Pouco se sabe sobre ele, além do currículo oficial, bastante abonatório, por sinal. Nascido na Etiópia, numa zona que agora pertence à Eritreia, numa família classe média, diz que se interessou por doenças contagiosas quando viu o irmão mais novo morrer com sarampo, tinha ele cinco anos.
Em 1986, depois de se formar em Biologia na Universidade de Asmara, foi para Londres, onde fez o curso de Imunologia na Escola de Higiene e Medicina Tropical. Seguiu-se o doutoramento em Saúde Comunitária na Universidade de Nottingham, com uma tese sobre a malária na região Tigray da Etiópia. É o primeiro microbiologista a chegar a Director Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em 1986, de volta à Etiópia, entrou para o Ministério da Saúde como técnico, mas a queda do presidente Mengistu Marian e a complicada política (e guerra civil) no país levaram-no de novo a Londres. Em 2001 voltou a casa para ocupar o cargo de director do Departamento de Saúde de Tigray, onde se notabilizou pela luta contra a SIDA e a meningite, além de ter modernizado o serviço e erradicado o sarampo. Com a subida ao poder de um novo governo de esquerda, foi nomeado Ministro da Saúde, fazendo um trabalho que chamou a atenção das entidades internacionais de saúde pública. Neste contexto estabeleceu contactos com o então Presidente americano, Bill Clinton, e com Bill Gates, já empenhado em erradicar a malária do continente africano.
O seu prestígio e boas relações internacionais levaram-no a Ministro dos Negócios Estrangeiros, entre 2012 e 2016. Nesse cargo teve um papel preponderante na luta contra a epidemia de Ébola que assolou a África Oriental, conseguindo chamar a atenção do “mundo civilizado” para mais uma das múltiplas doenças que despontam esporadicamente em África.
Em 2016, aquando da 69ª Assembleia da Saúde Mundial, o orgão deliberativo da OMS, apresentou a sua candidatura à direcção geral, apoiado por vários países africanos e pela comunidade científica internacional. Foi eleito por unanimidade em Maio de 2017.
A OMS, fundada em 1948, dentro do quadro das Nações Unidas, tem 194 membros, que se reúnem anualmente na Assembleia Mundial de Saúde, para decidir objectivos e eleger o Comité Executivo de 34 membros, cujo presidente actual, de que ninguém fala, é o japonês Hiroki Nakatan. Também elege o Director Geral, por cinco anos. A OMS tem cerca de sete mil funcionários, entre a sede, em Genebra, e as Delegações Regionais que operam em 149 países
O maior contribuinte é os EUA, seguido pela Fundação Bill & Melinda Gates. A China nem sequer está entre os dez maiores. Em 2019, as contribuições dos membros foram de 957 milhões de dólares, a que se somam outras para programas específicos da organização, num total de de mais de três mil milhões de dólares.
É interessante notar que, antes de Tetros, o cargo de Director Geral foi ocupado pela chinesa Margaret Chan. Mas este facto, que tem sido usado como argumento para mostrar a influência chinesa na OMS, não tem razão de ser, uma vez que a contribuição de Pequim não é tão significativa que lhe dê essa influência. O que se pode argumentar é que influencia outros votos, mas isso é sobretudo especulativo.
Contudo, há questões que têm a ver directamente com o poder chinês. É o caso, absolutamente inacreditável, de Taiwan (Formosa). Foi permitido à ilha que se apresentasse como observador entre 2009 e 2016; nesse ano, por pressão chinesa, foi afastada das reuniões. Esta situação é ainda mais surreal quando se verifica que Taiwan tomou medidas contra o coronavírus antes de Pequim e é citada como exemplo do combate à epidemia.
Numa entrevista recente, a 28 de Março, o epidemiologista canadiano Bruce Aylward, Director-geral assistente da OMS, evitou responder a uma pergunta da jornalista sobre a resposta de Taiwan ao surto. Quando ela insistiu, a ligação foi cortada. Quando conseguiu voltar à questão, Aylward, respondeu “vamos passar para a próxima pergunta”.
Anteriormente, e tirando o caso de Taiwan, que deve ser atribuído ao (dese)quilíbrio de interesses internacionais, Tedros esteve envolvido num escândalo de influências. Em Outubro de 2017 nomeou o Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, como Embaixador da Boa Vontade da OMS, ignorando a situação sanitária miserável do país, para não falar da ditadura feroz que ele exercia há décadas. O repúdio internacional foi tal que Tedros um ano depois retirou a nomeação.
Outra questão pendente, é a inclusão da medicina tradicional chinesa nas soluções propostas pela OMS. Os cientistas que seguem a medicina científica têm-se oposto e o problema foi adiado para 2022.
Como temos assistido ultimamente, o presidente Trump, numa tentativa de desviar responsabilidades pela sua tardia resposta à pandemia nos Estados Unidos, tem vindo a acusar Tedros de ser pró-chinês, e acaba de retirar o donativo norte-americano à OMS. Mas a verdade é que nem o presidente nem o Senado nomearam um representante permanente na organização, na linha do seu desinteresse por organismos internacionais. Ou seja, os americanos deram sem discutir preponderância China no organismo. Nas últimas reuniões da OMS, o representante interino norte-americano, o embaixador Andrew Bremberg, até elogiou a resposta chinesa à epidemia, exactamente como Tedros tinha feito.
Tedros preferiu ignorar a afronta política de Trump, limitando-se a dizer que agora, mais do que nunca, a OMS precisa de fundos, e que é uma pena que a política interfira em questões de saúde.
Esta atitude resume exemplarmente o que tem sido a sua carreira: um especialista que navega com pouco à vontade nas tricas internacionais, sempre presentes nestes organismos. Se o faz por interesse na sua carreira, ou porque acha sinceramente que tem uma missão a cumprir e assim deve ignorar o que não lhe convém, isso é impossível de saber. Talvez sejam as duas coisas.
Mas o facto indesmentível é que a OMS tem tido um papel fundamental na saúde global. As suas hesitações quanto à questão da pandemia tanto se devem às pressões chinesas como às naturais dificuldades em lidar com uma situação inédita. Aliás, também se poderia dizer que Pequim, para além da sua vontade sempre prioritária de dominar os acontecimentos, também lidou com uma situação inesperada.
A situação da OMS, como a dos outros organismos internacionais, das Nações Unidas ao Fundo Monetário Internacional (FMI), é que são manejadas pelos interesses nacionais que as financiam, e os seus dirigentes escolhidos entre uma espécie de casta de funcionários internacionais, segundo critérios de precedência, prestígio e intrigas que escapam ao cidadão anónimo. Muitas vezes são figuras pouco conhecidas – embora alguns sejam famosos, como o ex-Secretário Geral das ONU, Kofi Annan, ou a sempre presente Christine Lagarde – de países sem grande peso internacional, porque assim serão mais facilmente manejados pelos grandes poderes, ao mesmo tempo que dão a noção de uma falsa igualdade entre as nações.
Michael Ryan, o Director do Programa de Emergências, veio em defesa da sua dama: “A agência tem uma longa história de distribuir vacinas aos países necessitados, incluindo contra a meningite, febre amarela, paralisia infantil e cólera. Conseguiu uma redução drástica da tuberculose e uma redução de 25% nas mortes por SIDA".
Tedros continua a aparecer quase diariamente, com o seu ar pouco à vontade e uma postura que tanto pode parecer conciliatória e bondosa, como fraca e hesitante. Certamente que não esperava, quando concorreu ao cargo, que lhe viria a cair uma tragédia mundial nas mãos. A História o julgará, com aquela parcialidade com que a História sempre pretende mostrar-se imparcial.
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