Chama-se Flutterwave e esta semana levantou uma ronda de investimento de 250 milhões de dólares, em que foi avaliada em 3 mil milhões de dólares. É fácil olhar para a Europa ou para os EUA e encontrar uma miríade de projetos a revolucionar esta ou outra indústria e a repensar modelos de negócios e a forma como empresas e consumidores se comportam. No entanto, no final do dia, muitos deles são um em milhares e a probabilidade de se perderem ou acabarem engolidos por um grupo empresarial maior é bastante alta.

No continente africano, contudo, por existir ainda um atraso muito significativo em termos de digitalização, educação e acesso a investimento, observar uma startup a atingir o estatuto de unicórnio e compreender o potencial impacto que pode ter em toda uma região é uma experiência interessante. A Flutterwave é uma fintech nigeriana criada em 2017, que começou por criar uma espécie de API para implementação de pagamentos em empresas a operar no continente africano — uma origem semelhante à da Stripe que, hoje, é a startup mais valiosa no mundo inteiro.

De acordo com os fundadores da empresa, que têm um passado ligado à Google e à Paypal, a ideia original passava mesmo por tirar proveito do facto de na região haver cada vez internet mais rápida (apesar de menos de 30% do continente ter cobertura) e cada vez mais pessoas com um telemóvel (80% de acordo com dados da ONU). Na sua perspetiva, se a empresa se tornasse a plataforma de pagamentos de referência para todas as empresas que quisessem aproveitar a digitalização da região, havia uma oportunidade gigante de negócio.

Não é uma surpresa a Flutterwave ser oriunda da Nigéria. O país é um dos mais desenvolvidos do continente e um dos cabeças de cartaz da inovação tecnológica que a região está a atravessar, sendo que, de há uns anos para cá, há um setor que claramente se destaca: o das fintech. Em 2021, a indústria foi alvo de 50-60% de todo o investimento que foi feito em startups africanas (5 mil milhões de dólares), o que é representativo do potencial que uma comunidade global de investidores vê no desenvolvimento de uma infraestrutura para o mercado de e-commerce da região, que terá tendência para crescer de forma mais acentuada do que outras mais desenvolvidas.

Das empresas para o consumidor

A Flutterwave começou por fazer parte da popular aceleradora americana Y Combinator, onde teve a oportunidade de desenvolver o seu produto e começar a fechar a primeira rede de clientes. Inicialmente, o foco estava muito do lado de instituições já estabelecidas que necessitavam de um complemento que lhes permitisse ter uma presença online mais forte e lidar com um volume maior de pagamentos e transações. Foi por isso que a startup começou por trabalhar com os principais bancos africanos e com grandes empresas já estabelecidas, que permitiram que a plataforma ganhasse uma validação no mercado.

Depois de construir uma reputação e levantar as primeiras rondas de investimento, a fintech começou a olhar para o número cada vez maior de PMEs africanas a montar negócios online num mercado onde não tinham muitas ferramentas à sua disposição. A pandemia, que colocou muitos desafios a estas e outras empresas, tornou esta necessidade ainda mais urgente e deu mais uma oportunidade à Flutterwave.  Primeiro, a startup adaptou a sua solução inicial para que fosse mais fácil de integrar nas plataformas destas empresas. De seguida, decidiu desenvolver a Flutterwave Market, uma solução que permite que PMEs possam criar diretamente as suas lojas online com a solução da Flutterwave já integrada e chegar a milhares de consumidores. Deste modo, a startup podia funcionar em simultâneo como a Shopify, a Amazon e a Stripe, o que era ideal para um mercado embrionário à procura de opções simples no meio de rápidas mudanças.

Adicionalmente, durante todo este processo, a Flutterwave também continuou a “olhar lá para fora” e a colocar a si própria algumas questões pertinentes. Porque não ser a plataforma de pagamentos de referência de empresas estrangeiras que queiram operar no continente africano? Ou, então, porque não ser a intermediária de referência para negócios africanos que queiram fazer uma transição para mercados internacionais? Hoje, a startup africana já tem como clientes a Uber, a Booking e a Microsoft e desenvolveu um serviço a que chamou de Grow, no qual simplifica o processo de criação e integração de uma empresa na Nigéria, no Reino Unido e nos EUA, onde também tem uma sede em São Francisco.

O passo mais recente desta curta caminhada de seis anos foi pensar no consumidor. Não que este estivesse a ser esquecido nas soluções empresariais, mas na ótica de GB, alcunha de Olugbenga Agboola, atual CEO da fintech africana, havia espaço para melhorar o processo de envio de dinheiro entre países africanos e entre África e o resto do mundo. Por um lado, muitas famílias dependem do dinheiro que parentes, que emigraram para a Europa ou para os EUA, enviam e que, muitas vezes, não só é sujeito a muitas taxas como demora muito tempo a chegar. Por outro, não há razão nenhuma para que o dinheiro em África não possa ser movimentado com a mesma facilidade encontrada na Europa ou nos EUA. E assim nasceram soluções como a Send e a Barter, que funcionam como uma espécie de Revolut, com cartões, carteiras digitais e taxas de câmbio mais amigáveis, tornando o processo de movimentação de dinheiro mais eficaz.

Como será o futuro da Flutterwave?

Alguns números indicam que tem tudo para ser bom:

  • É utilizada por 900 mil negócios no mundo inteiro (eram 300 mil há um ano)
  • Já processou 200 milhões de transações avaliadas em 16 mil milhões de dólares
  • Está presente em 34 países e permite transações em cerca de 150 moedas
No entanto, a indústria das fintech é inevitavelmente global. Internamente, a Flutterwave vai ter uma forte concorrência de outras startups locais a navegar a onda de desenvolvimento da região e procurar o seu protagonismo. Internacionalmente, e à medida que se expandir para outros territórios “além-África”, vai encontrar outras empresas dominantes que podem não só colocar algumas barreiras como ir atrás do próprio domínio interno da fintech africana. Estaremos aqui para ver.