Não há falta de assunto, mas, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não somos obrigados a ter opinião sobre tudo. E quando temos, não é preciso dizê-la a toda a hora e a todo um momento. É um direito que nos assiste. Faço daqui um apelo aos meus conterrâneos: exerçam, de vez em quando, esse direito a não ter opinião. Só para descansarmos um pouco. Ora, hoje revolto-me. Não vou dar opinião sobre nada. Hoje apetece-me falar dos prazeres do Verão — e logo sete!
(1) Lisboa e (2) pouco trânsito
Falo de Lisboa porque é a cidade onde vivo. Mas acontece o mesmo em muitas outras cidades: no Verão, com as escolas esvaziadas e muita gente no seu turno de férias, o trânsito diminui. Não diminui de forma estrondosa, até porque os carros que saem para os Algarves deste mundo são, em parte, compensados com os tuc-tucs que carregam as ruas de turistas. Mas, enfim, longe das ruas cheias de gente de guia na mão, há um certo desafogo, um pouco menos fumo de escape em filas intermináveis e a cidade escorre melhor pelo dia fora. Há até momentos em que desejamos que fosse sempre assim: uma cidade que não estivesse sempre um pouco acima do previsto.
(3) Calor e (4) pouca roupa
O calor pode ser um prazer — ou não. Pois, se andamos no tal trânsito que diminui, mas não desaparece, não é assim tão bom ver as temperaturas a subir por aí acima e a deixar-nos transpirados, impacientes, cansados só de respirar. Ah, mas depois... Depois saímos dos pesados escritórios das nossas vidas e rumamos a outros lados, onde podemos tirar a roupa, andar com menos tecido no corpo, assumir as transpirações e as descontrações e viver a cores — e, às vezes, bem chegados uns aos outros.
(5) Água e (6) muitos livros
Apesar de vir duma terra de mar (Peniche), não sou de andar sempre dentro de água quando estou de férias. Mas gosto de alguns momentos à sombra, descansado, a ler com o mar ao fundo e as crianças a brincar na areia. Admito: é difícil chegar a esse momento. Quase sempre a areia é desconforme, não tenho posição para ler, o sol irrita-me a pele das pernas e há ainda o cansaço por antecipação de pensar como vai ser sair da praia e ficar derreado com o calor, o andar na areia, os brinquedos na mão, o carro longe, o filho a pedir só mais um castelo, só mais um buraco. Uma vez por outra, chegamos ao tal momento perfeito — e ler ali ao pé do mar é um dos maiores prazeres deste planeta. Mas mesmo se não formos à praia, podemos ler no sofá ou na cama, sem horas para acordar amanhã. No Verão, ah, no Verão... Podemos viver um livro de fio a pavio como não conseguimos ao longo do ano, em que roubamos umas quantas páginas aqui e ali — e é nesses dias que me sinto mais vivo, mesmo se, de fora, pareço um estranho ser com o nariz enfiado entre duas folhas de papel, a tentar arrumar-se numa toalha amarrotada dos pés de areia do meu filho a correr.
(7) Tempo
O tempo, sim. As férias às vezes não chegam — e outras vezes é precisamente quando não estamos de férias que encontramos os maiores prazeres. Mas também é verdade que o Verão, quase sempre, dá-nos mais dias com tempo, com aquelas horas sem reuniões nem prazos, para folhear um livro, pensar um pouco, brincar com o filho, dormitar à tarde, dar a mão sem mais, falar com um amigo ao som dos grilos ou do mar, naquelas conversas que não podemos revelar a ninguém... Pode parecer que esta foi uma crónica quase fútil. Mas não foi — vão por mim. Porque tudo o resto existe para que possamos proteger o que é importante — e os prazeres do Verão (estes sete e muitos outros) são daquelas coisas que realmente importam.
Bom Verão!
Marco Neves | Tradutor, professor e escritor. O seu mais recente livro é A Baleia Que Engoliu Um Espanhol (Guerra e Paz). Escreve no blogue Certas Palavras.
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