Um estudo publicado a 19 de maio na revista científica Nature Human Behavior desafia as teorias predominantes sobre a nossa capacidade de resolver problemas complexos e como determinadas perturbações mentais influenciam essa capacidade.
“Pensa-se que os doentes que sofrem de Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) têm problemas em desenvolver estratégias sofisticadas de resolução de problemas”, avançou o autor sénior do estudo, Albino Oliveira-Maia, Diretor da Unidade de Neuropsiquiatria na Fundação Champalimaud, em Portugal. “No entanto, esta nossa nova abordagem experimental fornece fortes evidências que contrariam essa teoria”.
A equipa deste médico psiquiatra e investigador fez a descoberta ao investigar como indivíduos saudáveis e doentes com Perturbação Obsessivo-Compulsiva diferem na forma como resolvem problemas. “Em geral, as pessoas usam uma combinação de duas estratégias complementares, conhecidas como abordagem model-free e abordagem model-based “, explicou Oliveira-Maia. “Enquanto os indivíduos saudáveis usam ambas as estratégias de forma flexível, os doentes com POC tendem a utilizar a abordagem model-free.”
Duas estratégias de resolução de problemas
A estratégia model-free é relativamente simples e funciona bem em ambientes estáveis. Por exemplo, imagine o seguinte cenário: todas as manhãs toma o seu pequeno-almoço a caminho do trabalho. Há duas pastelarias no seu percurso: “O Grão” e “Aroma”. Como precisa chegar ao trabalho cedo, com o passar do tempo apercebe-se que a cafetaria “Aroma” geralmente recebe os indispensáveis companheiros de pequeno-almoço – croissants frescos – antes da pastelaria “O Grão”. Então, seguindo a abordagem model-free, passaria a ir sempre primeiro à pastelaria “Aroma”, e somente quando esta não tivesse croissants, tentaria a “O Grão”.
No entanto, esta abordagem model-free não funcionará muito bem se, por exemplo, o fornecedor de croissants tiver dois motoristas que seguem rotas diferentes. Assim, nas semanas em que o primeiro motorista estiver de serviço, “O Grão” receberá os croissants mais cedo. Mas se for a semana do segundo motorista a pastelaria “Aroma” receberá os croissants primeiro.
Se conseguisse descobrir o “modelo” – isto é, se soubesse que a disponibilidade de croissants depende do motorista que está de serviço numa determinada semana – conseguiria evitar viagens desnecessárias. Portanto, mesmo que “O Grão” receba os tão desejados croissants mais cedo durante várias semanas, na primeira segunda-feira em que isso não aconteça, saberia imediatamente que, durante essa semana, a pastelaria “Aroma” seria a opção mais segura.
“Mesmo que a estratégia model-based seja computacionalmente mais exigente, especialmente enquanto ainda se está a processar o que está a acontecer, é, em circunstâncias complexas como a deste exemplo, mais eficaz na otimização das suas ações”, disse Oliveira-Maia.
Mudar as regras do jogo
De acordo com Oliveira-Maia, os estudos científicos que avaliam estas estratégias, tradicionalmente aplicam um quebra-cabeças denominado de “Tarefa de Dois Passos”, que é semelhante ao segundo cenário que apresentámos, ou seja, o mais complexo.
“Esses estudos mostraram que indivíduos saudáveis usam um misto da estratégia mais simples, model-free, e da estratégia mais complexa, model-based, ao resolver este tipo de tarefas. Pelo contrário, doentes com Perturbação Obsessivo-Compulsiva tendem a adoptar a estratégia menos eficiente. Isto prende-se com o facto de os doentes com POC serem extremamente presos a hábitos e, portanto, terem tendência a repetir ações mesmo que estas não sirvam um propósito útil”, explicou Oliveira-Maia.
Embora esta conclusão pareça linear e consistente, há um senão. Como as tarefas usadas nesses estudos são geralmente muito complexas, os participantes recebem sempre uma explicação completa do modelo, antes do teste começar. No entanto, até agora, ninguém havia ainda testado, com rigor, o efeito dessas instruções prévias – e em particular da sua ausência – na estratégia de resolução de problemas dos participantes.
Dos ratinhos para os humanos
Para descobrir como as pessoas se sairiam apenas com a experimentação livre, a equipa de Oliveira-Maia associou-se a Thomas Akam, um neurocientista atualmente a trabalhar na Universidade de Oxford, que tinha recentemente desenvolvido uma tarefa de dois passos mas para ratinhos.
“Como não é possível dar instruções verbais a ratinhos, o Thomas criou uma tarefa bastante simples para que os animais conseguissem decifrar o modelo por tentativa-erro. No seu artigo de investigação, publicado na revista Neuron há pouco mais de um ano, Thomas mostrou que os ratinhos conseguiam realmente resolver o quebra-cabeças. Então decidimos adaptar essa tarefa a humanos e testar se indivíduos saudáveis adotariam naturalmente uma estratégia model-based, como é genericamente aceite”, explicou o primeiro coautor do estudo, na altura estudante de doutoramento, Pedro Castro-Rodrigues.
Os resultados da experiência foram uma surpresa para os investigadores. “Mesmo tendo uma vasta experiência na realização da tarefa, apenas uma ínfima minoria do grupo de 200 indivíduos desenvolveu uma estratégia baseada em modelos. E isto é impressionante, dada a relativa simplicidade da tarefa, o que sugere que os humanos são surpreendentemente fracos na aprendizagem de modelos causais baseados apenas na experiência”, comentou Castro-Rodrigues, atualmente psiquiatra no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa.
Doentes com Perturbação Obsessivo-Compulsiva são similares a indivíduos saudáveis
No final da terceira sessão, os investigadores dividiram os indivíduos em dois grupos. Um grupo recebeu a descrição completa de como o quebra-cabeças funciona, enquanto o outro não recebeu qualquer explicação. Por fim, os investigadores realizaram uma quarta e última sessão para avaliar o efeito de receber instruções na abordagem de resolução de problemas.
A diferença entre os dois grupos foi clara: quase todos os sujeitos do grupo que recebeu uma “explicação” – tanto participantes saudáveis quanto doentes com Perturbação Obsessivo-Compulsiva – adotaram uma estratégia model-based. Por outro lado, a maioria dos participantes do outro grupo, que não recebeu qualquer “explicação”, continuou com a abordagem model-free.
“Estes resultados foram fascinantes”, disse Ana Maia, estudante de doutoramento que participou no estudo. “Não só revelaram que a explicação desempenha um papel mais importante do que aquele que se pensava anteriormente, como também demonstraram que, reunidas determinadas condições, os doentes com Perturbação Obsessivo-Compulsiva são tão capazes de resolver, de forma ideal, uma tarefa complexa, quanto os indivíduos saudáveis”.
Qual a razão para a discrepância dos resultados deste estudo em relação aos anteriores? Segundo os autores, existem várias explicações possíveis. A primeira é que a tarefa era relativamente simples, assim como as instruções. “Como as tarefas clássicas, de dois passos, tendem a ser muito intrincadas, as explicações também são muito complexas. É natural concluir que uma pessoa gravemente doente e angustiada terá mais dificuldade em processar esse tipo de informação”, explicou Oliveira-Maia.
Outra hipótese é que começar com a experimentação livre faz diferença. Será possível que as três sessões sem instruções acabaram por preparar os doentes para a explicação? “Neste estudo, não testamos diretamente essa hipótese, mas há alguns sinais de que pode ter sido esse o caso. Se estudos futuros apoiarem essa formulação, estes podem mesmo levar ao desenvolvimento de novos tratamentos psicoterapêuticos e comportamentais para doentes com POC e talvez mesmo com outras perturbações da saúde mental”, sugeriu Castro-Rodrigues.
A importância de explicações claras na aprendizagem
A equipa continua a explorar este tema seguindo diferentes caminhos. “Neste projeto, também reunimos dados de imagem de indivíduos que executam a tarefa dentro de um equipamento de ressonância magnética. Portanto, a opção mais imediata seria procurar as correlações neurais associadas à transição de uma estratégia para outra, após receber a explicação da tarefa”, disse Castro-Rodrigues.
“O trabalho do Pedro faz parte de um projeto mais alargado do laboratório – o projeto Neurocomp”, acrescentou o co-autor Bernardo Barahona-Corrêa, psiquiatra na Fundação Champalimaud. “Este projeto, que estou a liderar em conjunto com o Albino, investigará muitos aspetos da POC, com um foco particular numa região do cérebro chamada córtex orbitofrontal. Acreditamos que essa região é crítica tanto para as manifestações centrais deste distúrbio quanto para a adoção de estratégias de ação model-based, em tarefas como a que usamos nesta experiência.”
“Em última análise, estes resultados destacam a importância de explicações claras na aprendizagem”, destacou Oliveira-Maia. “Parece que a exploração livre pode não ser o caminho mais eficiente para adquirir novos conhecimentos. Na verdade, já conversei com meus filhos sobre isto”, acrescentou em tom de brincadeira “explicando-lhes que devem prestar atenção aos seus professores.”
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