(1) Facebook e (2) praia
Acabei de fazer um estudo. Através da minha profundíssima análise, detecto um fenómeno curioso no Facebook: parece que as partilhas, os gostos, os comentários diminuem durante o fim-de-semana e durante o Verão. Enfim, estudo não fiz. Mas é a impressão que tenho.
Parece estranho: então quando as pessoas têm mais tempo livre é precisamente quando usam menos o Facebook? O que se passa?
Interpretação cínica: as pessoas têm mais tempo livre quando estão a trabalhar. Ou talvez: o Facebook serve para nos distrair daquilo que temos para fazer. Quando estamos a descansar, não queremos distracções.
Interpretação benévola (e quanto a mim, mais realista): quando as pessoas estão perto das pessoas de quem gostam (amigos, família...), não precisam tanto do Facebook para conversar.
Na praia, vemos gente a olhar para o telemóvel. Mas menos, talvez, do que num restaurante à hora de almoço em dias de trabalho — ou mesmo menos do que durante o dia de trabalho.
(3) Inteligência artificial e (4) praia
Talvez as pessoas na praia não tenham tempo para ler as notícias até ao fim — embora esse seja um problema que não me parece limitado à praia, para dizer a verdade. Ainda há uns anos, recebi partilhas em barda dum artigo que, se clicássemos, dizia apenas: esta notícia é falsa, é uma brincadeira para levar toda a gente a partilhar.
Bem, agora apareceu por aí uma notícia a sério, mas muito estranha: o Facebook teria desligado, com medo, dois computadores que inventaram uma linguagem própria.
Meu Deus! Vem aí o HAL e vai matar-nos a todos! O horror! O horror!
A notícia, na verdade, era um pouco mais corriqueira: dois motores de inteligência artificial que foram criados com o intuito de conversar com os utilizadores humanos do Facebook começaram a comunicar usando frases sem grande sentido. Ou melhor, até podiam ter sentido lá na cabeça deles, mas soavam muito mal. No fundo, o mesmo que acontece num bar da praia entre dois seres humanos depois de beberem umas quantas bebidas mais ou menos artificiais.
Em resumo: duas inteligências artificiais que tinham como objectivo simular conversas humanas falharam no seu intuito e, como acontece, provavelmente, centenas de vezes ao longo do ano, os engenheiros da empresa desligaram a experiência.
A primeira reacção que vi por aí foi esta: o Facebook estava com medo! E foi por ter medo que matou as pobres inteligências. Depois, alguns jornais lá corrigiram a notícia: foi simplesmente uma experiência que não teve êxito, como acontece muitas vezes. (Vejam a correcção do The Independent.)
(5) Ficção científica e (6) praia
Mas, claro, no mural do Facebook (o próprio), a notícia correu como qualquer coisa de extraordinário, como um romance de ficção científica, como prova de qualquer coisa muito profunda sobre inteligência artificial e sobre a linguagem humana (e não humana).
Sim, é verdade: a investigação em inteligência artificial é interessantíssima (experimentem — a sério! — ler o livro The Most Human Human de Brian Christian). Mas este episódio foi apenas um exemplo de como conseguimos todos, com a nossa inteligência excitada, empolar um episódio banalíssimo e transformá-lo num prenúncio do fim do mundo.
Quando a inteligência artificial conseguir imitar essa característica tão humana — é nesse dia que devemos ter medo. E também devemos ter medo quando a inteligência artificial perceber que é no Verão que deve atacar. É por estes dias que andamos mais preguiçosos e distraídos — estamos na praia. Pois se há vantagem em inteligência feita de silicone é esta: não descansa, não precisa de sol, não quer saber de corpos bronzeados.
Seres inteligentes que não ligam peva à beleza do corpo humano. Isto talvez meta um pouco de medo, sim senhor. Mas depois encolho os ombros e vou comer tremoços. Em Setembro penso nisso.
(7) Perigos
Os grandes perigos vêm de onde menos se espera. No livro O Cisne Negro, de Nassim Nicholas Taleb, aprendemos como um determinado casino gastou rios de dinheiro para detectar fraudes e acabou perder muito mais dinheiro num assalto do que em qualquer fraude. A Inteligência Artificial assusta-nos, mas o perigo virá, de mansinho, donde menos se espera. A morte aparece-nos absurda em tantos dias — o que nos custa muito e é das grandes dores da vida.
Esta semana soubemos de duas pessoas que morreram na praia quando uma avioneta aterrou onde não devia.
Não faço a mais pequena ideia se o piloto podia ter optado por outro local. O que quero dizer é isto: a vida é mesmo imprevisível. Podemos morrer — qualquer um de nós — com um avião que nos cai em cima enquanto olhamos para o mar.
Quer isto dizer que temos de deixar de ir à praia com medo dos aviões? Antes pelo contrário: antes que caia o avião, antes que os computadores balbuciantes nos queiram matar ou antes que venha aí o novo terramoto, o que importa é viver.
Marco Neves é autor do romance de aventuras A Baleia Que Engoliu Um Espanhol (Guerra e Paz), tradutor na Eurologos e professor na Universidade Nova de Lisboa. Escreve no blogue Certas Palavras.
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