Nos últimos dez dias, tivemos vários relatos de escalada do protesto contra a corrupção instalada no sistema de Putin. A primeira manifestação, mobilizada pelos apoiantes do blogger oposicionista Navalny, perito na utilização da internet para agitação política, foi notícia há uma semana por ter juntado dezenas de milhar de pessoas em Moscovo e em outras cidades russas. Gritaram “Liberdade, Liberdade!” e usaram como palavra de ordem na praça Pushkin “A Rússia será livre”. Navalny foi detido pela polícia, com mais uns 700 manifestantes. Os anti-Kremlin voltaram à rua, em grande número, neste domingo. A contestação passa pela denúncia de um império imobiliário levantado com os resultados da corrupção dos homens fortes do poder na Rússia, e tem por alvo a oligarquia de Putin.

Navalny, com 41 anos, é um nome a reter. É jurista por formação, com especialidade na área financeira, e tem a ambição de vir a ser presidente da Rússia. Emergiu, com grande carisma, como protagonista da luta contra a corrupção e dirige uma fundação dedicada à investigação de irregularidades na gestão pública. Lidera a página web Rospil onde é minuciosamente analisado e desmontado o sistema de compras do Estado russo. Navalny denuncia os mecanismos de propaganda do sistema Putin e argumenta que a expansão económica da última década já está a virar para recessão. Navalny tenta unir a muito fragmentada oposição ao sistema de poder de Putin.

Formado nos serviços secretos, Putin tem fama de feroz eficácia na luta contra os inimigos. Vários têm aparecido eliminados. O presidente russo domina os serviços de informações e montou um poderoso aparelho anti-terrorista.

O ataque de agora em São Petersburgo não é seguramente uma surpresa para o Kremlin. O terrorismo já se voltou várias vezes contra o presidente russo: em 31 de outubro de 2015 foi a explosão do avião charter da Metrojet em voo de Sharm el Sheik para São Petersburgo, matou todas as 224 pessoas a bordo; em 19 de outubro último, foi o assassinato do embaixador russo na Turquia. Antes, entre 2002 e 2010, três atentados causaram centenas de mortes. O último destes, no metro de Moscovo, desencadeado por duas mulheres kamikaze, matou 41 pessoas.

Em contraste com o discurso habitual em dirigentes ocidentais perante ataques terroristas, Putin não disparou imediatamente acusações contra a matriz islâmica. É uma cautela estratégica. O motivo é simples: Putin não pode alienar milhões de russos. Porque a fé islâmica tem presença forte no coração da Rússia e, sobretudo, nas repúblicas da Ásia Central. Putin tem cultivado o diálogo com o islamismo moderado e apoiado a sua inclusão na sociedade russa. Moscovo é a capital europeia com maior número de residentes muçulmanos, mais de dois milhões, a maioria com origem na imigração dos confins do ex-império soviético no Cáucaso.

Nas repúblicas da Ásia Central sob administração de Moscovo cresce, há 30 anos, uma mutação da moderação para o jiadismo. Nos anos 90, a guerrilha chechena, inicialmente com motivação puramente nacionalista, assumiu depois tons marcadamente do fundamentalismo religioso. Cresceram as ligações operacionais com o sistema da al Qaeda, e esta expansão envolveu muito do Cáucaso sempre em grande depressão económica.

A eficácia das forças anti-terrorismo do Kremlin dizimou parte desses guerrilheiros e levou a que outros partissem para regiões inflamadas no Médio Oriente e até no Norte de África. Distribuíram-se sobretudo pela Síria, pela Líbia e pelo Iraque. São muitos dos foreign fighters que têm estado ao serviço da causa do Daesh que se apresenta como Califado Islâmico. São guerrilheiros que estão a perder a guerra na Síria porque as tropas russas estão a conquistar o terreno. Na Síria anuncia-se o ataque final a Raqqa e no Iraque Mossul parece à beira de cair. Esta evolução leva a que muitos dos foreign fighters estejam a voltar a casa, aguerridos e desejosos de vingança. Pode ser o que levou ao ataque em São Petersburgo.

A Rússia que Putin fez parecer uma fortaleza e outra vez potência mundial, mostra afinal várias vulnerabilidades. Do terrorismo à reactivação da oposição organizada. O reconhecido estilo que caracteriza Putin - que continua com alta popularidade - de olho por olho, dente por dente, exacerbado pela pressão de eleições no ano que vem, faz suspeitar que o contra-ataque de Putin vá ser poderoso. Mas um Estado não pode aplicar a mesma crueldade que é usada pelos terroristas.

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