O relatório publicado na revista Science baseia-se em resultados obtidos com novas tecnologias capazes de revelar de forma mais precisa a idade das pinturas rupestres. O estudo foi realizado em sítios arqueológicos espanhóis.

"Esta é uma descoberta incrivelmente emocionante, que sugere que os Neandertais eram muito mais sofisticados do que se acredita popularmente", salientou o principal autor do estudo, Chris Standish, arqueólogo da Universidade de Southampton.

"Os nossos resultados mostram que as pinturas que datamos são, de longe, as mais antigas artes das cavernas conhecidas do mundo".

Uma vez que foram criadas há cerca de 64.000 anos - pelo menos 20.000 anos antes dos humanos modernos chegarem à Europa provenientes de África - "devem ter sido feitas pelos neandertais", acrescentou.

Usando principalmente pigmentos vermelhos e às vezes pretos, foram retratados grupos de animais, estêncil de mãos, gravuras, pontos, discos e desenhos geométricos nas pinturas rupestres em La Pasiega, no nordeste de Espanha, em Maltravieso, a oeste, e Ardales, no sul do país.

Estas interpretações simbólicas apontam para uma inteligência que anteriormente se acreditava pertencer exclusivamente aos humanos modernos, ou seja, o Homo sapiens.

"O surgimento da cultura material simbólica representa um limiar fundamental na evolução da humanidade", afirmou o coautor do estudo Dirk Hoffmann, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva. "É um dos principais pilares do que nos torna humanos".

Novas tecnologias

São várias as evidências que existem para para desmentir o mito de que os Neandertais eram seres brutos. As informações recolhidas mais recentemente apontam que estes eram capazes de impulsos decorativos e de rituais, como enterrar os seus mortos.

Mas as pinturas rupestres eram um dos últimos bastiões que pareciam diferenciar os humanos modernos dos Neandertais, que morreram há cerca de 35 mil anos.

"Nos últimos anos vimos estudos que mostraram que os Neandertais utilizaram amplamente os objetos ornamentais, estruturas potencialmente construídas e, no geral, pareciam muito mais capazes de processos cognitivos simbólicos do que historicamente foi considerado", disse à AFP Adam Van Arsdale, professor associado de antropologia na Wellesley College.

"Estes resultados sugerem que, além disto, as pinturas rupestres já não distinguem os Neandertais dos humanos modernos", disse Van Arsdale, que não participou do estudo.

Os resultados refletem também "alguns desenvolvimentos técnicos impressionantes em técnicas de datação em contextos de caverna, questões que sempre representaram um desafio para a compreensão do tempo dos eventos-chaves na evolução humana".

Datar sem destruir 

Até agora, descobrir a idade da arte rupestre sem a destruir era difícil.

A nova abordagem baseia-se na obtenção de uma idade mínima para a arte das cavernas "usando a datação por urânio-tório (U-Th) de crostas de carbonato que cobrem os pigmentos", explicou Hoffman.

A técnica de datação U-Th é baseada na decomposição radioativa de isótopos de urânio em tório. Esta técnica é capaz de determinar a idade das formações de carbonato de cálcio que remontam a até 500.000 anos, muito mais do que o método de radiocarbono amplamente utilizado, explica o relatório.

Foram analisadas mais de 60 pequenas amostras, de menos de 10 miligramas cada, das três cavernas.

Um segundo estudo, também publicado esta semana por Hoffmann e pelos seus colegas, determinou a idade de um depósito arqueológico localizado na Cueva de los Aviones, uma caverna no mar no sudeste de Espanha, em 115.000 anos, mais antigo que descobertas similares no sul e norte da África associadas com o Homo sapiens.

"Esta caverna continha conchas perfuradas, pigmentos vermelhos e amarelos e recipientes de conchas contendo misturas complexas de pigmentos", afirmou o relatório. A datação mostra que eles vieram de uma época em que os neandertais viviam no oeste da Europa.

"De acordo com os nossos novos dados, os Neandertais e os Homo sapiens compartilhavam o pensamento simbólico e devem ter sido cognitivamente indistinguíveis", afirmou Joao Zilhao, investigador da Instituição Catalã de Pesquisa e Estudos Avançados em Barcelona, ​​envolvido em ambos os estudos.

Estudos futuros poderão revelar muito mais cavernas onde a arte provavelmente era realizada por Neandertais, acredita o coautor do estudo Paul Pettitt, da Universidade de Durham.

"Nós temos exemplos em três cavernas separadas por 700 quilómetros de distância, e evidências de que era uma tradição de longa duração. É bem possível que artes rupestres semelhantes em outras cavernas da Europa Ocidental também tenham origem nos Neandertais", disse.

"Os Neandertais criaram símbolos significativos em lugares significativos. A arte não é um acidente isolado".

AFP/ Kerry Sheridan