Em agosto deste ano, Elon Musk apresentou o “Neuralink”, um dispositivo que permite a conexão entre tecnologia, o cérebro e o “chip”, que poderá servir para controlar smartphones e computadores, e que, acima de tudo, poderá ter potencialidades médicas para pessoas com distúrbios neurológicos e lesões ou traumas.

As capacidades da Inteligência Artificial (IA) e das neurotecnologias fascinam qualquer um, mas a evolução científica e o aumento dos riscos de determinados avanços tecnológicos são cada vez mais convergentes, provocando vários debates entre a comunidade científica sobre os seus limites e novas necessidades.

“Neurorights and the brain arms race” foi o painel que recebeu John Krakauer, neurologista e consultor médico da MindMazese, e Rafael Yuste, professor de Neurociência na Universidade de Columbia, para debater a necessidade da criação de um conjunto de "neurodireitos".

"Isto não é ficção científica. Estamos a fazer isto em animais de laboratório com sucesso", alerta Rafael Yuste, que integra a iniciativa BRAIN, defendendo que os rápidos avanços na IA e o seu cruzamento com a neurotecnologia podem ser motivo de preocupação, perante o potencial de modificar os mecanismos que tornam "as pessoas humanas" e devido à total ausência de regulamentação ética.

Os interfaces que estabelecem a ligação cérebro-computador são um recurso da medicina, ajudando os pacientes a mover membros protéticos ou a comunicar após uma lesão cerebral. Além disso, a FDA – Food and Drug Administration também tinha aprovado os o implante e elétrodos no cérebro para o tratamento de algumas doenças neurológicas, como Parkinson e epilepsia, quando a medicação não surte efeito.

Perante todos estes avanços, um grupo de 25 pessoas de diferentes áreas de conhecimento ajudou a compor cinco direitos neurológicos, a saber:

  • privacidade e consentimento, devido à possibilidade de aquisição de dados sobre os utilizadores, sem proteção e sem opção de escolha para o utilizador;
  • direito à identidade, pois alguns pacientes relatam respostas emocionais adversas na utilização de algumas neurotecnologias de tratamento, como o aumento da depressão, ansiedade, entre outros efeitos, assim este direito defende que deverá ser questionada e analisada a possibilidade de serem os elétrodos os responsáveis por estes sintomas;
  • livre arbítrio e privacidade mental, assegurando que os utilizadores/pacientes recebem informação adequada sobre efeitos secundários;
  • direito ao igual acesso aos avanços que visam o aumento das capacidades cognitivas e sensoriais, uma vez que existem neurotecnologias que estão a ser desenvolvidas com o objetivo de aumentar esta capacidade, sendo necessário prevenir a desigualdade;
  • proteção contra o enviesamento, pois, ao serem desenvolvidas por humanos, estas tecnologias podem ser "preconceituosas".

Yuste defende que estes direitos deverão integrar a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas: "Se conseguir registar e mudar os neurónios, pode em princípio ler e escrever as mentes das pessoas” e é necessário antecipar consequências imprevistas.

Apesar de sugerir que as fake news, a publicidade e os smartphones também são formas de tecnologia que condicionam o nosso comportamento, explica que o problema é que “agora, a tecnologia pode ficar debaixo do crânio e chegar aos neurónios”.

"Só porque podemos fazê-lo, devemos fazê-lo? ”

Para John Krakauer, esta pode ser “a melhor [tecnologia] de sempre, até agora, controlar o comportamento das pessoas e a sua mente” e pode ser bastante apelativa à utopia tecnológica, principalmente nos Estados Unidos. Apesar de admirar a ambição da proposta de regulação e de concordar com a mesma, considerou que o ideal seria evitar riscos, relembrando que no que diz respeito à “mente” falhámos na sua proteção, com várias redes sociais a provocarem alterações comportamentais e a desafiarem a ética.

“Acreditamos que podemos tentar tudo, porque não temos ideia do que pode acontecer e achamos que a única maneira de lidar com isso é através da regulação, nem sequer pensamos que temos a opção de não o fazer em primeiro lugar. (...) Só porque podemos fazê-lo, devemos fazê-lo? ”, questiona.

No seu ponto de vista, apesar de algumas empresas argumentarem que este investimento e desenvolvimento é "pela e a favor da medicina", o que procuram, realmente, é uma plataforma de consumo e muitas não vão querer ser sujeitas a regulação médica. Também perante o “consumo rampante” que se verifica nestes dias, explica, o que as pessoas querem é algo "virado para o consumo", para o melhoramento de desempenho cognitivo.

Sobre os avanços que têm sido feitos no sentido dos direitos Yuste, o Chile deverá aprovar a primeira lei a estabelecer direitos neurológicos para os cidadãos, e, em novembro, o governo espanhol propôs novas regras para regulamentar a inteligência artificial que incluem disposições específicas para os direitos neurológicos.