João Pina é o programador responsável pelo Fogos.pt, o projeto online que desde 2015 regista em tempo real todas as ocorrências de fogo. O serviço foi recentemente redesenhado e relançado a 2 de agosto, mantendo a missão original: assegurar com “transparência total informação credível e fácil de chegar a toda a gente”.
A história do Fogos.pt começou há três anos e, como tantas vezes acontece, a ideia surgiu numa conversa entre copos, repleta de “e se...”. No caso, os amigos de João Pina, bombeiros e a trabalhar no INEM, partilhavam, em tom de desabafo, o quão difícil era, à época, aceder a informações sobre os incêndios no site da Proteção Civil, apenas disponibilizadas em PDF.
Face a estas dificuldades, João Pina, programador de profissão, achou que estava ao seu alcance “simplificar aquele sistema” e “tentar tornar os dados mais acessíveis, mais fáceis de obter e de consumir, porque são dados de emergência e de interesse público que devem ter uma grande facilidade de leitura”. Assim, a solução passou por criar um mapa onde se identificassem os focos de incêndio e se agregassem as informações relativas a cada um, a partir dos dados que chegavam da Proteção Civil.
Natural de Canas de Senhorim, mas a residir em Paço de Arcos e a trabalhar em Lisboa, João Pina, de 30 anos, dedicou os seus tempos livres ao Fogos.pt, num processo que se seguiu em catadupa: “a primeira linha de código do Fogos foi feita à uma da manhã numa noite de agosto”, adianta o programador ao TNBI. Por volta das duas da tarde do próprio dia, estava a “enviar um e-mail para o pessoal da tecnologia a dizer que tinha feito aquilo”. A primeira versão, muito mais simples, estava alojada num subdomínio da sua conta online. Contudo, depressa descobriu que o nome ‘Fogos.pt’ estava livre e “passadas duas ou três semanas" comprou o domínio, conta.
De 2015 até ao presente muitas alterações se deram no projeto. Entre 2016 e 2017 foram criadas aplicações para iOS e Android, foi estabelecido um sistema de publicações automáticas no Twitter e adicionada uma chatbox [caixa de troca de mensagens] à página de Facebook - esta última, esclarece João, permite que uma pessoa “mande uma mensagem privada para a página do Fogos.pt a dizer só ‘ativos’ e o bot responde com todos os incêndios ativos nesse momento”.
Neste momento, acedendo ao serviço, tanto no website como nas aplicações móveis, encontra-se um mapa de Portugal com uma série de pontos cuja cor determina em que estado está o incêndio, desde o amarelo para indicar que está “em conclusão”, até ao castanho que assinala que se encontra “em curso”. Clicando em cada ponto, pode-se ver quantos meios - humanos, terrestres e aéreos - estão no local a combater os fogos, a cronologia dos acontecimentos e as condições meteorológicas. Para além disso, é também possível ver qual o grau de risco de incêndio por concelho, índices climáticos e estão também compiladas estatísticas das ocorrências de incêndio por todo país.
Todas as informações têm fiabilidade assegurada, garante o autor desta iniciativa, pois “os dados de incêndio são unicamente recolhidos do site da Proteção Civil, os dados de risco de incêndio são extraídos das plataformas do IPMA e agora também temos uma integração que mostra dados meteorológicos que estamos a recolher de um serviço estrangeiro que é o Open Weather Map”. Ao abrir o Fogos.pt, é possível verificar este manancial de informações sintetizado, ainda que o programador admita que são dados “aproximados, porque essa informação tem sempre um pequeno atraso até chegar a nós” - a página é atualizada de dois em dois minutos. João Pina dá um exemplo prático de como se processa a informação no ‘Fogos.pt’: “sempre que detetamos que há uma mudança de estado - de Despacho de 1º Alerta para Chegada ao Teatro de Operações - guardamos a hora, atualizamos esse novo estado e depois sintetizamos tudo na informação do incêndio”.
Para chegar até esta fase de desenvolvimento, o programador deixou de trabalhar sozinho, sendo que a nova versão “foi também feita com a ajuda da comunidade”. Além de contar com dois colaboradores - identificados na plataforma GitHub como Isa e Guilherme Cabral -, o ‘Fogos.pt’ tem o código-fonte em aberto, o que significa que “quem quiser pode contribuir com um bocado de código, uma ideia". Todas as alterações têm de passar pelos três responsáveis, mas o fundador do projeto explica que já houve “imensas participações. Já tenho código de muitas pessoas diferentes”, diz. Para João Pina, isto é “algo realmente fantástico" e reflexo de que se trata de uma "temática que interessa a tanta gente”.
Mas o ‘Fogos.pt’ não conta só com o auxílio de entusiastas online, tem também dois parceiros para o projeto, a Bright Pixel e o Mapbox. O primeiro está a fazer “o sponsor para a estrutura da Cloud”, ou seja, garante que há espaço online para alojar os muitos dados recolhidos diariamente. Já o segundo, “está a oferecer os mapas”, já que a utilização do Google Maps é demasiado custosa para um “projeto que não é comercial nem é apoiado por nenhuma empresa”. Sem o intuito de monetizar ou fazer do Fogos.pt um projeto comercial, o que João pretende é estabelecer parcerias ou patrocínios para não ter de depender de publicidade, como ocorreu no passado. Em cima da mesa estão algumas propostas e estão a decorrer negociações, mas garante que no que toca à “compra do site ou do projecto em si, nunca houve nenhuma abordagem”.
O objetivo último do Fogos.pt, ressalva o seu criador, é o mesmo desde 2015, assegurar com “transparência total informação credível e fácil de chegar a toda a gente”. O esforço em manter esta plataforma tem sido reconhecido pelo público, cujo feedback “tem sido muito bom, ainda para mais agora com esta nova versão do website”. Os números têm-no comprovado. Desde 1 de janeiro de 2017, o Fogos.pt teve mais de 3 milhões de utilizadores diferentes só no website, número que compreende não só portugueses, como também muitos estrangeiros a visitar o país, “que interagem bastante connosco, tanto no Facebook como por email”. Com as preocupações destes visitantes em mente, a nova versão foi também alvo de uma tradução para inglês.
Olhando para números mais recentes, o programador revelou ao TNBI numa primeira conversa, tida no passado dia 3 de agosto, em plena vaga de calor, que durante as 24 horas, entre os dias 2 e 3 de agosto, o chatbox do Facebook teve 15 mil interações, uma média entre as 1700 e as 2000 pessoas online no site e um pico de 8.000 pessoas online nas aplicações depois de saírem dois alertas de fogos. Todavia, com o deflagrar dos incêndios do fim de semana dos dia 4 e 5 deste mês, em particular o de Monchique, os números subiram para 2000 pessoas constantes no online, 3000 nas aplicações e mais de 20 mil interações no chatbox, com picos de utilização das aplicações na ordem dos 13 mil acessos em simultâneo. Durante os dias em que os bombeiros combatiam as chamas no Algarve, o ‘Fogos.pt’ foi acedido por 374 mil dispositivos diferentes.
O ponto de situação atual é mais favorável face ao que se vivia em 2015 no que concerne à acessibilidade de informação, já que o site da Proteção Civil já foi atualizado e o Ministério da Administração Interna lançou uma app que também contém informações e lança alertas, mas a equipa do Fogos.pt, mesmo saudando estes avanços, considera que continua a haver margem para melhorar a sua própria plataforma. Em mente estão alterações como “colocar também notificações na [versão] web e não só nas aplicações” ou “melhorar a granularidade de seleção das notificações”, ou seja, tornar o sistema mais específico para que dê informações para cada concelho e não só por distrito. Outros acrescentos previstos são criar “uma forma mais fácil de saber onde há estradas cortadas por causa dos incêndios” e resenhar as aplicações, atribuindo-lhes os mesmos avanços que já existem no website. Tudo isto, claro, nas horas vagas de João e respetiva equipa.
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