De facto, é indiscutível a importância do brincar e do jogo no desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social da criança. É através do brincar, e do brinquedo enquanto objecto, que acontece a exploração do ambiente e da realidade na qual a criança está inserida; é através do brincar que a criança brinca às mães e aos pais ou aos médicos, e experimenta os diferentes papéis sociais, aprendendo a sentir e a regular o seu comportamento à semelhança dos adultos; é através do brincar que a criança observa, constrói, adapta, desfaz e inventa; é através do brincar que a criança exprime as suas emoções; é através do brincar que a criança desenvolve estratégias para resolver os seus problemas. É através do brincar que criança aprende acerca de si mesma e do mundo.

Neste contexto de doença oncológica, através da brincadeira, a criança vê alterado o ambiente e as situações em que se encontra, aproximando-se, o mais possível, das suas dinâmicas anteriores. Esta aproximação à realidade, e simultânea fuga à doença, favorece também o estabelecimento da relação, num momento caracterizado por experiências dolorosas provocadas pela doença e pelas intervenções médicas. Os profissionais de saúde referem, várias vezes, o impacto que a actividade lúdica tem na facilitação e aceitação dos procedimentos, diminuindo, ao mesmo tempo, o stress provocado pela doença e possibilita a expressão dos sentimentos relacionados com a mesma.

Nas Casas Acreditar recebemos várias famílias de diferentes pontos do país e dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, que permanecem connosco, por vezes longos períodos, enquanto a criança está em tratamento. O meu papel, no âmbito da actividade lúdica, passa por estimular o brincar e o jogo, a expressão de sentimentos, como o medo e a ansiedade e, naturalmente, a aprendizagem. O espaço lúdico, individual ou em grupo, promove a expressão de angústias e preocupações e facilita a adaptação à doença, às intervenções necessárias e às perdas relacionadas com a doença. No fundo, é tirar partido deste poder terapêutico que tem a brincadeira. Por exemplo, através de cartas com imagens das diferentes emoções, as crianças aprendem a expressar, identificar, em si e nos outros, e a compreender as mesmas. Estas emoções estão muitas vezes relacionadas com a doença e são difíceis de exprimir e, outras vezes, relacionadas com o seu passado e/ou futuro sem doença. Os adolescentes repetem muitas vezes “Estou cansada disto tudo, só quero que acabe, só quero que tudo volte ao normal”. Nos mais pequenos são frequentes verbalizações relacionadas com os cuidadores e familiares mais próximos “Eu fico triste quando a mãe não está ao pé de mim…”, “Eu fico contente quando o mano brinca comigo…” ou “Tenho saudades da minha irmã e por isso estou triste.”

O meu trabalho na Acreditar, e especificamente com as crianças, passa também por facilitar a vivência de experiências positivas, retirando o foco da doença, numa brincadeira desestruturada e livre. Dançar só porque hoje lhe apetece dançar; ouvir uma história porque só tem vontade de ouvir e não de falar; fazer torneios de matraquilhos só porque quer ganhar e experienciar momentos divertidos com os amigos da Casa; fazer uma corrida para mostrar que ainda consegue correr; desenhar a Casa Acreditar porque se sente bem aqui. E sonhar e crescer porque sim!

Sobre a Acreditar:

A Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio a todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional e social. Com a experiência de quem passou pelo mesmo, enfrenta com profissionalismo os desafios que o cancro infantil impõe a toda a família. Momentos difíceis tornam-se possíveis de viver quando nos unimos.