Escrever sobre o que muda em Portugal com estas eleições é, infelizmente, replicar textos de há quatro ou oito anos, mudando-lhes, aqui e ali, o nome dos partidos derrotados e vencedores: leia-se, aqueles que perdem e conseguem as câmaras mais influentes, com mais dinheiro ou em maior número.

Um país onde 54,22% da população não conta para nada deixa muito a desejar. Nas autárquicas de 2013 houve três recordes: a abstenção (47,4%), os votos nulos (2,95%) e os votos em branco (3,87%). Mas, de lá para cá, pouco se falou no assunto e nada mudou.

A imaturidade da democracia está patente nas chamadas portas giratórias da classe política (nos bancos, nas empresas públicas, nas sociedades de advogados, na comunicação social e nas agências de comunicação), na ausência de produção de conhecimento (não há think tanks), mas também na cristalização do sistema partidário.

A abstenção crescente mostra, antes de mais, a frustração do eleitor em relação ao sistema partidário, o mesmo desde há décadas, a uma legislação eleitoral que não se altera e à asfixia dos partidos na vida portuguesa, que é quase total. Mesmo que, como querem fazer crer os especialistas, cerca de 15% da abstenção seja técnica – e estamos nós na chamada era digital -, o nível real já está acima dos 30%, deixando de estar em linha com o resto da Europa e das democracias mais consolidadas.

Desistir é compactuar. O clássico de domingo veio levantar uma questão antiga. O voto deve ou não ser obrigatório? O governo tapa o sol com a peneira e decreta que vai legislar no sentido de não permitir a realização de grandes eventos desportivos em dia de eleições.

É tudo um jogo de palavras: não permitir é proibir e proibir é obrigar. Eu também não sou a favor das quotas de género. No entanto, ainda no início deste ano o PS e o BE aprovaram uma lei semelhante à da paridade, que obriga as empresas públicas e cotadas em bolsa a contratarem mais mulheres para os seus órgãos de fiscalização e conselhos de administração. Em nome da discriminação.

Discriminados devem sentir-se os eleitores que votam em branco. Os votos em branco têm vindo a aumentar e nas últimas autárquicas quase duplicaram. Apesar do seu significado – nenhum dos candidatos apresentados me serve – e da sua expressão numérica – representaram 3,87% em 2013 - não têm qualquer valor porque não têm representatividade prática.

Luís Campos e Cunha, ex-ministro das Finanças, chegou a sugerir que aos votos em branco correspondessem lugares vazios na Assembleia da República. Nas autarquias poderia acontecer algo semelhante.

Para dar uma ideia, há quatro anos o CDS-PP teve, sozinho, sem coligações, 3,04% e o BE conseguiu 2,42%, considerado um resultado óptimo. O primeiro elegeu 47 autarcas, o segundo elegeu oito. Os votos em branco, repito, atingiram 3,87%. Não elegeram ninguém.

Para dar uma ideia, há quatro anos o CDS-PP teve, sozinho, sem coligações, 3,04% e o BE conseguiu 2,42%, considerado um resultado óptimo. O primeiro elegeu 47 autarcas, o segundo elegeu oito. Os votos em branco, repito, atingiram 3,87%. Não elegeram ninguém. Nem pelo contrário.

Por outro lado, os independentes representam já a quarta força política. Mas nuns casos são apoiados por partidos, noutros são dissidentes de partidos. E para eles a legislação é diferente a vários níveis. São, assim, tratados como políticos à parte, uma espécie discriminada, neste caso não protegida, apesar dos apelos à participação cívica na vida política. E, “venham, venham, desde que não estorvem muito”, convenhamos, não é lá grande convite.

O que pode, afinal, um independente? O que vale um voto em branco? Qual a melhor forma de votar? Prefiro votar onde moro e onde passo 10% do meu tempo, ou onde trabalho e tenho os filhos na escola? Que ferramentas tenho para fazer cumprir as promessas eleitorais e, antes disso, para saber se são viáveis?

Pedir aos eleitores para votarem é muito bonito. Engendrar esquemas que os obriguem a ir às urnas, através de leis mais ou menos criativas, penalizações de impostos e outras façanhas, também. Mas, antes disso, é preciso mostrar que cada voto conta. E isso, só mudando a lei eleitoral e alterando o sistema partidário vigente.

Enquanto não, no dia 2 de Outubro os noticiários vão abrir com o mesmo de sempre: O PS é o grande vencedor destas autárquicas, em que o PSD assume a maior derrota. O Bloco de Esquerda perde expressão. Medina vence por Lisboa e Rui Moreira mantém Porto. Isaltino Morais regressa a Oeiras.

Será muito diferente quando, em vez de a notícia serem os eleitos, passarem a ser os eleitores.