"O amor é fogo que arde sem se ver", já rezava Camões. Mas se em tempos este soneto era sinónimo de jovem pré-adolescente a enviar uma carta (com perfume roubado aos pais) à pessoa de quem gostava — a juventude dos finais dos anos 80 e inícios dos 90 sabe do que falo —, parece que agora no mundo digital a chama da procura pelo amor vai ser substituída pela labareda certeira da Inteligência Artificial (AI). É caso para dizer que o olho humano não deteta o amor do maior dos poetas portugueses, mas o algoritmo está a preparar-se para fazer bullseye nos nossos perfis.

Creio que nada disto é causa para admiração se tivermos em conta que atualmente existem mais de 1.500 aplicações e sites de dating que ajudam a sociedade moderna a encontrar e conhecer pessoas novas. (Ah! É importante não confundir com os serviços de matchmaking. Isso é outra coisa.) Estas são apps que permitem falar (através do chat), flirtar e os matchs são feitos consoante a localização do utilizador. Por exemplo, o Tinder.

De acordo com o site Statista, é esperado que até 2026 mais de 500 milhões de pessoas estejam nestas aplicações (online) em todo o mundo. Em Portugal, segundo a mesma fonte, é esperado que 1,7 milhões sigam o exemplo durante o mesmo período. Ou seja, está muita gente à procura do amor e de consolo emocional — enquanto cifrões circulam. É que enquanto vamos à procura do nosso cavaleiro andante ou destemida princesa, as previsões apontam para que este mercado atinja os singelos 9,2 mil milhões de dólares até 2025.

Ainda assim, o que nos traz aqui hoje não são previsões nem números de apps, mas sim descobrir linhas vermelhas à boleia de uma só questão: e se houvesse uma aplicação que nos desse a conhecer o amor das nossas vidas (ou aquele encontro de sonho)? Estaríamos dispostos a abdicar dos nossos segredos e dados pessoais mais íntimos? É que a tecnologia para lá caminha e a AI destas aplicações vai conseguir encontrar o príncipe. Mas há um custo.

No entanto, antes de chegar lá, é preciso ver o lado mais complexo de tudo isto. Quando é que muita tecnologia é demasiada tecnologia? Especialmente quando há emoções humanas envolvidas na equação? Pode (deve) a AI tornar-se no amigo que conhece e nos apresenta a "pessoa ideal"? Mais: devemos deixar que os algoritmos escolham os nossos parceiros e desistir que a casualidade da vida o faça por nós?

Foi a estas questões que a Tidio, uma empresa de serviço ao cliente, quis dar resposta. Para isso, fez uma ronda (inquérito) a 1.191 pessoas. A The Hustle reuniu algumas das principais conclusões, sendo que as mais relevantes são:

  • 63% dos solteiros que participaram no inquérito admitiram que utilizariam uma espécie de Super-Siri se isso os ajudasse a encontrar um parceiro;

  • 69% dos inquiridos estavam dispostos a aceitar que a Super-Siri vasculhasse o seu perfil de maneira a que pudesse fazer recomendações para o tornar mais atrativo.

Todavia, para a maioria, nem mesmo para encontrar o amor vale vender a alma ao Diabo. Exemplo: apenas 13% disse estar disposto a partilhar o seu ADN para encontrar a sua alma gémea e somente 7% confessou estar recetivo a terminar um relacionamento se a Super-Siri assim o recomendasse.

Quer isto dizer que não a opinião nunca muda? Não necessariamente. Com garantias, o ponteiro oscila no sentido da cedência aos poderes da AI. Basta ter certezas. É que com a promessa de que iriam encontrar o seu companheiro perfeito para a dança desta nossa vida, cerca de 70% das pessoas que anteriormente tinha respondido "jamais" à partilha de informação pessoal mudou de ideias.

Por fim, diga-se que o conceito de "companheiros virtuais" não é coisa de filmes de ficção científica. Se é verdade que a maioria (52%) dos inquiridos preferia uma relação física e ter a seu lado um corpo com quem partilhar na cama um pé gelado numa noite fria de inverno, a realidade é que 31% não descarta a possibilidade de ter uma relação "perfeita" a nível virtual (e 16% diz mesmo sem pejo que não se importava de ter as duas em simultâneo).

No fundo, é possível imaginar o mundo do filme "Her", de Spike Jonze, em que Joaquin Phoenix se apaixona por uma assistente virtual (voz da Scarlett Johansson). Em 2013, parecia algo realista, não muito distante, mas que ainda assim tínhamos de esperar uns bons anos para vermos em carne e osso. A realidade, contudo, pode não ser bem assim. E esse futuro está mais perto do que se pensa.