Odair Moniz: uma morte difícil de justificar

Ana Filipa Paz
Ana Filipa Paz

O caso remonta a 21 outubro de 2024, na Cova da Moura, e desde então tem sido cada vez mais difícil explicar o que aconteceu. O relatório da PJ vem agora revelar que o polícia que baleou o cozinheiro, Bruno Pinto, é acusado de homicídio e, afinal, não houve resistência. Então, porque morreu Odair Moniz?

Odair Moniz foi morto em outubro do ano passado, num confronto com dois polícias na Cova da Moura. A vitima estava a alcoolizada e a fugir dos polícias, que alegadamente terá ameaçado com uma faca - o que agora se questiona se será verdade-, o que motivou os disparos sobre o cozinheiro.

Uma série de protestos no bairro do Zambujal seguiram-se à morte de Odair Moniz, em protesto contra a desresponsabilização da polícia. Hoje, o caso é concluído com a publicação de um despacho pelo Ministério Público (MP), que acusa o agente Bruno Pinto de homicídio.

Mas, existia mesmo uma faca?

Além das dúvidas em relação à inocência do polícia e à veracidade do auto da PSP, notaram-se também "incongruências relacionadas com a arma branca apreendida", explica o Expresso, que teve acesso ao relatório. A faca que teria sido aparentemente usada por Odair Moniz para ameaçar os polícias, não tinha vestígios de ADN, abrindo-se assim a hipótese de ter sido manuseada por alguém a usar luvas. Odair não estava a usar luvas.

O relatório refere também a possibilidade de as impressões digitais terem desaparecido devido à “temperatura, humidade, luz ou tempo decorrido após o contacto” com o punhal ou até “se as condições em que se encontram não forem adequadas”. Além disso, outros elementos da PSP interrogados confirmaram nunca ter visto nenhuma arma no local e "acharam estranho" ter sido feita essa acusação.

As declarações do agente à PJ não coincidem com o que foi dito aos inspetores, nem com o depoimento do outro agente presente no local, que disse claramente que "não" viu a vítima "empunhar a arma branca". A faca apareceu mais tarde no chão já depois da chegada dos reforços, 20 minutos depois dos disparos, e do pessoal do INEM ter "rodado o corpo" de Odair.

A primeira versão dos factos da PSP, transmitida por um oficial da Esquadra de Investigação Criminal à PJ, também é diferente: não reconhece a presença de uma faca e faz referência a dois tiros disparados para o chão, um dos quais tinha atingido Odair Moniz, o que não é verdade. A vítima foi atingida com um tiro numa axila e outro no subabdómen, que acabou por causar a sua morte.

Então, se o sujeito intercetado pela polícia não ameaçou nem resistiu à polícia, porque dispararam?

O agente argumenta que viu a faca ser apontada na direção da sua cabeça e se sentiu ameaçado. No auto, ficou escrito: "A mão vai à cintura, é elevada e direcionada de cima para baixo para a minha cabeça, tendo eu protegido com o meu antebraço tendo evitado aquele impacto e ato continuo, recuei tendo efetuado recurso a arma de fogo" e "apenas com o intuito de neutralizar a fonte de perigo".

E acrescenta: "Senti verdadeiramente que o suspeito tinha a clara intenção de me agredir fatalmente, tendo-se tornado evidente quando me tenta desferir um golpe de punhal na zona da cabeça pelo que senti que não tinha alternativa senão usar a arma de fogo". Foram disparados dois tiros, que deixaram Odair caído no chão, o que não impediu o segundo polícia envolvido de lhe continuar a bater com o bastão.

O uso da arma provou-se desnecessário, porque em nenhum momento Odair Moniz é visto a resistir à intervenção dos polícias. Nas câmaras de vigilância, e nos vídeos gravados pelas pessoas presentes no local, a que o Público teve acesso, mostram que se passaram 43 segundos a partir do momento em que Odair começa a oferecer resistência e cai no chão.

O cozinheiro de 43 anos tentava libertar-se de ser manietado, e, para isso, deu um pontapé e um murro ao polícia, agora constituído arguido. Em resposta, foi empurrado duas vezes, levou com duas bastonadas, foi agarrado para ser manietado duas vezes e levou dois tiros. Foi morto.

Bruno Pinto, que o baleou, não chamou a emergência médica e "conformou-se" com a morte de Odair Moniz . O colega, que não é culpado pela justiça, também não o fez. Foi um agente que chegou quatro minutos depois dos dispares que ligou para o INEM, que demorou mais 19 minutos a chegar. Quando é auxiliado pelos médicos, Odair Moniz já estava em paragem cardiorrespiratória.

O despacho de acusação revela que o cozinheiro sofreu 17 lesões corporais nos minutos antes de morrer, na Rua Principal da Cova da Moura (Amadora), perto das 5h30. E enumera-as com detalhe: feridas nas axilas, vértebras, perna direita, costas, pénis, escroto, coxa e abdómen. E morreu “em consequência das lesões traumáticas torácico-abdominais, com atingimento do estômago e laceração aórtica”, devido ao disparo da primeira bala.

Quem é então culpado e qual a pena?

O agente que disparou contra Odair é acusado de homicídio simples e arrisca uma pena máxima de 16 anos de prisão pelo Ministério Público. Tinha apenas dois anos de experiência e foi a primeira vez que disparou numa intervenção, e provavelmente a última.

Segundo o Expresso, os últimos exercícios foram feitos em contexto do curso de formação de agentes, na Escola Prática de Polícia, em Torres Novas, em setembro de 2022. No despacho de acusação, o MP confirma que o agente de 28 anos sabia que os dois tiros disparados em zonas vitais do corpo poderiam ser fatais e, mesmo assim, "quis desferir e desferiu disparos" e "conformou-se" com a sua morte, cita o Público.

O segundo agente, com um ano de experiência, não está constituído arguido, apesar de a omissão de auxílio médico, numa situação de grave necessidade de ajuda médica que ponha em causa o risco de vida, pode ser condenada até um ano de prisão.

Este não é o primeiro caso de uso de força injustificada por parte da polícia nos bairros de Lisboa. No passado dia 19 de dezembro , uma rusga na rua do Benformoso, no Martim Moniz, encostou migrantes, portugueses, pessoas racializadas, crianças e mulheres contra a parede durante horas. As manifestações contra a descriminação e o racismo continuam a ocupar as ruas da capital, que faz um grito de socorro pela segurança de todos.

*Editado por Ana Maria Pimentel

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