A Lula de Schrödinger, ou como vir e não vir ao 25 de Abril ao mesmo tempo
Qual é a notícia?
O presidente do parlamento, Augusto Santos Silva, anunciou hoje que a Assembleia da República vai organizar uma sessão solene de boas-vindas ao Presidente brasileiro, Lula da Silva, depois de ter chegado a ser divulgado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros que o chefe de Estado brasileiro interviria na sessão solene do 25 de Abril.
Santos Silva indicou ainda que os pormenores, como a data da sessão de boas-vindas, em que Lula da Silva discursará, ainda vão ser estabelecidos. O que quer dizer que até podem vir a acontecer no dia 25 de abril, mas não durante a sessão solene do 25 de Abril.
Porque é que isto é uma tema?
Deve-se à atuação do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, que anunciou na semana passada que Lula da Silva iria discursar na Assembleia da República na sessão solene do 25 de Abril.
No entanto, fonte oficial do gabinete de Augusto Santos Silva remeteu qualquer decisão para o “devido tempo”.
“Nos termos do Regimento, a ordem do dia é fixada pelo PAR, ouvida a Conferência de Líderes, e será isso que acontecerá em devido tempo em relação às sessões a realizar na segunda quinzena de abril”, respondeu o gabinete de Santos Silva, sem mais esclarecimentos.
Porque é que isto gerou críticas?
Foi mais um faux-pas do ministro Gomes Cravinho, já que a decisão teria sempre de passar pela Assembleia da República. O anúncio ter sido feito por um membro do Governo foi encarado como um atropelo do papel do parlamento.
Além disso, alguns partidos opuseram-se também à possibilidade de Lula da Silva discursar na sessão comemorativa da Revolução.
O que foi dito?
“O que o ministro dos Negócios Estrangeiros fez com a sessão solene do 25 de abril na Assembleia da República é lamentável, é mesmo uma gafe imperdoável. O ministro dos Negócios Estrangeiros não tem o direito de falar em nome da Assembleia da República”, acusou Luís Montenegro, Presidente do PSD.
Da parte do Chega, André Ventura afirmou no plenário que "o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros, João Cravinho, acaba de anunciar que discursará nesta casa o Presidente brasileiro sem que a sua pessoa, o presidente em exercício, ou qualquer grupo parlamentar tenha sido ouvido", referindo não ter conhecimento deste convite.
Já a Iniciativa Liberal, pela voz do seu Presidente, Rui Rocha, apontou o que disse ser “um atropelo inaceitável àquilo que é a própria instituição parlamentar”. “O senhor ministro dos Negócios Estrangeiros não está em sua casa. Esta é a casa da democracia, que tem procedimentos próprios, e o procedimento próprio é que a sessão solene do 25 de Abril seja discutida em âmbito de conferência de líderes”, defendeu, apontando que “nada disso aconteceu”. Registe-se, porém, que os liberais não foram contra a vinda de Lula da Silva em si, mas sim a sua participação na cerimónia da Revolução dos Cravos.
Sem a mesma veemência, o líder parlamentar do BE considerou que receber "no parlamento o homem que colocou Bolsonaro no caixote do lixo da história é uma boa notícia", mas salientou que "não deveria ser apropriada pelo Governo para um número político". "Pode Lula da Silva explicar a Cravinho e Santos Silva o princípio da separação dos poderes?", atirou Pedro Filipe Soares.
E ficou resolvida, a situação?
Ao que parece, sim. O Presidente brasileiro, que realizará uma visita de Estado a Portugal em abril, poderá estar presente na sessão comemorativa do 25 de Abril no parlamento, mas não irá discursar nessa sessão, mas sim na sessão de boas-vindas que lhe será dedicada e que contará também com uma intervenção do presidente do parlamento.
O presidente da Assembleia da República referiu que foi sua a "proposta de a visita do Presidente da República do Brasil assumir a forma de uma sessão solene de boas-vindas, e uma sessão solene de boas-vindas que lhe será dedicada".
Esta proposta, indicou, obteve um “consenso muito grande” na conferência de líderes, tendo tido apenas oposição do Chega.
“Teremos o enorme prazer de receber o Presidente da República Federativa do Brasil, país irmão, numa sessão solene de boas-vindas, que lhe será especialmente dedicada”, anunciou Augusto Santos Silva.
O que está programado?
De acordo com o presidente do parlamento, Lula da Silva intervirá nessa cerimónia a si dedicada, mas indicou que os detalhes, como a data, serão agora tratadas por si “através dos canais adequados para as relações entre os Estados e as autoridades dos Estados”, sem excluir a possibilidade de essa sessão acontecer também no dia 25 de abril.
"Agora que ouvi a conferência de líderes, posso dizer que evidentemente nós teremos uma sessão solene de boas-vindas dedicada ao Presidente da República Federativa do Brasil nas condições que descrevi. Agora, quanto à organização, à logística, às condições protocolares, isso é o meu trabalho e ainda temos mais de mês e meio à nossa frente", afirmou.
Como reagiram os líderes políticos?
Da parte da Presidência da República, Marcelo descartou que a polémica tenha posto em causa as relações entre Portugal e o Brasil. Ao lado da ministra brasileira do Turismo, Daniela Carneiro, o Presidente da República disse que “com o Brasil, as relações são sempre doces, sempre: o Brasil é doce, Portugal é doce. E as relações políticas e diplomáticas são dulcíssimas, quer dizer é o superlativo de doce, são muito, muito, muito doces e muito boas”, respondeu.
Já António Costa rejeitou comentários. “Como é evidente, o Governo não faz comentários sobre como agem e decidem os outros órgãos de soberania”, afirmou o primeiro-ministro à margem da inauguração da nova esquadra da PSP em Vila Real de Santo António.
Costa salientou a importância de a visita a Portugal do presidente do Brasil recuperar as relações bilaterais entre os dois países e assegurou que os dois Estados têm “uma relação à prova de bala”. “Aquilo que é importante, creio, e todos os portugueses têm consciência disso, é que as relações ente Portugal e o Brasil são, desde há 200 anos, uma prioridade constante da política externa portuguesa”, afirmou o governante.
E com isto, já se sabe quem fez o convite à revelia da Assembleia da República?
Não. A face pública do caso é Gomes Cravinho, mas não é crível que a decisão tenha partido dele.
No entanto, Marcelo pareceu querer tomar parte da responsabilidade para minimizar o caso, tendo o Presidente da República recordado que, “quem convida um chefe de Estado a visitar o seu Estado é o chefe de Estado”.
“Portanto, eu convidei o Presidente recém-eleito a visitar Portugal, e o momento encontrado como possível era o ser Portugal – tal como tinha sido o primeiro país a ter uma visita do Presidente eleito antes da posse – ser o primeiro país na Europa a ser visitado em abril”, salientou.
Que Lula da Silva foi convidado por Marcelo, não parece haver dúvidas; mas quem convidou-o para o parlamento? É o que falta saber.
*com Lusa