Que bonança virá durante a tempestade?

Pedro Soares Botelho
Pedro Soares Botelho

Ao final da tarde, as gaivotas gritam no horizonte das serras do Porto. A moda lá diz: gaivotas em terra, tempestade no mar. Porém, mesmo andando esta fauna marinha a planar os pombos da cidade, é a terra o epicentro das depressões.

Com a pandemia numa curva ascendente, andam já a ser preparados os planos para endireitar o mundo — e o país — nesse tempo vindouro para onde se atiram as esperanças pós-pandémicas. E, sobre isso, o presidente da República defendeu hoje um "amplo apoio político" ao plano de recuperação do país com recurso a financiamento europeu, necessário para que tenha continuidade, advertindo para o preço de eventuais crises orçamentais.

"Há matérias relativamente às quais, porque ultrapassam mandatos presidenciais e mandatos governamentais — e não apenas um, mas dois ou três — tem de haver uma continuidade que supõe um consenso político e social duradouro", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, citado pela agência Lusa.

O chefe de Estado falava no encerramento de uma iniciativa da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) de apresentação do documento "Ambição Agro 2020-30”. A presença de Marcelo estava prevista para ser através de videoconferência, mas o presidente decidiu ir, de osso e carne, "de forma sorrateira", para o Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

A meio da intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se ao plano de recuperação da crise provocada pela pandemia de covid-19 como "um projeto global que exige consenso político e social". O presidente da República realçou que está em causa um processo com recurso a "vários tipos de financiamento europeu e nacional" e que representa "um esforço muito longo", que "não se pode confundir com o momento do arranque".

No seu entender, "há parceiros económicos e sociais que percebem a necessidade do mais vasto consenso social" e impõe-se "a mesma predisposição em termos de consenso político".
"Isso significa a incompatibilidade entre este processo, desde logo no seu arranque, e crises orçamentais que radicalizem não só o discurso, mas também enfraqueçam condições iniciais de execução daquilo que se quer virado para o médio longo prazo", acrescentou. Ora, "há duas maneiras de provocar crises orçamentais”: ”inviabilizando orçamentos", ou "a multiplicação de iniciativas legislativas aprovadas que significam o esvaziamento do quadro orçamental vigente no ano em que tal ocorre", ou seja, "que questionem de forma direta ou indireta a viabilidade do Orçamento”, explicou.

Porém, ambas têm "um preço elevado" num momento como o atual, advertiu o chefe de Estado. "É bom que se tenha a noção do preço envolvido”.

"Muito pode a economia, mas pouco pode se o funcionamento dos sistemas políticos for disfuncional. Como se passa, aliás, em vários países europeus. Pode ser o plano mais brilhante, a visão mais excecional, mais acabada, se entretanto existir uma situação crítica em termos dos protagonistas políticos — não digo sociais — isso significa obviamente uma limitação enorme concretização do plano almejado", argumentou.

Porque a recuperação do país "não é de uma personalidade, não é de um partido, não é de um Governo, não é de uma classe social, não é de uma corporação, não é de um setor económico, social ou outro". "Deve ser assumido como de todos os portugueses e com o mais amplo apoio político, traduzindo esse consenso nacional", insistiu. No fim, disse ainda: "mais vale prevenir do que remediar”. Assim, estas palavras foram para "prevenir acerca de crises evitáveis" e "gestos insensatos" bem como "conjunturalismos sem visão de médio longo prazo".

"Para que depois não seja tarde de mais e não demos connosco a descobrir que as sociedades não corresponderam, as democracias fraquejaram e que se perdeu uma oportunidade única que não podemos perder. E que não perderemos", concluiu.

Já ontem, no parlamento, os planos tinham dado pano para mangas. Resta saber se, com tanto puxão, não sobejam os braços e desaparecem os agasalhos.

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