INTRODUÇÃO
Kilifi, Quénia (2017)
Paisagem idílica. Um bar de hotel com vista para o azul do Índico e do céu. Estava com o Carlos Lopes e tínhamos acabado as reuniões do dia. Sentámo-nos e, entre um gin tónico e uns amendoins, quis ter o meu momento Bruce Chatwin com o empregado nativo. E depois de tanto ter ouvido falar de quicuios, massais e outros, perguntei: «Afinal, quantas tribos têm cá?» O empregado sorriu e respondeu: «Quarenta e duas.» Acrescentou que no ano passado tinha chegado mais uma. Vinham do Norte de Moçambique e o Governo queniano tinha decidido acolhê-los atribuindo-lhes um pequeno território. Coisa extraordinária essa, dar terra a migrantes. Fiquei a pensar nas diferenças e no conceito de propriedade privada entre nós e os povos com tradições nómadas. Fiquei a pensar no sistema de administração necessário para integrar num determinado Estado diferentes estruturas tribais e as suas culturas. Fiquei a pensar como um ocidental pensa quando olha para países diferentes. À luz dos meus «avanços civilizacionais». De Chatwin a Lévi-Strauss foi um salto lógico e rápido. Demasiado lógico e demasiado rápido.
E continuaria, não fosse a interrupção:
– E quantas tribos têm no vosso país? – perguntou-me o empregado.
Sorri, claro. Que querido! Tribos? Em Portugal? Membro da União Europeia, fundador da NATO e um dos mais antigos estados-nação do mundo. Só não ri por cortesia. A mesma que me levou a pensar na resposta. No que dizer. Como explicar que o conceito de tribo não se aplica a países do «primeiro mundo»? Que todos temos os mesmos hábitos, tradições, costumes e leis? Como explicar de forma que ele entenda? Que no hemisfério norte não temos isso. Ou temos? Sorri outra vez ainda sem ter dito nada. Aplicar o conceito «deles» ao «nosso» mundo até pode ser um exercício divertido. E se por um momento considerássemos os Valões como uma tribo? E os Sicilianos ou os Borgonheses? Tribo? Bom. Estava com um problema. E para resolver um problema, o melhor é perguntar1:
– O que é uma tribo para vocês? O que é uma tribo?
A esta altura, o ponto de interrogação era mais do que merecido. E genuíno. E fiquei à espera de uma resposta que simplificasse princípios étnicos e culturais à escala de um empregado de bar queniano num resort de Kilifi. E que a conversa acabasse nas gradações da cor da pele. Tive mais do que merecia.
– Tribo? Tribo é a língua.
Assim. Sem hesitação.
Nada de étnico, nem genético, nem cultural ou trans-, sub-, multi-,pó-cultural. A tribo é a língua. Tão simples quanto isso. Tirei duas conclusões daquela conversa. Que um branco em África não muda de cor. Por muito tempo que passe lá. E que um empregado de bar queniano me tinha acabado de escrever este livro.
No princípio era a conclusão
«Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua; e isto é o que começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer.» Génesis 11:1-9
Lisboa, Portugal (fevereiro de 2020)
Todo este trabalho, toda esta pesquisa, todas estas páginas, resumem-se a uma ideia simples: o princípio de que quantas mais pessoas falarem a mesma língua, menos guerras haverá no mundo. Dito de outra forma: quanto mais fizermos pela eliminação das múltiplas identidades tribais, maior colaboração entre os homens e mais paz no mundo. E a tese nem é nova. Tem três ou quatro mil anos e o nome de Torre de Babel2.
Ser uma só tribo e ter uma só língua, com tudo o que isso implica. Partilhar uma língua não é só partilhar a forma como comunicamos, mas também a forma como interpretamos estímulos exteriores, como os processamos mentalmente e, sobretudo, como reagimos a esses estímulos, o que muda tudo. Simplificando ainda mais. Existem três ideias-base para fundamentar esta tese:
Primeira. Os homens organizam-se em tribos. Há mil anos como hoje. A tribo dá-nos um sentimento de pertença e de segurança. Podemos chamar-lhe «nação», «grupo», «povo» ou outra coisa qualquer. Mas é uma tribo. É inato nos homens. Freud cunhou este fenómeno como «sentimento oceânico». Na prática, a necessidade de diluir o eu no todo3. E a língua é o mínimo denominador comum de uma tribo. As tribos podem formar estados, mas são as línguas que formam nações vivas. Porque entender ou não entender uma determinada língua aproxima-nos ou afasta-nos uns dos outros. Quanto mais percebemos, mais nos aproximamos. Quanto menos percebemos, mais nos afastamos. A língua está na base do «nós» (os da nossa tribo) e do «eles» (os que não são da nossa tribo) e, por isso, dos «bons» e dos «maus».
Segunda. A língua funciona como uma espécie de sistema operativo que, cria denominadores comuns de interpretação. Princípios, valores, receios, anseios, inseguranças ou mesmo a nossa crença em Deus, propagam-se através de narrativas. Umas vezes ficcionadas, outras vezes nem por isso. Mas são estes denominadores comuns narrativos que condicionam a nossa forma de pensar e interpretar o mundo. Se partilharmos a mesma língua, partilhamos as mesmas narrativas, partilhamos os mesmos denominadores comuns aumentando o nosso potencial colaborativo4.
Terceira. A língua funciona como um sistema de armazenamento, ou cloud, onde fazemos o upload e o download das nossas memórias e de uma consciência coletiva. Ou seja, é todo o armazenamento da nossa «cultura».
Estas três ideias estão correlacionadas e parecem estupidamente evidentes. Quais verdades de La Palice5 e o princípio-base da velhinha narrativa da Torre de Babel:
E era toda a terra de uma mesma língua e de uma mesma fala. E aconteceu que, partindo eles do Oriente, acharam um vale na terra de Sinar; e habitaram ali. E disseram uns aos outros: «Eia, façamos tijolos e queimemo-los bem.» E foi-lhes o tijolo por pedra, e o betume por cal. E disseram: «Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra. Então desceu o Senhor para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam. E o Senhor disse: «Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua; e isto é o que começam a fazer; e agora, não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. «Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro.» Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade. Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o Senhor a língua de toda a terra, e dali os espalhou o Senhor sobre a face de toda a terra.
(Génesis 11)
A célebre narrativa é uma curta e passageira referência com pouco mais de mil caracteres. E, no entanto, é talvez das mais referidas passagens bíblicas. Transformou-se numa espécie de lugar-comum que, de tão banalizado, terá perdido parte do seu significado: a língua junta os homens, e os homens, quando juntos, tudo conseguem. Nesse sentido, a paz ou a guerra são meras consequências da (in)capacidade de os homens colaborarem entre si. Ou de se entenderem.
Os denominadores narrativos dizem-nos como devemos interpretar fatores tão complexos como sistemas políticos, nacionalismos ou Deus. Mas também sentimentos individuais supostamente simples, como a felicidade, o medo ou a segurança. Nós, Homens, somos as estórias que partilhamos. Pode parecer estranho. Pode parecer ainda mais estranho insistir que encontramos na história das línguas6 um reflexo perfeito da história dos impérios, nações e homens. Podemos ir mais além: se a língua é essencial para a colaboração entre homens, então é também o instrumento de construção dos impérios. Quanto mais eficiente for a língua, mais sólido o império.
Não sendo linguistas, dificilmente daremos essa importância à língua. Eu, que enquanto profissional da comunicação, comentador, jornalista ou publicitário sempre vivi dela, também não lhe dava essa importância. E compreende-se. Estamos narrativamente treinados para pensar o mundo em gavetas ou ciências mais ou menos estanques. Os sociólogos acham que a sociologia explica o mundo, os economistas acham que a economia explica o mundo, os biólogos acham que a biologia explica o mundo, e por aí fora. Estamos narrativamente condicionados para só dar importância à nossa própria área de estudos. Como se o mundo fosse explicável por apenas uma ou duas ciências. E assim continuamos condenados à velha máxima de que «sabemos cada vez mais sobre cada vez menos, condenados a saber tudo sobre nada»7. Falta-nos o essencial: as ciências não explicam o mundo. Observam-no. Daí que estas linhas tenham sido escritas sem ciência certa. Foram precisos uns anos para passar este livro ao papel. E uma vida inteira para ser escrito.
Um pequeno disclaimer que me parece importante. Este livro trata as possíveis consequências da utilização do inglês em larga escala. Mas isso não quer dizer que esteja a fazer a apologia do inglês ou a fazer um qualquer julgamento favorável em relação ao mundo anglófono. Para justificar estas linhas, permitam-me uma breve explicação. Era uma criança na Guerra Fria, mas cresci num mundo quase sem muros. Era uma criança quando o meu país entregou a sua última colónia, mas cresci num mundo quase sem colónias. Fui educado numa casa onde chique era falar francês, mas onde escolheram o alemão para minha segunda língua. Os meus pais olhavam para o francês como a língua de elite e para o alemão como a língua do futuro da economia. Hoje vou mais vezes à China que aos Estados Unidos da América. Fui mais vezes a África que a Inglaterra e acabei de assistir ao Brexit.
Não tenho um laço emocional que me prenda ao mundo anglófono. Mas reconheço a carga ideológica do idioma. Não só reconheço como considero que a sua influência política é uma variável útil na análise. Mas é isso mesmo. Uma variável. Não uma preferência. A verdade é que os meus pais falharam a sua previsão. A Alemanha enquanto país tinha mais futuro económico que a sua língua: os alemães aprenderam a falar inglês, – o que tornou o meu (mau) alemão absolutamente desnecessário. Até quando vou à Alemanha falo inglês. E isso corresponde ao conceito de uma língua franca. E, nesse aspeto, o inglês conseguiu ganhar um tal estatuto. Não foi bem o inglês, mas uma coisa parecida. Digamos que a globalização precisava de uma forma de entendimento comum, e o inglês estava mais à mão.
Mas deixemos esta questão para outros capítulos e regressemos ao princípio. E no princípio era a palavra. Quantas mais pessoas falarem a mesma língua, mais colaboração e menos conflitos entre os homens. Este é o resumo essencial. Complicado é demonstrar uma tese com cinco mil anos que o mundo insiste em não levar muito a sério ou interpreta como sendo metafórica. Vamos lá tentar.
CAPÍTULO I - DEUS (AFINAL) É POLIGLOTA. A SMOKING GUN E A FORMA COMO A HISTÓRIA DO CRISTIANISMO DEMONSTRA QUE A LÍNGUA SEPARA OS HOMENS
O que é um latino?
«O cristianismo é um camaleão. Transforma-se sem cessar.»
Alfred de Vigny
Jerusalém, Israel (junho de 2017)
Não era a primeira vez que visitava o Santo Sepulcro, mas desta feita ia à procura do horário da missa. Para um cristão, há poucos momentos mais sagrados que uma missa na igreja edificada sobre as pedras do martírio de Jesus. Deu trabalho encontrar alguém que me soubesse responder à pergunta:
– A que horas é a missa católica?1
– Católica? – perguntaram-me de volta2
– Sim. Católica... Romana... – insisti.
– Ah! A missa latina.
Latina. Na altura já tinha começado a escrever este livro e nunca me passou pela cabeça referir-me à «minha» Igreja pela língua que utilizava. Mas é assim que está escrito. A missa «latina», mesmo que não seja dita em latim. A verdade é que mesmo hoje em dia continuamos a utilizar o termo «grego» para definir as Igrejas Ortodoxas. Como «eles» continuam a utilizar o termo «latina» para definir a Igreja de Roma. Mais do que a liturgia ou a obediência ao Bispo de Roma, ocidentais e orientais continuam ainda hoje a distinguir-se pela língua antiga. Mesmo que três quartos dos fiéis ortodoxos não saiba falar grego3. Mesmo que sejam raros os católicos que saibam falar latim4.
Jerusalém, Israel (maio de 2001)
O cristianismo é a primeira religião de massas onde Deus é poliglota. Percebe e fala qualquer língua. Os deuses são normalmente omnipotentes (ou muito poderosos), mas muito rigorosos na língua que podemos utilizar quando nos dirigimos a eles. Este Deus, o cristão, é o primeiro a aceitar que se fale com Ele em qualquer idioma. O que não é de somenos. Significa que qualquer um de nós, independentemente da sua tribo, pode ser salvo.
O que não deixa de ser extraordinário. No Ocidente estudamos em detalhe o momento em que o cristianismo deixa de ser um rito judaico e passa a ser uma religião de direito próprio. O momento é a afirmação da ideia de que os gentios, aqueles que não nasceram no povo eleito, podem ser convertidos. E dentro desta doutrina invocam-se três possíveis marcos:
- A visão de Pedro, em Jope, sobre o que era puro e impuro comer;
- As cartas de Paulo aos Coríntios e as instruções claras de quem se podia reunir na Igreja5;
- O Concílio de Jerusalém e o debate entre Pedro e Paulo sobre o estrito cumprimento de todas leis de Moisés6 (nomeadamente a circuncisão).
A escolha do landmark depende, maioritariamente, da nossa geolocalização. Quem está a Ocidente, sob a influência de Roma, escolherá naturalmente o primeiro. Quem está mais a Oriente, sob a influência de Antioquia, escolherá o segundo7. Quem está longe destes pormenores falará sempre do terceiro.
Foi enquanto fazia a revisão deste Pax English que o António Castro Henriques me ligou para partilhar a sua epifania: «a verdadeira smoking gun é a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes», e concluiu dizendo que «a maldição de Babel venceu o Espírito Santo». Deixem-me explicar em poucas palavras. Os apóstolos estavam reunidos com crentes de diferentes reinos e tribos. Então deu-se o milagre8 de aqueles homens compreenderem línguas que não dominavam (Atos 2:3). E todos sabiam contar os milagres do Senhor em diferentes línguas. Ao ponto de a multidão que se tinha reunido para assistir àquele espetáculo os acusar de embriaguez. No entanto, o que este episódio transmite é que aquele Deus era poliglota. E promovia a diversidade linguística.
Pormenor que é bastante relevante para a história da humanidade. Muito relevante. Deus tinha escrito as Tábuas da Lei em hebraico. E o hebraico, com pitadas de aramaico, tinha-se tornado a língua sagrada: o lashon hakodesh9. E há uma diferença. O hebraico não era língua litúrgica para servir o ritual – como o copta, o siríaco ou o latim no caso dos cristãos. Era o único idioma que o Deus dos judeus aceitava para comunicarmos com Ele. O hebraico não é um caso isolado. Dentro dos monoteístas bastará lembrar que o Alcorão foi ditado em árabe e só pode ser recitado em árabe10. E os zoroastrianos têm o seu Livro Sagrado, o Avestá, escrito numa língua própria, que é, evidentemente, sagrada: o avéstico. Tudo isto por contraste com as línguas de uso corrente, no dia a dia. A língua é mais importante ou inseparável do conteúdo. No caso do islamismo, recitar aquelas exatas palavras, naquela exata língua (chama-se a isso ipsissima verba), é tão ou mais importante que tudo o resto.
No dia de Pentecostes, Deus autoriza expressamente que os «nazarenos» esqueçam aquele hebraico. Autoriza que rezem na língua da sua tribo. Ou mais do que isso: autoriza que a palavra seja dada em diferentes línguas a diferentes tribos. O povo eleito tinha ficado sem exclusivo da salvação. Todos os gentios11 podiam aspirar ao Reino dos Céus.
Pedro confirma isso mesmo (Atos 2:14) e Paulo afirma-o ipsis verbis: «gostaria que todos falassem línguas» (Coríntios 13:14). Em Gálatas, o princípio é textual: «já não há judeu nem grego (...) pois todos sois um em Cristo Jesus» (Gálatas 3:28). As tribos são, naturalmente monoglotas, mas Deus era poliglota. Era o fim das tribos. Mas não. O Livro proíbe textualmente as divisões tribais linguísticas. Para não termos línguas litúrgicas, muito menos sagradas. E, mesmo assim, a história do cristianismo demonstra-nos exatamente o contrário.
Elvas, Portugal (2019)
Estava sentado à mesa com a Raquel e comecei a falar sobre o livro. Às vezes (muitas, demasiadas) acontecia falar e falar. Percebi que me ajudava a pensar. Mas desta vez, para provar a minha tese, dei-lhe o exemplo do cristianismo. Quando comecei a pensar mais sobre o assunto, percebi que tinha encontrado algo importante. Desde que comecei a escrever este livro que procuro uma prova irrefutável. Uma verdadeira «smoking gun» histórica que demonstre, para além de qualquer dúvida, a ideia da Torre de Babel de que a língua une e as línguas separam. Acabei por encontrá-la inesperadamente nas páginas de Ad infinitum12.
Este livro relata a capacidade transformadora do latim. E quando falamos do latim, o vício é admirar a capacidade que teve em federar um império e marcar a história da Europa Ocidental, e ainda da Igreja de Roma. Sim. Essa é a constatação imediata. Pelo menos aqui para os meus lados da divisória religiosa.
Foi preciso afastar-me das minhas crenças para perceber o quadro completo. Porque se olharmos para a história do cristianismo, olhamos para séculos de cisões, fragmentações e conflitos que quase sempre originaram destruição, guerra e morte. Pensamos no Grande Cisma, Oriente-Ocidente, e encontramos a divisão entre aqueles que falavam grego e os outros que falavam latim. Mas este é apenas um dos casos. Porque mesmo dentro de cada uma das divisões da Igreja Ortodoxa existe também uma divisão linguística (gregos, coptas, albaneses, romenos...). Porque, ao contrário do que muitas vezes concebemos, o cristianismo nasce como uma igreja única, que o tempo e as línguas foram separando em dezenas ou centenas de rituais e instituições. Estamos a falar de 2382 milhões de almas13, que são, na prática, membros de uma mesma tribo. E se a Torre de Babel fosse um pouco mais que uma mera história bíblica? Se nos tivéssemos esquecido do seu verdadeiro significado? E se o cristianismo for a smoking gun da tese da Torre de Babel?
Foi nesse trabalho que me empenhei nos meses seguintes. Verificar se as divisões dentro do cristianismo tinham alguma correspondência com as divisões linguísticas. E foi preciso fazer o levantamento das mais importantes igrejas, estudar a sua liturgia e entender as razões da sua criação. Trabalho que se materializou numa longa tabela14 de igrejas cristãs, identificando a origem, a cisão, a língua e o ano da criação. Primeira evidência: há muito mais igrejas do que qualquer vez imaginei. Segunda evidência: a história do cristianismo é muito mais complexa, «animada» e «divertida» do que alguma vez imaginei.
Terceira evidência (esta teologicamente incorreta): as diferenças que dividem as igrejas cristãs são, por vezes, tão irrelevantes15 que nunca justificariam, só por si, uma existência própria.
A pesquisa deu origem à tabela, e a tabela deu origem a um «mapa do cristianismo». Mapa, ou árvore genealógica, que tem raiz no tempo em que o cristianismo ainda não era cristianismo. Depois do primeiro exercício de arboricultura, aplicou-se um filtro linguístico. Ou seja, perceber se as diferentes cisões e cismas têm uma correspondência linguística. Os resultados foram muito mais surpreendentes do que inicialmente julgava.
A vida dos apóstolos no período que se seguiu à morte de Cristo é plena de versões contraditórias, mitos e lendas, com diferentes tradições e países a reclamarem para si a presença evangelizadora dos apóstolos, muitas vezes em versões completamente contraditórias. Mas é mais ou menos consensual que a maior parte dos apóstolos permaneceu na região por um período de doze anos até à grande perseguição de Herodes Agripa16, sendo este o momento em que os apóstolos se espalharam pelas províncias do império e um pouco para além disso. Por esta altura, o «cristianismo» ainda não era cristão. Confundia-se com um ramo do judaísmo. Ou uma heresia judaica, e os seus seguidores tomavam o nome, ora de cristãos, ora de nazarenos17.
A história destes anos de cristianismo é também a história das línguas do cristianismo. E a língua de Jesus e dos apóstolos é o aramaico. E, depois da sua morte, os seus ensinamentos e o catecumenato18 são passados de forma oral. No entanto, para se expandir, o cristianismo precisava de aprender «outras línguas». O grego tem um papel decisivo nos primeiros anos de expansão da nova religião. É verdade que o latim era a língua dos romanos, mas dificilmente seria a língua única do império. Havia outras línguas tão ou mais importantes. A língua dos helénicos era também a língua dos filósofos, dos mercadores, dos financeiros, e era conhecida da própria elite romana. Esta transição do aramaico para o grego tornou o cristianismo expansível, mas também respeitável.
Mas é a necessidade de expansão territorial e a nova estrutura administrativa adotada pela Igreja que alteram radicalmente o seu futuro. E essa estrutura assenta na criação de quatro patriarcados – os Quatro Patriarcados originais.
Com a criação de uma nova Roma a Oriente, a estes quatro patriarcados originais juntar-se-ia Constantinopla19, cidade que rivalizaria com as restantes em poder e importância. Os patriarcados deveriam governar, em relativa igualdade, uma igreja una e única, que se estenderia pelo mundo. Ironicamente, ou não, desses cinco patriarcados, quatro vão dar origem a quatro diferentes ramos do cristianismo. Cada um com o seu santo fundador, ritual e língua. E capital de queixa, vulgo legitimidade, dos outros.
Outra das ironias é que, com a expansão para Ocidente, o papel central de Jerusalém passou a ser mais simbólico que efetivo. Ainda que ali tenha vivido, ensinado, morrido e ressuscitado o mártir da nova religião20. Ainda que ali tenha nascido a nova religião. O cristianismo estava focado na expansão e as outras cidades do Império Romano tinham muito mais potencial de crescimento que a velha capital dos judeus.
Há um momento, com a perseguição de Herodes Agripa, que acelera o processo de expansão do cristianismo, com as suas principais figuras a deixarem Jerusalém e a procurarem refúgio em cidades com fortes comunidades judaicas21.
É impossível escrever uma versão minimamente consensual da história primitiva do cristianismo. Há demasiadas paixões, demasiadas línguas e demasiadas interpretações das mesmas palavras, das mesmas datas e até dos mesmos factos. Mas ao invés de analisarmos as causas, podemos olhar para as consequências e para os factos.
Tiago torna-se o primeiro líder da nova igreja22. Em 36, Pedro funda o patriarcado de Antioquia. Em 42, é Marcos quem funda o patriarcado de Alexandria. E, uma década mais tarde, o mesmo Pedro (com Paulo) funda o patriarcado de Roma23.
Jerusalém, Israel (51 d. C.)
Vindos dos quatro cantos do Império Romano, onde estavam a pregar, os apóstolos reencontram-se na cidade onde morreu o seu Cristo para discutir um dos temas mais importantes à data: deviam os Nazarenos cumprir as originais leis de Moisés24? E especialmente a circuncisão?
Na prática, os apóstolos reuniram-se para decidir se continuariam judeus. De um lado Pedro, do outro Paulo. O confronto entre os dois ficaria conhecido como o incidente de Antioquia e a reunião dos apóstolos como Concílio de Jerusalém. O primeiro de todos os concílios. Mas, para nós, verdadeiramente relevante é que o Concílio de Jerusalém marca também o início do choque de culturas entre Ocidente e Oriente. É que, para gregos e romanos, o hábito iniciático da circuncisão era considerado primitivo e selvático e rejeitado em toda a linha. Os apóstolos, ou adaptavam as leis de Moisés aos gostos dos gentios, ou ficariam limitados no seu crescimento. É Tiago, o primeiro herdeiro de Jesus, quem toma a decisão que separaria para sempre cristãos de judeus. Tiago decide, mas é Pedro quem sai como vencedor, afirmando-se como sucessor de Tiago e levando a liderança da Igreja com ele para a capital da maior superpotência do globo.
Corta para plano25, porque, depois de alguns anos de tolerância, o cristianismo seria perseguido em Roma. O mundo só voltaria a mudar quando, em 330, o imperador Constantino cria uma nova cidade com o seu nome. Mais do que isso. Refunda a grega Bizâncio para ser um novo centro do império e um baluarte do imperador. Uma nova Roma, como foi chamada, com senado próprio e poder administrativo, Constantinopla foi estabelecida no Mediterrâneo Oriental exatamente para apoiar o império naqueles territórios de profunda influência helénica. Fundada por latinos26. e em latim, acabaria sob o jugo da língua grega. Mas a Igreja cresce e adapta-se criando um quinto patriarcado com as mesmas precedências do patriarcado de Roma. A história destas duas cidades e destas precedências é a história da separação entre católicos e ortodoxos que ainda hoje perdura.
Todas estas datas e estes factos são contestados. Há pouco ou nenhum consenso sobre o que aconteceu durante aqueles anos. Só as versões mais romanceadas e as fontes próprias de cada um dos interessados. A verdade é que, quando os europeus chegaram à Índia, em 1498, havia indianos cristãos que adoravam Jesus. Descendentes daqueles que tinham sido evangelizados pelo apóstolo Tomé.
O sistema de governo eclesiástico dividido em cinco cidades/patriarcados ficaria conhecido por pentarquia28. Com a destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d. C. e a perda de influência desta cidade, são os outros quatro patriarcados que se tornam nos quatro pilares na nova religião. E ainda que cada região, cada povo, cada tribo tivesse o seu próprio dialeto, cada um dos patriarcados acaba por sedimentar e consolidar o ritual litúrgico na sua própria língua. Cada um dos quatro patriarcados acaba por corresponder a uma determinada esfera de influência linguística, que é também uma determinada esfera de influência política – como veremos, as duas esferas confundem-se. E é também aqui que encontramos os quatro ramos mais antigos do Cristianismo.
Daqui seguimos para as grandes cisões ou cismas. Estamos em 451. O Patriarcado de Alexandria, depois de acesas disputas teológicas com os restantes patriarcados, decide deixar de acatar a autoridade e a precedência de Constantinopla. É a cisão e o nascimento da Igreja Copta29.
Independentemente das razões teológicas invocadas, na verdade esta separação tem tanto de razão política como de religiosa. E histórica. Alexandria continuava a ser uma das mais antigas e importantes cidades do mundo. Ainda Bizâncio era uma aldeola grega, já Alexandria concentrava grande parte do conhecimento escrito do mundo antigo. Os Egípcios podiam gabar-se da sua herança helénica e romana, mas tinham muito mais do que isso. Como consequência prática, os Egípcios abandonam o ritual grego e os textos nesta língua para adotarem oficialmente o copta como língua litúrgica oficial. Um movimento muito mais nacionalista que religioso e que resultaria numa expansão da nova igreja para sul30, onde o Império Romano do Oriente não chegava. E foi assim até 639, quando o Egito passa a ser governado por conquistadores vindos da Arábia e que traziam com eles uma nova religião31 e uma nova língua.
Algo muito semelhante aconteceria em Antioquia. O que é hoje uma pequena cidade turca foi um dos mais importantes centros políticos e económicos do Império Romano. A sua importância para o cristianismo revela-se na quantidade de vezes que é citada pelos apóstolos. É também o local onde os Nazarenos adotam oficialmente o título de cristãos (Atos 11:19-26). Com uma forte e muito organizada comunidade judaica, é a cidade escolhida pelos primeiros cristãos para migrarem durante as perseguições em Jerusalém. É também um dos patriarcados, juntamente com Roma, fundados por Pedro e Paulo. E é também em Antioquia que se forma a primeira comunidade de cristãos gentios, ou seja, não judeus.
No século vi, parte da Igreja de Antioquia separa-se e passa a adotar o siríaco32 como língua litúrgica oficial. Como consequência, as igrejas georgianas e arménias, que à data já eram religiões oficiais do Estado, autonomizam-se completamente. À semelhança do que aconteceu em Alexandria, também em Antioquia algumas comunidades continuaram a ser fiéis aos rituais gregos. O que na prática significa que foram criadas duas igrejas, dois patriarcados com dois diferentes ritos. Situação que ficou ainda mais confusa quando a Igreja Católica formou um patriarcado latino na cidade33. Estávamos na época das Cruzadas e criavam-se os Reinos Latinos do Oriente. Quando em 1268 a cidade cai nas mãos dos mamelucos, havia três patriarcados cristãos com o mesmo nome e diferentes obediências. Cada um com a sua língua litúrgica.
O que ainda restava da pentarquia desapareceu cinco séculos mais tarde com a separação entre católicos e ortodoxos. Entre latinos e gregos. Mesmo o nome deste evento é alvo de acaloradas discussões académicas. Os latinos antigos referem-se ao «Cisma do Oriente», os gregos ao «Cisma do Ocidente». Os historiadores resumem a coisa como «Grande Cisma». Ou simplesmente «Cisma». Há diferentes razões formais para o Cisma.
Do ponto de vista teológico, discutia-se a origem do Espírito Santo34. Do ponto de vista ritual, discutia-se a utilização, ou não, de pão fermentado na eucaristia. Em pano de fundo, discutia-se o regresso do centro do poder a Roma e ao Ocidente. Porque, depois da queda de Roma às mãos dos pagãos do Norte e da fragmentação do império em dezenas de pequenos reinos, Bizâncio afirmou-se como grande centro da Cristandade e sede da maior potência militar do seu tempo, chegando mesmo a reconquistar partes importantes da Península Itálica. Quinhentos anos depois, à data do Cisma, as circunstâncias tinham-se alterado profundamente. Os bizantinos foram perdendo sucessivamente as suas províncias mais ricas e importantes: o Egito, a Arábia e a própria Terra Santa.
Quando a cidade de Constantinopla35 foi ameaçada e os bizantinos deixaram de assegurar a sua sobrevivência, o Patriarcado de Roma voltou a discutir o seu estatuto na hierarquia. O poder de Roma era transversal e fonte de direito para as dezenas de reinos do Ocidente. O papa de Roma não era o imperador romano, mas era a figura que reconhecia e entronava reis.
É no momento histórico em que a relação entre latinos e gregos é mais desequilibrada que os príncipes latinos tomam a decisão de deixar cair o Império Bizantino. Bizâncio era mais um obstáculo que um aliado para o crescimento da Cristandade. Bizâncio, que já tinha sido saqueada por um exército cruzado em retaliação ao massacre de latinos, é deixada à sua sorte, apesar dos apelos à reconciliação por parte do seu imperador.
Já antes, o patriarca de Constantinopla tinha anunciado o Cisma. Já antes se tinha arrependido e voltado atrás na decisão. Depois de entrar na cidade o seu conquistador, o sultão turco Solimão, o Cisma tornou-se irreversível. Dos cinco grandes patriarcados, quatro formaram as suas próprias igrejas com base na sua língua nativa (copta, siríaco, latim e grego). O quinto patriarcado, Jerusalém, ainda hoje é disputado por todos.
Notas - Introdução
1. Responder com uma pergunta é coisa de jesuíta.
2. Na realidade, a ideia de que as diferentes línguas conduzem a humanidade ao conflito é bem mais antiga que o Livro Sagrado. Remete-nos para o poema épico sumério Enmerkar e o Senhor de Aratta, datável do terceiro milénio antes de Cristo, que contém uma narrativa semelhante à Torre de Babel e com a mesma ideia de que a humanidade vivia em harmonia porque falava uma só língua.
3. Em rigor, apesar de ter escrito sobre o tema, o termo original não é de Sigmund Freud, mas de Romain Rolland, numa carta que dirigiu ao médico austríaco em 1927.
4. Em Sapiens (Yuval Hariri, 2011), a questão da colaboração dos homens está muitíssimo bem explorada. Voltarei a este livro diversas vezes.
5. Ora aqui está um belíssimo exemplo de um denominador narrativo. A expressão verdade de La Palice tornou-se tão comum que até virou palavra – em português, lapalissada. E de tão comum, de tão banal, esquecemos a sua origem como uma cantiga de soldados franceses no século xvi dedicada ao seu marechal morto em combate: Hélas, La Palice est mort/Est mort devant Pavie/Hélas, s’il n’était pas mort/Il ferait encore envie. Diz-se que o último verso parodiado, tornando-se «il ferait encore envie» (faria ainda inveja) em «il serait encore en vie» (seria ainda vivo).
6. Ponderei e emendei (várias vezes) esta palavra. No final, preferi «línguas» a «linguística».
7. A frase aparece frequentemente atribuída a George Bernard Shaw. Procurei, mas confesso que não consegui encontrar a fonte original.
Notas - Capítulo 1
1. As principais igrejas cristãs partilham o Santo Sepulcro. Para garantir uma certa organização, cada rito sem o seu horário. E as chaves do Santo Sepulcro estão com uma família palestiniana.
2. Um católico romano acha sempre que o mundo gira em torno de Roma
3. Na realidade, metade dos fiéis ortodoxos são russos.
4. O católico é aquele que fala latim. E há muito que já não existem nativos de latim. Curiosamente, a expressão «católico» vem do grego e significa «universal».
5. A epístola de Paulo aos Coríntios, de que falaremos mais em detalhe, tem pormenores revolucionários. A começar pela ideia de que as mulheres podiam assistir ao rito em situação de igualdade, ao contrário do que acontecia (e acontece) no judaísmo. É o princípio de uma espécie de igualdade de género.
6. Ver p. 35.
7. Já depois de ter escrito esta parte, tive uma conversa com o Bruno Pinto sobre o cristianismo primitivo. Tinha acabado de ler o livro O Zelota (Reza Aslan, 2013) onde se atribuía o crédito da conversão dos gentios a Paulo, e não a Pedro. O autor, Reza Aslan, é iraniano.
8. A Bíblia conta-nos o episódio em que todos os apóstolos, escondidos dos romanos, ainda choravam a morte de Jesus e línguas de fogo desceram do céu. De um momento para o outro, os apóstolos conseguiram compreender e falar noutras línguas. Ficou conhecido como dia de Pentecostes. Diz-se milagre quando existe um acontecimento extraordinário sem explicação científica.
9. Expressão hebraica para «língua sagrada».
10. Pode ser lido noutras línguas, mas só pode ser recitado em árabe.
11. Expressão que se aplica a todos aqueles que «não têm a lei». É a tradução da palavra hebraica gojim, que significa aquele que não é judeu ou de Israel. Pessoa fora da tribo.
12. Nicholas Ostler, 2007.
13. Os dados são do CIA World Factbook e referem-se ao ano de 2020. O World Factbook é uma espécie de atlas online com atualizações permanentes.
14. Tive dúvidas, mas acabei por insistir para que fosse publicada a tabela na p. 499.
15. Encontramos um pouco de tudo: questões doutrinárias como a questão da Santíssima Trindade ou a natureza divina de Jesus, e razões jurisdicionais e administrativas. Quando olhamos, por exemplo, para o caso das igrejas ditas sui juris, que vivem em comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana, encontramos diferenças bastante mais profundas que foram ultrapassadas.
16. Filho de Herodes. É nesta perseguição, quarenta anos depois de Cristo, que S. Tiago Maior, conhecido como «irmão de Jesus», e o primeiro líder dos Nazarenos, morre.
17. Por referência à cidade da Galileia onde Jesus viveu.
18. Processo de iniciação e preparação cristã.
19. Constantinopla é fundada na antiga cidade grega de Bizâncio.
20. Mesmo do ponto de vista simbólico, a cidade foi sendo esquecida. Para um católico, por exemplo, a cidade de Roma tem hoje muito mais importância que a própria Jerusalém.
21. Todos os apóstolos eram judeus. E os judeus foram, durante os principais anos do cristianismo, a sua principal base de recrutamento. Para além da proximidade, havia a questão do monoteísmo, conceito difícil de explicar num mundo dominado pelas ideias politeístas.
22. Historicamente, foi o primeiro líder da Igreja. Morreu em 44 d. C. – martirizado, como quase todos os outros apóstolos.
23. O facto de o patriarcado de Antioquia ser mais antigo que o patriarcado de Roma ainda hoje é abundantemente recordado pelos sírios.
24. A expressão Leis de Moisés aplica-se ao conjunto dos 613 mandamentos ditados por Moisés durante a travessia para a Terra Prometida. Estas leis introduzem variadíssimas inovações à época. Nomeadamente, a higiene e a educação. Uma parte muito significativa dos mandamentos constitui normas sanitárias (não comer porco, não mexer em mortos...). Mas há também normas relativas à alfabetização (ver pp. 292, 327).
25. A expressão «corta para plano» vem do cinema. É tão útil que pode ser aplicada na vida em geral e nos livros em particular.
26. Na realidade, Constantino nasceu na atual Sérvia e terá passado pouco tempo na Roma que o aclamaria como imperador. Filho de uma grega, crescido no Oriente, Constantino era bilingue – como a maior parte da elite do império.
27. Seguiu-se a Etiópia (325 d. C.) e depois a Geórgia (337 d. C.). Só quatro décadas depois se torna a Igreja do Império Romano.
28. Na realidade, aconteceu muito mais tarde. Foi só em 531 que Justiniano II formalizou o sistema de governo eclesiástico dividido em cinco patriarcados.
29. A expressão «copta» era utilizada pelos árabes para definirem todos os egípcios. E copta era a língua dos Coptas. Com a conversão da maioria da população ao Islão, a palavra mudou de significado, passando a definir a minoria cristã que ali continuava a residir.
30. Especialmente na Etiópia e na Eritreia, onde se formaram igrejas nacionais coptas.
31. A Igreja Copta tornou-se um caso único de sobrevivência, resistindo à conquista islâmica e aos seus períodos de perseguição. Hoje conta com mais de 20 milhões de fiéis em todo o mundo, o que decorre das muitas vagas de migração. A sua sede primaz mantém-se em Alexandria.
32. Descendente do aramaico.
33. Em 1098.
34. Alteração do credo, a Ocidente, com a introdução da procedência do Espírito Santo em relação ao Pai e ao Filho. Na prática, a versão latina do credo tinha a procedência do Espírito Santo em relação ao Pai e ao Filho, enquanto a versão grega referia apenas o Pai. Em 1431-1445, quatrocentos anos mais tarde, a questão foi discutida no Concílio de Basileira-Ferrara-Florença. Um concílio ecuménico que sentou o imperador Bizantino, João VIII, e o patriarca José II com os latinos. Os gregos defenderam que estava doutrinariamente proibida qualquer alteração do credo (decisão do Concílio de Éfeso, em 431). Os latinos argumentaram que a proibição era verdadeira, mas que se aplicava à substância e não às palavras utilizadas quando o credo era traduzido. A questão da língua e da tradução. A verdade é que a delegação bizantina, ansiosa por garantir o apoio do Ocidente na guerra com os Otomanos, aceitou o argumento em troca de apoio militar. Seria o fim do Grande Cisma e a reconciliação das Igrejas. Mas o patriarca José II morreu poucos meses depois e a posição foi fortemente contestada em Constantinopla. Catorze anos mais tarde, a cidade, sem o apoio do Ocidente, caiu às mãos dos turcos e o acordo foi renegado e esquecido.
35 Ou Bizâncio, como voltou a ser conhecida por causa da influência grega.
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