Sexta-feira passada, estava na rua, à espera de lugar para jantar no restaurante, quando passa uma procissão (ou lá o que era) com escuteiros, padres, banda, cruzes e outras coisas religiosas, imagino que a celebrar a Páscoa e o facto de Deus ter usado técnicas de reanimação inovadoras para fazer o seu filho ressuscitar há uns bons séculos.

A procissão segue, com a estrada cortada porque quando é para futebol e religião há coisas mais importantes do que a mobilidade da cidade. Nisto, a música para e as pessoas da procissão ficam imóveis. Silêncio na rua, e eu e os meus amigos continuámos a conversar. Passa uma senhora e diz em de forma irritada “Não respeitam, mas quando estiverem doentes e precisarem hão de se lembrar de alguém.”. Era uma senhora já com os seus sessenta e poucos e, claramente, devota a Deus; ao Deus dela. Imagino que se fosse uma procissão de muçulmanos o respeito pedido pela senhora não seria o mesmo, mas isto sou eu a especular. Quando ela diz isso eu respondo “Sim, quando estiver doente vou lembrar-me dos médicos”, até porque sempre ouvi dizer que Jesus é um bocado negligente e treme das mãos e não quero cá que me mexa no corpo com bisturis e me tire a vesícula quando afinal era o apêndice que estava avariado.

Ateu confesso, não tenho nada contra manifestações religiosas, até consigo ver a beleza, tradição e cultura que acarretam, mas não sei as regras. Um gajo tinha de se calar quando a banda cessa? Foi esse o nosso erro? Ou foi estarmos com um copo de cerveja na mão em vez de um com sangue de Cristo? Sinto que se querem que as pessoas respeitem, têm de ser mais explícitos nas instruções.

Reparem, aquela procissão tem a seguinte mensagem: “Deus existe e Jesus Cristo ressuscitou passados três dias de ser crucificado.”. É isso, fora outras coisas, que aquela procissão significa e a Igreja e as pessoas que nela participam não pensam duas vezes nas pessoas como eu que não acreditam nisso e não se coíbem de me esfregar na cara essas crenças. Por mim tudo bem, no entanto, imaginem que eu tinha juntado meia dúzia de ateus e estávamos lá com a nossa procissão ao lado a celebrar Darwin e outros cientistas e a gritar “Deus não existe, aproveitem esta vida que Deus não existe e não há nada depois da morte”. Seria apenas celebrar a minha “fé” e espalhar a minha verdade, mas quantos ficariam ofendidos com isso? A velha iria benzer-se e espumar da boca e fazer o que muitos católicos fazem que é: dar na e não a outra face.

Apesar de não discriminar nenhuma religião, já que trato todas por igual e acho que já fizeram o seu papel no mundo e podiam, neste momento, desaparecer, tenho um carinho especial pela católica, claro. É aquela que me é esfregada na cara muitas vezes e de onde vejo membros a querer interferir em coisas que não lhes dizem respeito. Exemplo: debate sobre aborto ou eutanásia e há sempre um padreco na televisão a dar a sua opinião. Lamento, é um debate sobre direitos humanos e a Igreja já perdeu o ceptro da moralidade há muitos anos, com todas as imoralidades que fez (e faz) e que tenta abafar. Tentam meter o bedelho em investigações científicas e em questões sociais como o casamento de pessoas do mesmo sexo. E é aqui que começa o meu problema com a religião. É só aqui, quando sai do espectro privado para as discussões públicas que não lhe cabem num Estado Laico. De resto, podem acreditar que Jesus ressuscitou ou que fingiu a morte para não ter de pagar pensão de alimentos a Maria Madalena, é-me indiferente. Podem acreditar que vive um unicórnio gay atrás do arco-íris que quando solta gases saem borboletas, não me interessa. Desde que não venham dizer que o unicórnio discrimina as zebras e que, por isso, as zebras não deviam ter os mesmos direitos, por mim, tudo bem. Ah, e não estraguem a mente das crianças com as crenças. Crianças a andar de joelhos em Fátima, todas esfoladas porque estão doentes e os pais lhe disseram que se sacrificarem Jesus ou Maria ou a Lúcia Bisgolha os vão curar, pais que fazem isso, por muito que seja com boa intenção, deviam ser sinalizados pela CPCJ.

Bem, voltando à noite de sexta. A procissão passa e, finalmente, vagou uma mesa no restaurante para nos sentarmos. Coincidência ou o Diabo a recompensar-me? Nunca saberemos, só que que como era sexta-feira santa, comi enchidos vários, carne de porco e carne de vaca. Sou um pecador e vou arder no inferno.

Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:

Para ir: Só de Passagem em Lisboa, 23 e 24 de Abril. Bilhetes aqui.

Para ver: O resto da tua vida, de Carlos Coutinho Vilhena.

Para ler: Bíblia Sagrada, de vários autores.