“Quero saber o que os estímulos naturais nos dizem sobre como o cérebro é orquestrado. Como o cérebro, ao longo do tempo, faz sentido das coisas. Quero entender quando as pessoas não têm isso. Quando se está deprimido, o motor do prazer que nos faz querer coisas, gostar e deixar de gostar, não está a trabalhar”, afirmou hoje Kringelbach, em entrevista à Lusa.

O neurocientista, que tem dedicado a carreira ao estudo da estimulação e retroestimulação do cérebro, falava à Lusa à margem do 14.º Simpósio Aquém e Além do Cérebro, da Fundação Bial, na Casa do Médico, no Porto, este ano dedicado à criatividade.

Professor na universidade britânica de Oxford e na universidade de Aarhus, na Dinamarca, Kringelbach apresentou no simpósio, que hoje termina, uma intervenção sobre o papel da música na ligação aos ciclos neuronais de prazer e à criação de significado.

Experiências nesta base, explicou, levam a sofrimento mas também a florescimento, numa palestra em que apresentou resultados de uma pesquisa sobre como a improvisação de jazz orquestra uma sensação de ‘eudaimonia’, um termo da Grécia antiga explorado por Aristóteles que diz respeito a “uma vida bem vivida”.

Nessa sensação entra em jogo a antecipação do prazer – a sensação de que se conhece uma dada melodia – como ponto de partida para serem acionados caminhos neuronais do prazer, sendo o cérebro depois surpreendido pela improvisação.

“A música revela quem somos, e revela algo sobre o nosso potencial”, explicou na palestra, que terminou com um vídeo da cidade do Porto acompanhado de “Amar pelos dois”, de Salvador Sobral.

“Há uma coisa muito interessante no sofrimento, mas também a alegria presente nesse sofrimento"

O investigador veio a Portugal pela primeira vez em 1986 e tem voltado frequentemente, sobretudo ao norte do país, e mostra-se “ligeiramente obcecado com o fado”.

“Há uma coisa muito interessante no sofrimento, mas também a alegria presente nesse sofrimento. Isso vê-se na ‘saudade’. Esta ideia de sentir uma falta agridoce de outros tempos”, conta.

Esta perspetiva, de resto, funciona como súmula para o argumento de sofrimento e florescimento que tem trabalhado, com a música a “atravessar culturas, razão pela qual se pode ter ‘saudade’ na alma” sem ser português.

“Por isso consigo conectar-me ao fado. Sinto, aí, que floresço. Sinto o sofrimento, mas também o potencial de florescer. E é por isso que a música me interessa, acho, porque comunica emoções”, acrescenta.

A música torna óbvio o “princípio geral de que somos máquinas que produzem e antecipam padrões”, procurando um “elementos de novidade, de surpresa, que mantém a curiosidade”, precisamente onde reside um dos problemas da depressão.

Kringelbach tem formação em arquitetura e toca piano e guitarra, aprofundando a relação com a arte para chegar à “sensação de alegria, de partilhar isso e comunicar”, que defende no seu trabalho.

A criatividade é, para o investigador, “estar a brincar, a atirar coisas para ali e ver o que sai”, um despudor que permite “não se criar um altar a que tem de se ir”, nem “esta coisa de arte torturada que não fala para ninguém”.

“O objetivo último, segundo Aristóteles, é viver uma vida com significado, e isso não é ser um artista torturado, em esplêndido isolamento, é sobre partilhar essa alegria. Acabei a falar de amor porque realmente é sobre amar, partilhar a vida”, explica.

O trabalho de neurociência que tem desenvolvido em conjunto com médicos, artistas e outros profissionais, tem ‘ameaçado’ algumas pessoas, revela, mas defende a ciência por detrás da compreensão dos ciclos de prazer e, também, a necessidade de “comunicar” o que se faz a toda a gente.

“Não há nada melhor do que tocar para pessoas, tocar com pessoas. É a mesma sensação de alegria que sinto quando estou a dar uma palestra. É por isso que gasto tanto tempo a fazer isso, porque se não é comunicável, não interessa. Mas tento mesmo ouvir, porque toda a boa comunicação passa por ouvir”, remata.