Depois de Faro e de Aveiro foi a vez de Lisboa acolher a Smart Cities Tour, uma iniciativa organizada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), através da Secção Cidades Inteligentes, em parceria com a NOVA Cidade e a Altice Portugal. O terceiro workshop discutiu a "Cidade como Plataforma" e levou ao palco do Fórum Picoas os novos desafios das cidades e os contributos da inovação e da tecnologia.
Cada cidade é ou poderá ser inteligente à sua maneira. Essa foi uma das evidências que resultaram das intervenções de vários autarcas presentes, nomeadamente de câmaras com realidades tão distintas quanto as de Lisboa, Viseu, Cascais, Famalicão ou Abrantes. O conceito de smart cities é interpretado em cada uma de acordo com as necessidades que visa resolver, mesmo que, como sublinhou o presidente da Câmara de Viseu e vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e presidente da Secção das Cidades Inteligentes da ANMP, António Almeida Henriques, haja um cenário de fundo comum: "cada vez as autarquias têm mais competências e cada vez menos recursos financeiros - e aqui a tecnologia da inteligência urbana entra que nem uma luva".
Decisiva, na opinião do autarca, é a capacidade de competir no que respeita à cobertura digital. E deu como exemplo uma das atuais frentes em que Viseu está envolvida, disputando um investimento externo com uma cidade do Leste da Europa e outra da Ásia. "Precisamos de garantir que em qualquer lugar as pessoas estão ligadas. Temos de pôr tudo a falar com tudo".
As várias tecnologias ontem apresentadas - seja a plataforma integrada de gestão em Lisboa, sejam soluções de gestão adaptadas à escala de cidades como Famalicão, seja o Move em Viseu que permite ligar freguesias de baixa densidade populacional - têm em comum a exploração de uma série de soluções que visam trazer maior eficiência e qualidade de vida no quadro das comunidades.
Sendo que a tecnologia permite maior eficiência, mas não resolve todos os problemas. Alexandre Fonseca, CEO da Altice e ontem anfitrião da iniciativa que a operadora apoia desde a génese, há três anos, recordou o que já tinha afirmado há quase um ano, no encontro na AIP que fechou a tour das smart cities em 2018: "não podemos ter a ambição de trazer tecnologia para cima do problema e dizer que o resolvemos; smart cities é muito mais que isso, e a solução não pode ser um pronto a vestir porque não há uma mesma solução para todos".
Para o gestor, a componente de tratamento de dados é uma das "pedras de toque" do trabalho que a empresa tem vindo a fazer nesta área, nomeadamente através dos novos polos de inovação como o de Viseu, o primeiro fora de Aveiro, sede da Altice Labs. Madeira e Algarve estão na rota de abertura de novas unidades semelhantes e já hoje foi anunciada a abertura de um polo em Lisboa. Alexandre Fonseca sublinhou o objetivo de alcançar a cobertura com fibra ótica de 100% da população portuguesa previsto no plano de investimentos da Altice até 2020, mas manifestou a sua preocupação com o enquadramento regulatório. "Há um ambiente regulatório hostil aos operadores, demagógico e populista, que ameaça um setor que vale cinco mil milhões de euros no PIB", referiu, acrescentando que "a lei das telecomunicações se avançar vai pôr em causa os investimentos".
"Espanta-me como é que num país tão pequeno há uma distância tão grande das grandes empresas ao território e aos portugueses"
"Não podemos esquecer o tema que foi aqui levantado e bem pelo Dr. Almeida Henriques e que tem que ver com a necessidade de termos todo o país e todos os cidadãos devidamente interligados. Há aqui um esforço que a Altice Portugal tem feito e que não tem sido seguido por outros - somos o único que temos feito investimento nas zonas de baixa densidade do país - e faltam as políticas públicas de incentivo", sublinhou Alexandre Fonseca em entrevista ao SAPO24. Para exemplificar o impacto que podem ter as políticas públicas apontou o caso da rede 4G: "para que operadores como nós, que no 4G temos 98,5% da população coberta, mas falta 1,5%, custa quase tanto estes 1,5% como quase os outros 98,5%, por causa da distância e da granularidade do que é necessário fazer. E hoje não temos políticas públicas que incentivem os operadores a chegar a todos os cidadãos".
Ao longo de um ano em que tem percorrido o país, Alexandre Fonseca considerou que "hoje há uma noção mais clara da parte de autarcas e de decisores de que forma as soluções tecnológicas podem melhorar a vida dos cidadãos. Até porque este tipo de soluções tem muito a ver com a maturidade de quem as produz, mas também de quem as utiliza". Na sua perspetiva, a criação de uma rede de cidades inteligentes passa pela convivência das várias tecnologias de rede: "A combinação destas quatro tecnologias - fibra ótica, 5G, narrowband IoT [para ligar dispositivos / sensores] e 4G - vai ser fundamental".
"É importante que as smart cities não fiquem só por Lisboa, Porto, Braga, Viseu e Aveiro e cheguem ao país real. Eu gostava muito que quando estamos no Vimioso, em Trás-os-Montes, ou em Alcoutim, no Algarve, estes pequenos municípios também fossem smart cities - mais pequenas mas não menos smart", afirmou. Sobre a avaliação que faz das diferentes realidades que tem vindo a visitar pelo país, a nota de Alexandre Fonseca foi para a distância que sente existir entre as empresas e as comunidades.
"Espanta-me como é que num país tão pequeno há uma distância tão grande das grandes empresas ao território e aos portugueses. Ouvirmos autarcas, empresários, cidadãos dizerem que nunca tinham tido contacto com uma grande empresa no seu território tem-me saltado à vista, isto não pode ser assim. Ao mesmo tempo tenho encontrado - seja no Porto Santo, no Funchal, em Ponta Delgada, no Algarve, em Trás-os-Montes - autarcas com uma vontade enorme de entrar neste barco da transformação digital para as suas regiões".
Cada vez maiores, cada vez mais digitais: detalhes que podem fazer a diferença na vida das cidades
Nas próximas décadas, o crescimento populacional e o desenvolvimento tecnológico convergem na multiplicação em número e tamanho das cidades. Como recordou Alcino Lavrador, diretor-geral da Altice Labs, "dentro de 35 anos as cidades vão duplicar de tamanho, teremos mais 2,5 mil milhões de pessoas no mundo".
É esta mudança que quem trabalha nas plataformas de smart cities ou em áreas relacionadas procura antecipar e algumas transformações já são à data de hoje visíveis. Como, por exemplo, o tema do ruído em Lisboa. É uma queixa corrente de moradores em zonas com estabelecimentos noturnos e tem uma capilaridade na cidade que não se resolve com fiscalização à porta de cada bar ou discoteca. Um dos indicadores monitorizados através da atual plataforma integrada de gestão é precisamente o ruído. Como funciona? Através de sensores instalados, sempre que o ruído ultrapassa os valores previstos pela lei é enviado um sms ao gestor do estabelecimento. Ao terceiro sms, se não houver resposta, a polícia municipal dirige-se ao local. "Ovo de Colombo", disse o vereador Miguel Gaspar, ontem presente no debate.
Também Nuno Bento, da Smart Regions, apresentou um conjunto de possibilidades resultantes da análise de dados aqui tratados à escala de uma região e não de uma cidade e que permitem trabalhar cenários relacionados com o desperdício alimentar (e o impacto no volume de importações de alimentos), a disponibilidade de água ou as colheitas vinícolas.
Ao nível das empresas, esta transformação também traz grandes desafios. A forma como consumimos e o aumento das compras online é exemplo disso. Uma mudança que os CTT estão a olhar com atenção, tendo um plano de investimentos de 40 milhões de euros, entre 2018 e 2020, precisamente para implementar soluções como as entregas de encomendas no mesmo dia - o teste piloto de uma solução arranca amanhã em Lisboa - e a disponibilidade de cacifos para que se possam receber encomendas em qualquer altura ou lugar.
A Smart Cities Tour 2019 vai percorrer o país com o objetivo de debater os novos desafios das cidades. Depois de Faro, Aveiro e Lisboa, a tour segue para Vila Real (19 de marco, “Cidade circular”), Setúbal (28 de março, “Cidade inclusiva”), Ponta Delgada (5 de abril, “Alterações climáticas”) e Funchal (8 de maio, “Happy City”) e termina com a Cimeira dos Autarcas a realizar no evento Portugal Smart Cities Summit, nos dias 21 a 23 de maio, na FIL, em Lisboa.
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