A experiência decorreu no dia 5 de maio ao início da tarde e contou com a particularidade de envolver dois cirurgiões que se encontravam em países diferentes. Mas como explica a Fundação Champalimaud, a barreira física foi colmatada com a tecnologia, que permitiu ao “cirurgião-supervisor” estar “mesmo ao pé” do “cirurgião-executante”. A operação envolveu óculos, realidade aumentada, 5G e software de ponta. Mas por partes.
O que aconteceu:
- Nesta quinta-feira, o cirurgião Pedro Gouveia entrou no bloco operatório da Unidade da Mama da Fundação Champalimaud, em Lisboa, e iniciou uma cirurgia de cancro da mama.
- Ao espanhol Rogelio Andrés-Luna, outro cirurgião da mesma unidade, cabia a missão de assistir à operação de maneira a fornecer a Pedro Gouveia informação complementar.
Até aqui, nada de muito anormal. Mas a realidade é que de “normal” esta sessão teve muito pouco. É que Rogelio Andrés-Luna estava um pouco longe da ação. Mais concretamente, estava a 900 km do bloco operatório onde estava a decorrer a cirurgia, pois estava no palco do Congresso da Associação Espanhola de Cirurgiões da Mama (AECIMA), que decorre de 5 a 7 de maio na Faculdade de Medicina da Faculdade de Zaragoza.
O que fazia por lá? A fazer precisamente uma demonstração desta inédita forma de supervisão cirúrgica remota.
A geografia
- Em Lisboa, Pedro Gouveia estava equipado com óculos de realidade mista (Hololens 2, desenvolvidos pela Microsoft) — que permitem ao cirurgião ver “o mundo real à sua volta” e simultaneamente ter acesso a “informações projetadas sobre as lentes especiais, tal e qual a viseira do capacete de um piloto militar”.
- Em Zaragoza, Rogelio Andrés-Luna tinha apenas um único instrumento de trabalho: um computador portátil ligado aos óculos de Pedro Gouveia (Hololens) através de um dos browser, mas com recurso a um software dedicado, desenvolvido pela empresa alemã remAID.
A tecnologia
Claro que uma intervenção destas só podia acontecer com a tecnologia adequada uma vez que existem várias questões técnicas que é preciso ter em conta. Há dados a serem partilhados ao segundo, vídeos a serem transmitidos em tempo real. Por outras palavras, uma simples conexão rápida de Internet/Wi-Fi não chega.
Como dá conta a Fundação Champalimaud, foi preciso assegurar que as ações delicadas de ambos os cirurgiões estavam sincronizadas sem que existisse um desfasamento temporal (“latência”) de vários segundos entre o que um estava a fazer e o que o outro estava a ver. E é aqui que entra a tecnologia 5G (neste caso via rede privada 5G da Altice Portugal, associada à Movistar em Espanha).
- Ponto-chave. O cirurgião Pedro Gouveia sumariza a importância desta tecnologia afirmando que esta intervenção só foi possível graças ao 5G, uma vez que “pulveriza a latência”.
Durante a operação
Contornada a questão da latência, o cirurgião espanhol conseguia ver através das Hololens exatamente o mesmo que o seu congénere português. Mais, além disto, conseguia, por exemplo, através do seu computador enviar pequenos vídeos de cirurgias semelhantes já realizadas ou até fazer um traço azul a indicar o local escolhido para fazer a incisão inicial.
“Realizamos a primeira experiência no mundo de utilização, ao vivo e em direto, daquilo a que se dá o nome de ‘remote proctoring’, durante uma cirurgia de cancro da mama”, explica Pedro Gouveia, citado em comunicado.
O futuro
O cirurgião português considera que esta experiência é apenas um primeiro passo (“uma prova de conceito”) que poderá mudar a forma como se fazem operações e se ensina os próximos cirurgiões. Não só porque é mais uma ferramenta mais realista ao dispor dos estudantes, mas também é uma maneira de prestar apoio aos profissionais que estão em início de carreira.
Todavia, apesar de ser um passo importante, é apenas o início. Para Pedro Gouveia, a sala de operações no futuro será uma “sala multimédia” e para lá se chegar é preciso esperar. “Ainda temos de validar metodologias, fazer mais cirurgias, identificar obstáculos, optimizar os óculos de realidade aumentada…”, conclui.
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