Em Portugal, desde pequenos que somos habituados, incitados, motivados a ser pequenos corruptinhos. Copiamos no teste de Estudo do Meio pelo colega de carteira, atiramos as ervilhas para debaixo da mesa quando a D. Alice da cantina não está a olhar, abrimos ligeiramente um dos olhos a jogar às escondidas antes de chegarmos à parte do “0, aqui vou eu!”.
Mais tarde, fazemos cábulas rebuscadas para os exames na faculdade, vamos a abrir pela faixa da esquerda para passarmos toda a fila e metemo-nos à bruta já lá à frente no acesso para a 25 de Abril antes do viaduto Duarte Pacheco, ou plagiamos descaradamente várias músicas que nos lancem a carreira musical, quem sabe até ganhar um Tony.
Ainda mais tarde, arranjamos um esquemazito para não pagar aquele imposto ou acrescentamos ao CV formação e experiência de trabalho que nunca tivemos. Entretanto, em todo este bonito e sustentado processo de crescimento, vamos assimilando que todos os outros também fazem as suas batotas, que um político tem grandes hipóteses de ser corrupto, que um banqueiro tem ainda mais, que um dirigente desportivo o é, quase de certeza.
E esta é a nossa normalidade. Aceitamos, rimos, somos coniventes, cúmplices, fazemos parte. Ah, somos tão bons nisto de ser patrióticos naquilo que mais importa.
E acima de nós, existe José Sócrates, o Frank Underwood da Covilhã. O nível de batotice dele é tão elevado, tão elegante, tão genial – principalmente pondo em perspetiva com o nosso nível mundano e rasteirinho – que dá a volta. Daí eu o admirar tanto. Sim, ele é um dos maiores batoteiros da nossa História, mas é tão bom a fazê-lo que merece o nosso respeito. A maneira como ele finge acreditar na sua inocência – e na nossa debilidade mental – não está ao alcance de muitos, nem de atores vencedores de Óscares.
Ele não fez nada, ele diz que não há provas, ele diz que é só “uma escuta aqui, uma escuta ali”, ele dá a volta a jornalistas, a juízes, a um país inteiro. Ele é mago, ele é astuto, ele é quase uma divindade imaculada, e ouvi-lo é como ouvir o canto dos anjos. Os anjos até podem ter morto três velhas e dois gatinhos e a seguir tê-los comido ao almoço, mas se nos cantam ao ouvido que não o fizeram, não temos outro remédio se não acreditar.
Assim é José Sócrates, o engenheiro, o engenhoso. E por assim ser, defendo que deve ser deixado em paz, em liberdade, a viver a sua vida com os 35 milhões que alegadamente recebeu ilegalmente. Porquê? Porque ele merece. Porque ele é superior, é melhor que todos nós. Ou, pelo menos, assim o acha. Viva, José Sócrates!
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Sócrates: Tudo o que tem a ver com ele é bom. Todas as reportagens, a entrevista que deu à RTP, tudo. Um fartote.
- Homo Deus: É a continuação do livro Homo Sapiens, a Brief History of Humankind. O primeiro achei genial, este segundo comecei agora.
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