Afonso veio a Lisboa “porque a professora [lhe] disse que tinha de vir”. A sala desaba em riso. Mas ele acrescenta: “vir sem medos da matemática”. A pergunta, cuja resposta foi puxada aos soluços, tinha-lhe sido feita pelo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, segundos antes, numa sala cheia que celebrava o primeiro ano de um projeto piloto nalgumas escolas da zona Oeste.
Durante o último ano, oito centenas de alunos de cinco agrupamentos de escolas da região de Leiria puseram os livros de lado para trabalhar com uma ferramenta diferente nas aulas de matemática. O projeto Khan Academy juntou-se à calculadora e ao esquadro nas salas de trinta professores de dez escolas piloto, do primeiro ao terceiro ciclo, que usaram a tecnologia para aprender melhor matemática.
Nalguns casos os livros foram eliminados por completo; noutros a plataforma é usada para consolidar aquilo que vem nos manuais.
Maria de Jesus, professora do Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos, explica que dá matemática "exclusivamente através da plataforma". Para isso, em vez de livros, os alunos de Maria, como Afonso, usam apenas o 'tablet', que "faz parte integrante do material escolar".
Esta escola usa "a criatividade, um projeto e um tópico multidisciplinar para poder dar o currículo". O projeto desta escola do Oeste procura, assim, explorar a criatividade dos alunos, abrindo as portas para lá dos manuais no primeiro ciclo do ensino básico.
"O aluno não está livro e ficha, ficha e livro", explica a professora de Óbidos. "Isso acabou, isso tem de morrer. A partir de agora, se querem manuais escolares, que os introduzam através dos 'tablets', dos computadores e será uma pequena ferramenta a utilizar", defende.
"Hoje em dia a escola tem de pensar que está a trabalhar para alunos do século XXI, não estamos no século XX", diz a docente ao SAPO24.
Para além de ficarem sem manuais, os alunos desta escola ficaram também sem trabalhos de casa — mas não sem trabalho para fazer em casa. Os alunos de Maria de Jesus levam para os fins de semana "um trabalho criativo", seja do Khan Academy ou não.
Isto não significa que as crianças deixam de estudar em casa, já que a própria plataforma faz recomendações (e atribui recompensas) com base no progresso dos alunos — progresso que pode ser acompanhado tanto pelos pais como pelos professores. "É um trabalho criativo, não é um castigo; eles fazem-no com muito gosto e rapidamente", explica a professora.
Mas esta solução não é apenas para escolas que viram o ensino ao contrário. A plataforma é gratuita e livre e “veio ajudar aquelas crianças com imensas dificuldades de aprendizagem, mas também aqueles que querem aprender mais e que podem saltar para outros níveis sem estar à espera do professor — são autodidatas, mudam de nível e dizem-me 'professora, tu ainda não deste esta matéria, mas eu já aprendi'; 'professora, deixas-me dar a aula? Porque se tu vais dar a subtração, eu sei fazê-la na perfeição', e acabam os alunos do primeiro ano a dar a aula", exemplifica.
"Ao levarem a plataforma para casa, ao terem recomendações, os alunos conseguem saltar mais além, ter perceção da matéria e poder utilizá-la a seu favor e na entreajuda com os colegas”. Para isto, é claro, contribui uma escola predisposta à inovação, mas também "professores apaixonados, empenhados”, conclui a docente.
Patrícia Pereira, professora do segundo ciclo no agrupamento Luís de Ataíde, em Peniche, dá aulas ao quinto ano. Aqui os alunos não deixaram de usar livros, até porque para isso, explica, ainda há um longo caminho a percorrer. "Há muito trabalho pela frente”, diz a professora.
Trabalho como assegurar que todos os alunos têm acesso a uma ferramenta como um 'tablet' capaz de substituir o papel. Algo que hoje ainda se torna complicado.
"Numa aula de 90 minutos temos de rentabilizar os computadores da sala multimédia e acabamos por ter de ser criativos para conseguir que a turma inteira consiga usar os computadores”, explica ao SAPO24. Com os 57 'tablets' hoje entregues pelos cinco agrupamentos, vai ser possível ter mais alguns alunos a trabalhar de modo individualizado, prevê.
O Lourenço está no oitavo ano. Tem treze anos e estuda também na Luís de Ataíde, em Peniche. Usa a Khan Academy nas aulas para "melhorar ao ver os vídeos" com a matéria que não entendeu. "O que não percebermos podemos voltar a praticar ou pedir pistas", explica o jovem.
A plataforma não é usada todos os dias. Num mês, aponta o aluno, há de ser usada cinco ou seis vezes. Em casa a história é outra, até porque para este aluno de 4 e 5 a matemática, a plataforma "é uma forma interessante e divertida de estudar."
"É algo que nos ajuda porque é fácil e faz com que consigamos subir as notas, são exercícios simples e aquilo que não percebermos, podemos ver os vídeos, que nos explicam o que devemos fazer”, conta ao SAPO24.
Com os professores a espreitar ao ombro de Lourenço, uma pergunta difícil: se pudesses escolher, preferias só ter aulas com a Khan Academy ou só ter aulas com os professores? "Com a Khan Academy", atira o jovem.
Ao lado, o professor responde: "para que fique gravado na entrevista, o cinco já era", brinca.
Nova babel, novos desafios, novas soluções
A Khan Academy é um projeto de aulas multimédia, com vídeos e exercícios disponíveis gratuitamente e de forma livre através da Internet. Este projeto, que em Portugal é patrocinado pela Fundação PT, está aberto a todos. Mas através de parcerias com as escolas e as autoridades de educação, o projeto entrou nas salas de aula.
Desde o lançamento da iniciativa, diz a Altice em comunicado, "a Fundação PT inscreveu na plataforma 1.250 vídeos, 22 mil exercícios interativos, 56 mil horas de utilização da plataforma e 23.300 utilizadores registados” — embora a esperança seja a de que cresçam ainda mais.
Esta plataforma, criada em 2008, beneficia desde fevereiro do ano passado de conteúdos em português europeu e adaptados à realidade das escolas portuguesas. Tendo hoje sido assinados protocolos com as escolas da zona Oeste, a Direção-Geral de Educação (DGE), a EDUCOM e a Fundação PT, para continuar o projeto.
Para o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, o projeto faz uso da “nova babel que nos rodeia a todos, que acaba por nos acolher, mas também por editar e personalizar”. Agora, há que “aumentar a complexidade” do projeto e alargá-lo, disse o ministro no discurso desta tarde.
São “novas ferramentas para corrigir e superar o insucesso escolar”, aponta o ministro da Educação. Brandão Rodrigues sublinha também que o sucesso do projeto é, antes de mais, dos alunos e dos professores das cinco escolas da região Oeste, que vieram a Lisboa para celebrar os resultados deste primeiro ano.
“Temos de inovar todos os dias, como já se inova todos os dias nas salas de aula, cujos maiores fautores são os professores”, sublinha o ministro da Educação, que saiu sem responder às perguntas dos jornalistas presentes.
“Hoje não falamos só de educação, mas da digitalização do processo educacional que traz um conjunto de novos horizontes”, explica o Alexandre Fonseca, CEO da Altice Portugal, que vê o país num bom caminho neste campo: “Portugal já não está fora da corrida para a digitalização”, acrescenta na sessão desta tarde na sede da Altice em Lisboa.
Para Alexandre Fonseca, “a pasta da Educação é fundamental, das mais importantes e impactantes” e por isso, a Altice Portugal, e antes a PT, tem vindo a “transformar o negócio através da convergência, que deriva de uma génese de empreendedorismo”.
Assim, o objetivo passa pela “valorização da sabedoria, do conhecimento, porque quando falamos em tecnologia de ponta temos noção da importância deste ativo”, conclui. Para a Altice Portugal a educação é área “crucial no âmbito da sua atividade no país e um dos principais pilares do Estado de direito e do desenvolvimento sustentado”, reiterando por isso que “a par da tecnologia, da inovação e do empreendedorismo, a educação continuará a ser uma área prioritária em que a Fundação PT terá um papel essencial na interação com instituições da sociedade civil, como a DGE e a EDUCOM, no quadro do interesse da escola portuguesa”, lê-se num comunicado da empresa.
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