Chegou ao Governo para libertar António Costa, mas só lhe está a dar mais dores de cabeça. O que se passa com Miguel Alves?

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Miguel Alves foi hoje acusado pelo Ministério Público do crime de prevaricação, estando o caso relacionado com a Operação Teia, de 2019. É o segundo processo judicial a envolver o governante.

Quem é Miguel Alves?

É o atual secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. O cargo, recorde-se, não existia neste terceiro executivo socialista de António Costa — no anterior governo, estas funções foram desempenhadas por Tiago Antunes — mas foi retomado na mini-remodelação governamental feita a propósito da saída de Marta Temido da pasta da Saúde.

Natural de Lisboa e com 47 anos, Miguel Alves foi, desde 2013 até setembro deste ano, o presidente da Câmara Municipal de Caminha. No dia 15 desse mês, foi proposto a Marcelo Rebelo de Sousa, que lhe deu posse no dia seguinte — a ele e a Ricardo Mestre como secretário de Estado da Saúde e Margarida Tavares como secretária de Estado da Promoção da Saúde.

As razões para a sua chamada não surpreendem se tivermos em conta o seu currículo: licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, é um dos dirigentes socialistas mais próximos do atual líder do executivo. Foi adjunto de António Costa como presidente da Câmara Municipal de Lisboa (entre agosto de 2007 e outubro de 2009), mas também enquanto ministro de Estado e da Administração Interna (entre janeiro de 2006 e maio de 2007).

A ideia, então, era trabalhar uma vez mais ao lado de Costa, para reforçar a coordenação política de um Governo que, apesar da maioria absoluta para governar, tem somado sucessivos erros estratégicos e de comunicação.

E o que aconteceu?

Pouco mais de um mês depois de assumir funções no Governo, Miguel Alves viu-se no centro de uma polémica relacionada com a sua atuação enquanto autarca de Caminha.

Em causa, está um contrato-promessa de arrendamento para fins não habitacionais para a construção do Centro de Exposições Transfronteiriço (CET), assinado em outubro de 2020 pelo agora secretário de Estado quando liderava a Câmara Municipal de Caminha.

O problema é que para a edificação, foram adiantados, sem quaisquer garantias específicas, 300 mil euros ao futuro senhorio. Pior ainda, o pagamento foi feito pela autarquia em março de 2021 a uma empresa desconhecida e associada a um empresário com um alegado currículo falsificado, Ricardo Moutinho.

Além disso, não só a construção do pavilhão municipal não começou sequer, como o Expresso mais tarde noticiou que a empresa em questão, a Green Endogenous, S. A., faz parte de um grupo de investimento que foi “criado na hora”.

Como consequência, o PSD local levantou o alerta por considerar que tal negócio foi realizado sem estudos prévios, apenas pretendendo beneficiar um privado em específico e evitar um visto do Tribunal de Contas. Já o PS considerou que a sua importância não poderia ser minimizada como criador de emprego, considerando a sua construção estratégica.

Não obstante os argumentos a favor e contra, houve irregularidades suficientes no processo para o Ministério Público abrir uma investigação. “Confirma-se a instauração de inquérito relacionado com a matéria”, referiu a PGR em resposta escrita a um pedido de esclarecimento enviado pela agência Lusa.

E Miguel Alves?

Numa fase inicial, preservou o silêncio. As notícias foram-se somando e o secretário de Estado Adjunto nada disse, obrigando António Costa a defendê-lo publicamente.

Questionado a 31 de outubro se mantinha a confiança política em Miguel Alves, o primeiro-ministro respondeu: “Com certeza, senão não estaria como membro do Governo.”

No entanto, a 6 de novembro, o governante falou finalmente, dando uma entrevista ao Jornal de Notícias e à TSF, mostrando-se seguro da legalidade do processo e explicando o porquê de não se ter pronunciado publicamente sobre esta polémica antes.

“E a minha primeira pronúncia não foi aqui, foi junto da PGR, através de carta, onde juntei a minha disponibilidade para prestar o meu esclarecimento a qualquer momento sobre o inquérito que foi aberto a propósito desta situação. Agora, estou aqui para que todos possam compreender a minha opção, uma opção legal, transparente e que defende o interesse público em Caminha e, também, no país”, disse Miguel Alves.

Na mesma entrevista, o secretário de Estado Adjunto lembrou que o promotor já investiu 600 mil euros no concelho, apontou que este apresentou “documentos que evidenciavam trabalho noutros concelhos e em outras empresas”, e que a “confiança e a boa-fé reforçaram-se pela atitude e comportamento”, descrevendo que recebeu Ricardo Moutinho “dezenas de vezes” para reuniões com técnicos, vereadores, arquitetos e gestores financeiros.

Ficou tudo esclarecido?

Não, o caso só piorou. As explicações que prestou não só não foram convincentes, como adensaram o manto de suspeitas sobre si. Além disso, Miguel Alves provocou ainda mais críticas por ter dito que “este caso existe” porque é secretário de Estado de António Costa, porque “há um certo preconceito relativamente a quem está em funções fora daquela corte natural” e também porque existe “um certo preconceito com Caminha”.

A estratégia de comunicação falhou a ponto de que, a partir daí, toda a oposição começou a pegar no caso. Tanto o PSD como o Chega pediram audições de Miguel Alves na Assembleia da República, sendo que os sociais-democratas disseram mesmo que o governante "não está suficientemente habilitado" para o exercício de funções, por estar envolvido num caso em investigação. À esquerda, o BE disse apoiar estes pedidos de audição, pedindo “justiça célere”, e o PCP disse que Miguel Alves “não defendeu” Caminha com contrato “duvidoso”.

O caso, como não podia deixar de ser, chegou aos ouvidos do Presidente da República.

E como reagiu Marcelo Rebelo de Sousa?

Segundo o Expresso, Marcelo quer aproveitar a reunião semanal com o primeiro-ministro que estava marcada para as 18:00 de hoje para questionar António Costa sobre a polémica em torno de Miguel Alves — o que colheu elogios de Luís Montenegro.

Não obstante, o Governo continuou a defender a permanência do secretário de Estado Adjunto no executivo, desta feita pela voz de Mariana Vieira da Silva.

E o que disse?

“Para o Governo, a situação está esclarecida. Não teria dito o primeiro-ministro sobre o caso se não estivesse esclarecida”, respondeu a titular da pasta da Presidência no briefing do Conselho de Ministros, numa alusão ao facto de António Costa já ter declarado que não estava em causa a confiança política em Miguel Alves.

Na conferência de imprensa, Mariana Vieira da Silva foi confrontada por duas vezes com casos em que secretários de Estado saíram do Governo depois de terem sido constituídos arguidos, o que não acontece agora com Miguel Alves.

“Está esclarecida a diferente situação em que algumas saídas no Governo se verificaram. Não vou fazer nenhum comentário sobre nenhum caso, ou suposto caso, ou tema dessa natureza, porque esse não é o quadro deste briefing”, começou por reagir.

Perante a insistência dos jornalistas, nesta aparente contradição, e interrogada se há, agora, em relação a Miguel Alves, uma diferença nos critérios do Governo em casos em que um dos seus membros é constituído arguido, Mariana Vieira da Silva rejeitou a existência dessa dualidade de critérios.

“Essa diferente atitude, em diferentes casos, não corresponde à realidade. Revisitar os comunicados e aquilo que foi dito em cada um desses momentos permitirá a qualquer pessoa que assim é. Não existe qualquer diferente atitude relativamente ao facto específico em relação ao qual fui questionada”, insistiu a ministra da Presidência.

E que mais?

Se o caso já se revelava espinhoso para o Governo, piorou no final da tarde, quando o Observador noticiou que Miguel Alves foi acusado pelo Ministério Público de prevaricação num segundo caso judicial.

A ação do MP decorreu no âmbito de uma certidão extraída da Operação Teia, que, recorde-se, remonta a 2019, estando relacionada com alegados favorecimentos às empresas da mulher do ex-presidente da Câmara de Santo Tirso, Joaquim Couto, a troco de favores políticos — designadamente apoio para uma eventual candidatura à presidência da Federação de Braga do Partido Socialista —, por parte de outro ex-autarca do mesmo concelho, Miguel Costa Gomes.

Em junho de 2019, Costa Gomes foi detido pela Polícia Judiciária no âmbito da Operação Teia, indiciado dos crimes de corrupção passiva e de prevaricação. O autarca esteve em prisão domiciliária, uma medida de coação que entretanto foi levantada, e esteve proibido de quaisquer contactos com funcionários municipais até junho de 2020.

*com Lusa

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