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A palavra “smartglasses” passou a fazer parte do dicionário tecnológico quando a Google apresentou os seus óculos inteligentes, os Google Glasses, há mais de uma década, e prometeu que iriam revolucionar a forma como consumíamos informação, realizávamos tarefas e comunicávamos uns com os outros.

O seu produto era de facto inovador, mas o design pouco chamativo, a experiência de utilizador ainda deficitária e, principalmente, o preço superior a 1000 dólares acabaram por afastar até o mais fanático da empresa. Os Google Glasses foram descontinuados em 2015, contudo, no ano seguinte, passaram o “manto dos óculos inteligentes” à Snapchat que desenvolveu os Spectacles, um produto com funcionalidades de realidade aumentada que estaria interligado à sua app e às Stories que milhões de pessoas já publicavam por dia.

Novamente, o design dos óculos não era o mais apelativo e o número de pessoas interessadas num produto direcionado exclusivamente para realidade aumentada era muito reduzido (estima-se que 0.06% dos utilizadores do Snapchat compraram uns Spectacles após o seu lançamento). Por isso, o setor de óculos inteligentes ficou numa espécie de “stand by” e viu outras tecnologias como os óculos VR crescer em popularidade com uma utilidade mais óbvia, não só no gaming, mas também em áreas como a medicina e a produção industrial.

Facebook dá like na Ray-Ban
Na semana passada, foram anunciados os Ray-Ban Stories, os novos óculos inteligentes que resultam de uma parceria entre a popular marca de óculos e a Big Tech. As primeiras reviews ao produto descrevem-no positivamente como um passo atrás que pode permitir dar dois ou três em frente. Porquê?

  • Primeiro, tem um número de funcionalidades mais reduzido. Com estes Ray-Ban é possível apenas tirar fotografias e gravar vídeos e não há nenhum tipo de menu a aparecer nas lentes. As opções mais futuristas ambicionadas, desde o início pelos Google Glasses, foram deixadas de lado.

  • Segundo, tem um design mais atrativo, semelhante aos tradicionais Ray-Ban, precisamente por ser menos exigente tecnologicamente. Isto é uma vantagem face aos modelos do Google e do Snapchat, que não primavam pelo conforto ou discrição.

  • Terceiro, tem um preço (significativamente inferior) de 299 dólares, que poderá ser suportado por uma base alargada de potenciais consumidores.

Os óculos são dignos de um filme de James Bond e, através de duas câmaras, um microfone e colunas embutidas nas hastes permitem gravar imagem, vídeo e áudio, podendo fazer de qualquer um de nós um espião ou detetive privado. Mas, para isso, necessitamos de uma conta no Facebook: além de desenvolver a tecnologia para os óculos, o Facebook também desenvolveu a app Facebook View, através da qual é possível armazenar, editar e publicar as fotografias e vídeos feitos com o produto.

Existem duas maneiras de utilizar os óculos inteligentes da Ray-Ban: ou manualmente, com um botão numa das hastes, ou através de um assistente virtual, no qual é preciso apenas dizer “Hey Facebook, take a vídeo” ou “Hey Facebook, take a picture”.

Para os mais inovadores, os Ray-Ban Stories também podem ser ligados por bluetooth ao nosso smartphone e serem utilizados para atender chamadas, ouvir música ou podcasts, algo que, na praia ou em passeios normais ao sol, poderá ser bastante útil.

O que é que cada empresa ganha com isto?
Este produto é o primeiro a resultar de uma parceria de longo prazo entre o Facebook e a EssilorLuxottica (empresa mãe da Ray-Ban). As duas empresas esperam que a maior simplicidade do produto possa trazer uma maior adoção, que depois justifique atualizações e eventualmente um produto mais sofisticado tecnologicamente que lhes permita dominar um mercado que se espera valer 7.5 mil milhões de dólares em 2028.

Do lado da Ray-Ban, esta também é uma forma de investir na sua sobrevivência. As novas gerações de consumidores são cada vez mais exigentes no valor que retiram dos produtos que utilizam e não seria de estranhar que, dentro de alguns anos, uns óculos que só permitem ver melhor ou proteger das radiações solares, deixem de ser suficientes. Mais vale apostar já nuns que sejam tecnologicamente sexy.

Do lado do Facebook, os objetivos não são tão claros. Por um lado, não se trata de um produto com o seu carimbo como os Oculus VR, dado que o design e venda são da responsabilidade da Ray-Ban. Por outro, os “Stories” também não vão ser utilizados para extrair mais dados e apresentar anúncios mais personalizados, algo que poderia fazer soar alguns alarmes e até prejudicar a própria Ray-Ban, dada a reputação do Facebook no que diz respeito à privacidade. Para já, o plano da tecnológica parece ser apenas apoiar o crescimento de um mercado que, daqui a uns anos, já poderá ser maduro o suficiente para adotar alguns dos produtos nos quais está a trabalhar agora, nomeadamente nas áreas de realidade virtual e aumentada.