"É bizarro!"

Depois de ouvir a história de José Manuel Fonseca e das partes envolvidas, não se pode deixar de concordar com ele: esta é uma história bizarra que, antes de poder melhorar, só tende a piorar.

O professor universitário comprou um novo smartphone, com o sistema operativo Android, à operadora Vodafone no início de setembro passado. Cerca de duas semanas depois, começaram os problemas, com anúncios intrusivos que se sobrepunham às tarefas que executava no smartphone e até o incomodavam à noite, sendo obrigado a desativar o som do dispositivo.

"Fui informado pela operadora Vodafone que todos [os] telemóveis com o sistema Android incluem publicidade que a Google me manda e se sobrepõe ao [que] quer que seja que esteja a fazer com o telemóvel", revelou na sua conta de Facebook, a 28 de setembro. Mesmo à noite, "interrompe o silêncio e toma lá 'recomendações' do AdChoices", uma plataforma global de anúncios publicitários mas que não é da Google, embora esta empresa lá esteja presente.

Não sendo info-excluído, procurou por soluções na Internet e fora dela: "já desliguei e bloqueei tudo o que havia para bloquear e continuo a ter esta intrusão inadmissível, não solicitada, não desejada e mesmo irritante, inoportuna, inconveniente e repito inadmissível", escreveu no Facebook.

Ao SAPO24, José Manuel Fonseca explicou o que se estava a passar - num problema que não envolvia apenas o OLX mas, dos vários anúncios, o mais intrusivo era um deste portal de classificados e vendas, "com um micro vídeo e som que me obriga[va] a ter o telemóvel no silêncio permanentemente", explicou.

O anúncio impunha-se ao que estivesse a fazer no smartphone ou até quando este se encontrava em modo de descanso. "Sobrepõe-se ao telemóvel em descanso, força o som", explicou, tendo de desligar o volume sonoro do smartphone para obter algum descanso - e assim deixar de receber mensagens ou chamadas que podem realmente interessar-lhe.

Peregrinou por sites para possíveis soluções, sem sucesso. "Desativei tudo com publicidade, não tenho o [browser da Google] Chrome, desativei várias aplicações", instalou programas antivírus e anti-malware. Sem sucesso, porque o problema continuou.

"Os anúncios sobrepõem-se a tudo e não são só de Portugal", nota, quando questionado sobre a imagem do OLX, que colocou na sua conta de Facebook, incentivando-o a aceder à aplicação de classificados em Portugal através de uma transferência ("download") na Play Store da Google.

Recebeu ainda anúncios da IBM em espanhol, de agências de viagens estrangeiras e até de uma aplicação de farmácias nacionais - aplicação que já dispunha no seu smartphone mas que, mesmo assim, lhe recomendava fazer uma nova instalação a partir da Play Store.

"Porquê estas? Não faço ideia", sintetiza, recordando que "não tenho nenhuma aplicação que já não tivesse no iPhone", o seu smartphone anterior. E "a maior parte das aplicações são pagas, são da loja oficial, tal como sempre fiz".

Isto existe e não é fácil de entender

Se tudo isto parece estranho, mais fica quando se sabe de familiares diretos seus que usam igualmente smartphones com o sistema operativo móvel Android, que têm também conta na operadora Vodafone e nada disto lhes sucede.

Nalguns contactos a pessoas nesta mesma plataforma e operadora, o SAPO24 também não conseguiu descobrir um único com um problema semelhante. Aliás, dos mais de 85 comentários que recebeu ao seu "post" no Facebook, apenas um utilizador confirmou ter um problema semelhante - mas não especificou a dimensão (número de anúncios, por exemplo) ou como era afetado e por quem.

O professor universitário recorreu ainda a amigos da área da tecnologia, sem que eles tenham conseguido perceber o que se passava. Após várias diligências, conseguiu "bloquear entidades agressivas, empresas a venderem o nosso perfil" online mas o que não conseguiu foi parar com os anúncios.

"Não consigo entender o que possa ter feito", explica. "Não tenho jogos ou outras aplicações sensíveis" que possam ter interesse publicitário ou assumirem práticas agressivas para a inclusão de anúncios.

Em contacto com a Vodafone, passando do "call center" generalista para uma técnica, esta afirmou-lhe que a operadora "não controla a publicidade" nos smartphones. "Não conseguimos fazer nada", terá dito a técnica, assumindo "saber que isto existe", refere José Manuel Fonseca sobre a conversa tida com aquela responsável.

O SAPO24 contactou a Vodafone sobre este assunto no final de setembro mas não obteve qualquer resposta até ao fecho deste artigo.

"Ainda não me queixei" às autoridades competentes, nota, tendo preferido "desabafar" no Facebook. "Não consigo identificar o veículo" de origem das publicidades, refere, e apenas sabe que todas têm assinatura AdChoices.

As poucas "choices"

Catarina Amorim, da agência de comunicação do OLX, explicou ao SAPO24 que a empresa "não recebeu qualquer reclamação até ao momento" por este tipo de campanha e pela imagem no comentário de José Manuel Fonseca.

Assume que se "trata de uma campanha de Google Adwords - Universal" e "este tipo de campanha tem como segmentação possível a Google Network, Play Store e YouTube. O OLX não interfere com os locais/sites onde o anúncio pode aparecer (nem há opção de escolha), pelo que a responsabilidade da localização da mesma é da Google. Assim sendo, não se pode considerar uma campanha OLX em Android Vodafone", diz.

Com o StandVirtual, ImoVirtual, Coisas e FaturaVirtual, o OLX é um dos cinco sites da FixeAds em Portugal, organização que é detida na sua maioria pela empresa sul-africana Naspers. Presente em mais de uma centena de países, o OLX declara nos seus termos e condições que "pode recorrer a entidades terceiras para levar a cabo atividades de publicidade e monitorizar comunicações de marketing", e que "utiliza os serviços do Google Analytics for Display, nomeadamente a função de remarketing. Esta consiste em exibir anúncios a utilizadores que já visitaram o site OLX.pt".

Ainda segundo estes termos, "os utilizadores podem optar por não fazer parte do Google Analytics for Display Advertisers e de serem expostos a anúncios da Google Display Network ao visitar o Ads Preferences Manager e o Analytics Opt-out Browser Add-on". Diz ainda que "o OLX utiliza remarketing para anunciar online, o que significa que os utilizadores que não fizerem 'opt-out' [expressar uma decisão de saída] da Google Display Network (...), poderão ser expostos a anúncios OLX na rede de conteúdo da Google".

Após esta nota sobre o que podem os utilizadores fazer, o OLX diz ainda que "entidades terceiras como a Google, podem exibir anúncios do OLX em sites das suas rede[s] de conteúdo".

Nesta fase, o utilizador que se dispôs a perceber como fazer o "opt-out" do Google Display Network, chega a uma página apenas dedicada aos anunciantes publicitários.

Pode tentar ir à página dos Google Ads, sobre os anúncios da empresa mas acaba igualmente por saber mais sobre como anunciar na rede de sites da Google do que como sair da mesma.

Na sua versão em estranho português, a empresa questiona: "você já viu 'Anúncios do Google', 'Links patrocinados' ou o ícone 'Opções de anúncios' AdChoices icon ao navegar na Web, usar um aplicativo ou assistir a um vídeo?"

Muito do que se faz nos sites ou aplicações da Google serve para gerir um perfil configurado para a publicidade, mas a própria empresa explica ao utilizador que deve gerir "as informações que o Google usa para exibir anúncios para você" nas definições da conta pessoal. É nessas definições da conta pessoal que o utilizador pode escolher as opções para receber o tipo de anúncios que quer visualizar ou bloquear, vindas da Google. Nomeadamente nos smartphones Android. Mas isso não é tão fácil para a tal rede AdChoices.

As outras escolhas

Apesar da Google assumir anúncios com o ícone AdChoices na sua rede, estes não são geridos pela empresa. A AdChoices pertence ao consórcio Digital Advertising Alliance (DAA), que congrega dezenas de anunciantes como a Google, a IBM, o Facebook e outras grandes organizações da indústria publicitária online, que se comprometem num conjunto de práticas sancionadas pela DAA, nomeadamente sobre a recolha e uso de dados pessoais na utilização de dispositivos móveis.

Assim, pelo que é perceptível neste caso, a Naspers terá contratado uma campanha publicitária a nível internacional na AdChoices, mas segmentada de forma automática em termos regionais, que envolveu o OLX para Portugal mas que nem o OLX podia gerir no nosso país.

O modelo intrusivo, criticado por José Manuel Fonseca, não é caso único - tanto que a própria Google comunicou em agosto passado que não defende este tipo de práticas excessivas e pretende penalizar os sites com anúncios em dispositivos móveis a partir de 10 de janeiro do próximo ano, sempre que as páginas Web não sejam facilmente acessíveis após pesquisa.

Portugal nem sequer é dos mais ignorantes neste tipo de anúncios online. Num inquérito entre outubro e novembro de 2015, o ícone da AdChoices foi reconhecido por 40% dos 401 entrevistados, à frente da Grécia ou da Irlanda.

Tendências inelutáveis

"Para exibir anúncios para você", não é apenas a Google que está atenta à utilização pessoal dos dispositivos tecnológicos, nomeadamente os móveis, como smartphones ou tablets. Onde está o utilizador, a publicidade tenta igualmente marcar presença.

Dados interessantes para Portugal constam do Netscope, uma análise da Marktest sobre as visitas aos sites de informação nacionais, divididas recentemente em acessos no computador e nas visitas "mobile".

Segundo os dados relativos a agosto de 2016 - um mês atípico, devido às férias, em que naturalmente os acessos móveis podem ser mais elevados, e em que o SAPO deixou de constar -, mesmo assim os resultados são avassaladores para os acessos em dispositivos móveis.

No "top 10" dos sites analisados, apenas as visitas em dispositivos móveis aos jornais Público e Expresso tendem a aproximar-se às feitas no computador. Nas restantes, a maior parte dos acessos já é feita em dispositivos móveis.

Nas posições mais díspares estão os desportivos A Bola (uma diferença de cerca de 10 milhões de visitas entre dispositivos fixos ou móveis), O Jogo (seis milhões em PC para 15 milhões em "mobile"), e o Jornal de Notícias (quase seis milhões em computador para mais de 14 milhões em dispositivos móveis).

Por estes exemplos, não é difícil adivinhar que a publicidade móvel vai aumentar. Aliás, basta olhar para exemplos noutros países.

Mary Meeker, que todos os anos publica um reconhecido relatório sobre "Internet Trends", reconhece no trabalho deste ano como a publicidade online cresceu 20 por cento entre 2014 e 2015 nos EUA, em muito devido aos anúncios nos dispositivos móveis, que subiram 66 por cento (no computador esse crescimento foi de apenas cinco por cento).

No mercado norte-americano da publicidade online, passou-se dos 43 mil milhões de dólares em 2013 para os 50 mil milhões em 2014 e para os 60 mil milhões de dólares em 2015, dos quais 21 mil milhões foram para o "mobile".

Isto quando, explicava a revista Wired, Meeker mostra "que as pessoas passam 25 por cento do seu tempo em dispositivos móveis em comparação com 36 por cento a ver televisão, 22 por cento a olhar para a Internet nos seus computadores, 13 por cento a ouvir rádio e quatro por cento a ler jornais e revistas". Em simultâneo, "os gastos em anúncios móveis representam apenas 12 por cento do bolo publicitário total".

"The end"?

Neste cenário em que o problema da intrusão de anúncios publicitários nos dispositivos móveis pode acentuar-se, qual foi a solução de José Manuel Fonseca para resolver o seu problema?

Teve de re-iniciar o smartphone com as definições de origem (como se o tivesse acabado de comprar), voltar a instalar as aplicações que pretende usar e assim resolveu o problema. Até tudo recomeçar, claro...

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