Guiné-Bissau: a cronologia de um golpe anunciado

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

Escrever que esta terça-feira, por volta da hora de almoço, foram ouvidos tiros de bazuca e rajadas de metralhadora junto ao palácio do Governo da Guiné-Bissau, onde decorria um Conselho de Ministros, com a presença do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, e do primeiro-ministro, Nuno Nabiam, naquilo que foi considerada uma tentativa de golpe de Estado, não chega. É preciso recuar e revisitar os últimos meses para perceber o acontecimento de hoje.

As relações tensas entre Umaro Sissoco Embaló, Presidente da República, e Nuno Gomes Nabiam, primeiro-ministro, agravaram-se nos últimos meses de 2021 por causa de um avião Airbus A340, que o Governo mandou reter no aeroporto de Bissau, onde aterrou vindo da Gâmbia, com autorização presidencial.

O avião, um Airbus A340, aterrou na capital em 29 de outubro a pedido do gabinete do chefe de Estado. No entanto, o primeiro-ministro decidiu impedir o avião de sair do país por suspeita de que estariam armas a bordo e anunciou uma investigação externa.

Dias depois, perante os deputados no parlamento, Nuno Nabiam afirmou que a peritagem internacional, por si solicitada, concluiu que não havia armas a bordo, mas não deu mais detalhes.

Este incidente levou mesmo o Presidente a ignorar o chefe do Governo na cerimónia das comemorações do 56.º aniversário da criação das Forças Armadas, em 16 de novembro.

Ao levantar-se tribuna de honra para se dirigir para um palanque instalado na pista de tartan do Estádio Nacional 24 de setembro, Sissoco Embaló estendeu a mãos a vários dignitários nacionais e internacionais convidados, mas ignorou por completo Nabiam, que se encontrava na mesma fila.

Na ocasião, o primeiro-ministro desvalorizou e disse que as suas relações com o Presidente eram “normais”, embora admitindo alguma “divergência de pontos de vista”, que considerou “conjuntural”.

Na sequência do incidente, Sissoco Embaló chegou mesmo a ameaçar demitir Nabiam, lembrando que aquele não chegou ao cargo por via de eleições legislativas, mas por indicação sua.

Na semana passada, um novo clima de tensão gerou-se em torno da remodelação governamental, decidida pelo Presidente da República, e que foi contestada inicialmente pelo partido liderado por Nuno Nabiam. Posteriormente, o líder do Governo disse que concordava com a remodelação feita.

Entre os governantes afastados na remodelação está o ex-secretário de Estado da Ordem Pública guineense Alfredo Malu, que disse que a sua saída está relacionada com a sua atuação no caso do avião retido no aeroporto de Bissau.

Nas declarações aos jornalistas, o ex-secretário de Estado sublinhou que o Presidente da República considerou que foi da sua autoria a ordem de inspeção ao aparelho por parte de uma equipa de peritos norte-americanos.

No entanto, o clima de tensão estendia-se também ao parlamento, com Sissoco Embaló a ameaçar várias vezes com a dissolução.

Entre as divergências, está o projeto de revisão constitucional. O Presidente nomeou uma comissão para elaborar uma proposta de revisão e o parlamento realizou um trabalho paralelo, argumentando que cabe à Assembleia Nacional essa iniciativa, de acordo com a Constituição em vigor.

Nova crise institucional surgiu depois com a polémica da assinatura, por parte do Presidente, de um acordo sobre partilha de recursos naturais com o Senegal, que o parlamento considerou nulo e que foi também contestado pelo primeiro-ministro, que disse que só teve conhecimento do acordo ‘a posteriori’.

Apesar destas crises, o Presidente defendeu perante deputados, membros do Governo, chefias militares e elementos da sociedade civil que lhe foram apresentar cumprimentos de Novo Ano, em 05 de janeiro, que a Guiné-Bissau “conseguiu reerguer-se em 2021 ao sair de crises cíclicas”.

Dirigindo-se aos deputados, o Presidente guineense destacou que a partir de 2021 a Guiné-Bissau “deixou de ser um país que se sujeitava ao acompanhamento permanente da comunidade internacional”.

Mas Sissoco Embaló voltou, nesta ocasião, a lembrar aos deputados que de acordo com a Constituição apenas o chefe de Estado tem poderes para operar mudanças nos outros órgãos da soberania, deixando novamente a ameaça de dissolução.

“O parlamento deve contribuir para prevenir a radicalização política, deve promover o debate sereno das questões de interesse nacional, sem cair na agitação social. Os guineenses precisam do apaziguamento social e não do agravamento das tensões sociais e menos ainda de fraturas políticas”, notou Umaro Sissoco Embaló.

Estes quase dois anos de mandato do Presidente foram, assim, marcados por sucessivas crises internas e de conflito institucional.

Sissoco Embaló autoproclamou-se Presidente em 27 de fevereiro de 2020, numa cerimónia realizada numa unidade hoteleira de Bissau, enquanto ainda decorria um contencioso no Supremo Tribunal de Justiça sobre os resultados das eleições, interposto pelo seu adversário na segunda volta das presidenciais, Domingos Simões Pereira.

Embaló demite então o Governo liderado por Aristides Gomes, do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), vencedor das legislativas de março de 2019, e nomeia Nabiam como primeiro-ministro.

*com Lusa

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