Conhecida como “Facebook Research”, mas também como “Project Atlas”, o cerne do projeto consiste em pagar até 20 dólares (17,50 euros) aos utilizadores que instalem uma aplicação que permite ao Facebook um acesso profundo ao telemóvel de cada participante e às suas atividades online feitas a partir do mesmo.

Os contornos desta iniciativa foram revelados através de uma investigação do TechCrunch, website especializado em tecnologia. Segundo este órgão, a app, disponível desde 2016 e destinada tanto a sistemas operativos iOS como Android, permite ao Facebook obter um grau de “acesso quase ilimitado” a dados como e-mails, pesquisas nos browsers, histórico de localizações onde o utilizador esteve com o telemóvel, o histórico de logins das aplicações e conteúdos de mensagens privadas em aplicações de conversação.

Encarada pela empresa tecnológica como ferramenta de estudo de mercado, o website, escreve que esta aplicação gera dados que “podem potencialmente ajudar o Facebook a ligar hábitos de navegação e de utilização de outras apps com preferências e comportamentos de consumo” e que “essa informação pode ser usada para focalizar anúncios” consoante o perfil dos utilizadores.

Apesar de recolher dados altamente sensíveis dos seus utilizadores, o Facebook já se veio defender, dizendo que toda a gente envolvida no projeto fê-lo com consentimento e que este tipo de práticas é comum. Em resposta a um pedido de esclarecimento da BBC, a empresa rebate as acusações de espionagem e secretismo, lembrando que o projeto “se chama literalmente Facebook Research App” e que “todas as pessoas que se inscreveram para participar passaram por um processo claro de integração que lhes pediu permissão e que foram pagas”.

Na página onde os utilizadores podem descarregar a aplicação, o Facebook explicita que “haverão instâncias em que recolheremos dados, mesmo em apps que incluem encriptação, ou e sessões de pesquisa segura”, obrigando os participantes a concordar em não divulgar “qualquer informação sobre este projeto a partes terceiras”.

Contudo, um dos motivos para este projeto estar a gerar polémica prende-se com o público alvo da aplicação. O seu objetivo seria recolher dados de utilizadores entre os 13 e os 35 anos de idade, sendo que os participantes menores de idade teriam de obter aprovação parental. No entanto, um repórter do website Buzzfeed demonstrou no Twitter que essa medida de segurança se limitava a uma alínea a preencher com um e-mail e clicar num botão e que no formulário nem era mencionado que a aplicação era do Facebook. O jornalista da BBC, fazendo-se passar por uma criança de 14 anos, inscreveu-se sem precisar sequer de prestar dados.

Outra questão que o “Facebook Research” lançou é quanto à forma como o Facebook lidou com as políticas de privacidade da Apple. O TechCrunch explica na sua reportagem que esta nova aplicação tem enormes semelhanças com outra app lançada em 2014, chamada Onavo Protect - chegando as duas até a partilhar as mesmas linhas de código.

O Facebook comprou a Onavo em 2014, uma empresa especializada em recolha de dados. A sua principal app, a Onavo Protect, destina-se a ajudar os utilizadores a monitorizar a sua utilização de dados móveis, mas também permite a recolha dos seus dados de utilização. Por esse motivo, foi removida da App Store depois da Apple ter levantado questões quanto à possível violação das suas regras de privacidade - mantendo-se, ainda assim, disponível na Google Play para Android.

Contudo, o grande problema é que, tendo em conta que a Onavo Protect tinha sido proibida, o Facebook disponibilizou esta nova app de recolha de dados à mesma para iOS, contornando a vigilância da Apple. Para tal, visou diretamente os utilizadores através de um programa que a Apple oferece a empresas que queiram disponibilizar aplicações específicas aos seus funcionários por motivos de teste e de controlo de qualidade.

A comprovar-se, o Facebook abusou desta cedência ao disponibilizar o “Facebook Research” não aos seus trabalhadores, mas ao público em geral, ameaçando piorar as relações entre as duas empresas, que não têm sido as melhores - Tim Cook, CEO da Apple, tem vindo a criticar repetidamente as práticas de recolhas de dados do Facebook.

Apesar da Apple ainda não ter reagido oficialmente à reportagem do TechCrunch, o Facebook, em resposta, já prometeu que ia terminar o projeto junto dos utilizadores iOS. Contudo, a empresa também deixou claro à Business Insider que ia manter a aplicação ativa para os utilizadores Android.

Esta prática volta a colocar o Facebook no centro de debate quanto ao potencial uso indevido dos dados dos seus utilizadores. O maior escândalo que afetou a rede social ocorreu em março de 2018, quando se descobriu que a consultora britânica Cambridge Analytica (que encerrou em maio do ano passado) utilizou uma aplicação de recolha de milhões de dados de utilizadores da rede social e que foram alegadamente utilizados na campanha presidencial de Donald Trump, nos Estados Unidos, em 2016. Pelo seu envolvimento, a empresa de Mark Zuckerberg foi multada em 560 mil euros no Reino Unido .

Dos 87 milhões de utilizadores que se estima que tenham sido afetados, 63 mil podem ter sido portugueses. Por essa razão, no passado mês de novembro, a DECO decidiu pôr o Facebook em tribunal por uso indevido dos dados dos utilizadores.

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