ambos os lados, chamando fanboys aos utilizadores de iOS e chamando nerds aos que preferem Android. Essa rivalidade é até utilizada para a criação de aplicações como o Clubhouse que, só estando disponível para iPhone, tornou-se apelativo por ser restrito, quase como uma discoteca que não deixa entrar ralé com calça de ganga e ténis. Acho que é tudo uma questão de preferência pessoal, embora seja óbvio que a malta que prefere Apple seja aquela que prefere o estatuto aos benchmarks e não há nada de errado com isso a não ser o facto de ser ridículo. Ainda no mundo das tecnologias, há pouco tempo fiz uma piada: "Eu desde que a Astrazenca venha com o chip Intel em vez de AMD, por mim tudo bem." Fui inundado com mensagens, a maioria amigáveis, mas muitas a refilar genuinamente, dizendo que me devia informar melhor porque os chips da AMD agora são muito melhores e que eu devia ser um maluquinho da Intel. Eu sei lá quais são os melhores chips, se me despedi do meu trabalho de informático é para esquecer essas coisas.
Marvel vs DC, outra rivalidade antiga. Agora que penso nisso, as rivalidades fúteis são muito do universo nerd, deve ser a falta de sexo que leva a que se discuta por gadgets e banda desenhada. Eu sou mais fã da Marvel, mas os filmes do Batman do Nolan são incríveis. Dá para apreciar os dois. Não interessa se o Super-Homem ganhava ao Hulk porque são personagens fictícias, é como dois órfãos discutirem sobre quem tem o pai mais forte. Star Trek ou Star Wars? São os dois sobrevalorizados. Pronto, agora é que ultrapassei os limites do humor.
Outra rivalidade acesa em Portugal é sobre aquilo que sabemos fazer melhor enquanto nação: beber cerveja. Sagres ou Super Bock? Uma pergunta que divide e separa as pessoas. Para uns, Sagres é a melhor; para outros, Super Bock é a única que não sabe a água de lavar pratos. É uma discussão capaz de criar inimigos, especialmente entre os homens, que ainda medem a sua masculinidade em duas medidas: centímetros e taxa de álcool no sangue. É uma discussão parva porque sabem as duas praticamente ao mesmo, especialmente depois da quarta ou quinta, e na cerveja só interessam duas coisas: se está fresca e se tem álcool. Se fosse pelo sabor beberíamos um sumo de laranja natural. No meio da discussão há sempre um hipster que diz “Eu prefiro uma IPA artesanal” e sou mais gajo de Nokia 3310.
Ronaldo vs Messi, qual o melhor? A eterna discussão de café e de caixas de comentários de jornais desportivos. Ronaldo gera mais inveja, logo tem mais haters. Messi gera mais empatia, mas não é português. Ronaldo foi formado no Sporting, o que faz com que a maioria dos portugueses o veja com palas. Messi é estrangeiro, o que lhe dá vantagem, já que o português é um povo meio ciumento e que gosta de dizer mal dos seus. Eu vejo resumos e vídeos na Internet, não sigo os jogos todos de cada um deles, sei lá eu quem é o melhor de sempre. Pelos highlights do YouTube é o Shikabala. O que sei é que quem gosta de futebol, como eu, deveria era estar grato por viver numa época em que vê os dois melhores de todos os tempos a jogar ao mesmo tempo e ao mais alto nível durante mais de uma década.
Uma rivalidade que, apesar de não ser binária, gera tamanha controvérsia que pode desencadear a terceira guerra mundial é uma simples pergunta: onde se come a melhor francesinha no Porto? Uns espumam porque dizem que é em Braga ou em Vila do Conde, não tendo percebido a parte “no Porto” da pergunta. Outros dizem que é A, B ou C, indo até Z em Gaia ou Matosinhos. A variedade das respostas mostra que todas as nossas rivalidades são inconsequentes e parvas, porque há gostos para tudo e isso torna o mundo mais diverso e interessante. Toda a gente tem direito a ter os seus gostos e temos de os respeitar. Menos quem põe banana na pizza, isso é gente doente que devia estar internada com um colete-de-forças.
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